Luc Montagnier, 76 anos, ficou famoso por ter descoberto o vírus causador da sida, em 1983. Continua a trabalhar no tratamento da doença, mas dedica agora grande parte do seu tempo aos tratamentos antienvelhecimento. Criador e presidente da Fundação Mundial de Pesquisa e Prevenção da Sida, da UNESCO, está habituado à polémica. Primeiro, disputando nos tribunais com o norte-americano Robert Gálio a descoberta do HIV. Agora, defendendo tratamentos contra o envelhecimento ainda muito contestados pela comunidade científica. Receitou antioxidantes ao Papa João Paulo II já numa fase avançada da doença e acredita que é esse o caminho para uma velhice de qualidade. Luc Montagnier, pai de três filhos e avô uma vez, divide o seu tempo entre Paris e Nova Iorque. Sempre que consegue, guarda tempo para concertos de música clássica. Tocar piano é o seu único hóbi. O cientista francês estará em Portugal a partir de hoje para participar no Primeiro Congresso Ibérico sobre Medicina Antienvelhecimento e Tecnologias Biomédicas. Começou por fazer investigação sobre cancro, depois sida, agora tratamentos antienvelhecimento. Como é que se trabalha em áreas tão diferentes numa época que privilegia a especialização? Comecei por ter uma unidade de investigação viral oncológica, no Instituto Pasteur, em Paris. Achava que o cancro era, sobretudo, provocado por vírus. Ainda acredito que muitos cancros são causados por vírus. Estava à procura do DNA do vírus que causava cancro mamário nos ratos quando descobri o vírus da sida. Quer dizer que foi uma descoberta casual? Sim, procurava outras coisas. No Instituto Pasteur estamos agora a comemorar os 25 anos da descoberta do vírus. É uma convenção internacional em honra dos cientistas que contribuíram para a descoberta da sida. Com mais de 30 milhões de infectados com HIV em todo o mundo, há razões para festejar? A nossa descoberta permitiu testes que hoje são muito exactos e o uso de testes permite prevenir a transmissão da doença através de transfusões de sangue. A grande conquista foi o tratamento. Há mais de três dúzias de drogas que são muito eficazes e permitem uma vida normal a muitos doentes. O que é preciso conquistar agora? A cura completa. Os medicamentos actuais são eficazes, mas não tratam completamente a doença. Os doentes têm de tomar medicamentos toda a sua vida. O próximo objectivo é a medicação que trate a doença. O ideal será um tratamento que dure apenas seis a nove meses. A grande batalha deixa de ser a prevenção? As políticas de prevenção não estão a resultar, como prova o exemplo africano. A situação da sida já não é tão dramática. Há mais prevenção e mais pessoas têm acesso à medicação. Mas mesmo quando a medicação é gratuita só toma quem admite a infecção e a maior parte das pessoas não quer que se saiba. Além disso, os doentes fazem a medicação durante algum tempo, sentem-se melhor e depois vendem os comprimidos para ganhar dinheiro.Por isso, só estamos a cuidar o topo visível do icebergue. A maioria das pessoas não é tratada. Qual é a solução? Precisamos de uma vacina. Estou a trabalhar nisso. Não uma vacina de prevenção, mas de tratamento, terapêutica. As investigações para uma vacina de prevenção parecem ter chegado a um impasse. Uma vacina terapêutica é possível? É mais provável porque é fácil medir o efeito da vacina. Daí poderemos passar para uma vacina de prevenção. Quando é que teremos essa vacina terapêutica? Daqui a três a cinco anos. Tenho toda a minha equipa a trabalhar nisso. Mas as companhias farmacêuticas não estão muito interessadas na vacina terapêutica. Isso quer dizer que não patrocinam as suas investigações. Quem patrocina? A maioria do dinheiro vem de apoios privados. A União Europeia recusou-me financiamento porque, para fazer testes, é preciso interromper o tratamento dos doentes. Por quanto tempo? Quatro a seis semanas. Não é muito tempo. Mas, na altura, ainda não estava na moda falar de vacina terapêutica. Também não estava na moda associar o cancro a vírus ou o envelhecimento à alimentação. Como é que conjuga áreas tão diversas de investigação? Sou um viajante da ciência. Onde é que a investigação do cancro e do HIV se cruzam? Uma vez que começam, tanto o cancro como o HIV, é muito difícil pará-los. É mais difícil parar do que prevenir. Mas é também aí que está a maior dificuldade. Prevenir essas doenças implica mudar hábitos. É possível prevenir em termos médicos, com medicação. Pode diminuir-se o risco reduzindo o stresse oxidativo. O que é o stresse oxidativo? É um stresse bioquímico, causado pelo desequilíbrio entre moléculas derivadas do oxigénio e antioxidantes, que estão nos alimentos, nas vitaminas, ou que o próprio organismo produz. Este tipo de stresse é muito mau para o ADN porque modifica a sua base. E isso vai induzir o cancro e as doenças cardiovasculares. O que é que provoca o stresse oxidativo? Sabemos que todas as doenças crónicas têm algo em comum o stresse oxidativo. As infecções crónicas, como a artrite, são as piores para o stresse oxidativo. As infecções induzem esse tipo de stresse. Quem é que tem stresse oxidativo? Entre os 45 e os 50 anos toda a gente começa a ter. Como é que se pode preveni-lo? Há medicamentos no mercado, mas é preciso cuidado, porque em excesso podem ser tóxicos. Precisamos de médicos treinados para isto. Numa altura em que se contesta a toma de vitaminas, os médicos estão preparados? São desconfiados. É preciso aprender que as vitaminas funcionam em conjunto, nunca sozinhas. As vitaminas são muito importantes, especialmente a C, mas não são para tomar como rebuçados. E há outras coisas importantes, como o polifenol, presente no vinho e nos frutos vermelhos. Toma antioxidantes? Sim. Isto é o futuro. Ir ao médico antes da doença. Receitou esses medicamentos ao Papa? Sim. Teve algumas melhoras, mas por pouco tempo, porque a doença já estava muito avançada. Esta é uma área ainda muito contestada. Não teme pela sua credibilidade enquanto cientista? Estou à frente do meu tempo, mas não estou sozinho. Todos os anos há vários encontros científicos sobre antioxidantes. Caminhamos para a imortalidade? Quero melhorar a qualidade da velhice, não a expectativa de vida. Vamos sempre morrer, porque ainda ignoramos muita coisa sobre o ADN. Ainda não estamos preparados para viver para sempre.
‘Sou um viajante da ciência’

O francês que descobriu o vírus da sida acredita que, em cinco anos, a sua equipa terá uma vacina terapêutica para o HIV