“Como se agradece 100 anos de presença em Portugal?”, questionou-se o Presidente da República antes de ir assinalar a data à fábrica de Avanca da Nestlé. Depois de excluir várias hipóteses, chegou à conclusão de que o mais certo seria homenagear um dos seus trabalhadores, um que fosse um símbolo de todos e personificasse o melhor que Portugal oferecia. Pediu, então, à empresa, que lhe indicasse esse trabalhador.
Foi por isso que, “com enorme surpresa”, Alfredo Silva, 68 anos, deu um salto na cadeira em que estava sentado e abriu a boca de espanto quando ouviu Marcelo Rebelo de Sousa nomeá-lo para receber o título de Comendador da Ordem de Mérito Empresarial. Quando subiu ao púlpito improvisado para receber a medalha ia bem emocionado.
“Está há 44 anos na Nestlé, começou como operador de linha numa fábrica dos Açores, passou a supervisor, foi chefe de produção até chegar a diretor de Recursos Humanos para a Europa! O que se compreende, porque até tem um ar pachorrento”, brincava Marcelo, enquanto resumia o seu percurso. “Ele simboliza o que de melhor temos para toda a Europa. É alguém que subiu a pulso. Entregar-lhe a medalha da Ordem de Mérito Empresarial é a melhor maneira de reconhecer a todos estes 100 anos.” Nesta distinção, o Presidente da República quis premiar todos os passados e atuais colaboradores portuguesas da multinacional suíça.
O chairman do Grupo Nestlé, Paul Bulcke, e a diretora geral em Portugal, Anna Lenz, cúmplices nesta surpresa, aplaudiam, satisfeitos. O primeiro, porque também exerceu funções em Portugal e confessou ter passado aqui o período mais feliz da sua vida. A segunda, porque foi pela mão de Alfredo Silva que conseguiu regressar a Portugal assumindo um cargo de topo.
“Foi mesmo uma surpresa! As pessoas para mim são uma paixão muito grande e estou muito satisfeito. Ajudei a desenvolver [a carreira de] muitas. Aliás, fui eu que vi o potencial da Anna Lenz. Gosto tanto dela. Vir para Portugal era essencial para a sua carreira e está no lugar certo. Foi dos meus últimos trabalhos antes de sair”, contou, depois, à VISÃO Alfredo Silva, que se orgulha também de ter influenciado muitos dos investimentos feitos pelo grupo em Portugal. “Fiquei muito contente com isso”.
Natural do Porto, Alfredo Silva entrou na Nestlé, na fábrica de Avanca, em 1978, com 24 anos, logo depois de se ter formado em Engenharia Química. “Três meses depois, fui para a fábrica de leite em pó, nos Açores, onde assumi o cargo de chefe de fabricação. Estive lá 7 anos, nasceram-me lá os 2 filhos”, vai contando à VISÃO. “Depois fui convidado para tomar a responsabilidade de uma fábrica de ultracongelados na Gafanha da Nazaré, em Aveiro. Estive lá durante alguns anos. De seguida, vim para Avanca como responsável de produção. Na altura, eram seis fábricas dentro desta fábrica”, explica.
Foi ainda para Águas de Moura, perto de Setúbal, para ficar responsável de uma fábrica de produtos prontos a beber: leite, sumos… . De seguida, rumou à Galiza, Espanha, como diretor de uma fábrica de leite condensado. Só depois regressou a Portugal para assumir, então, a direção de Recursos Humanos (RH). Foi nessa altura que ele trabalhou com o atual chairman, então a trabalhar em Portugal. “Trabalhamos juntos, ele era o chefe do mercado. Comecei uma carreira que me levou à Suíça”.
Como é que um engenheiro químico vai dirigir os RH? “Adoro trabalhar com pessoas. Quando trabalhei nas fábricas, sempre demonstrei que se pode obter coisas com pessoas respeitando-as em cada momento”. E terá sido por isso que as autoridades suíças repararam nele e o chamaram. “Fui chefe de RH, não só da Europa, mas também do Medio Oriente e Norte de África. Dirigia perto de 100 mil pessoas. O prazer que é ter uma reunião com 30 pessoas de várias nacionalidades e diferente géneros. Foi uma riqueza enorme, trabalhar em diferentes línguas”.
A Ucrânia foi um dos países que mais visitou. “Investimos muito lá. E há um mês até anunciámos um investimento de 40 milhões de francos suíços numa nova fabrica perto de Kiev para produtos alimentares. Só não estamos na Coreia de Norte, porque ali é impossível fazer business”.
Em Agosto do ano passado, reformou-se. “Já com 68 anos, o que não é muito natural, porque na Suiça termina-se aos 65. Mas fui convidado para ficar mais um pouco e mais um pouco e mais um pouco e atingi o limite. Era a altura de sair e regressei ao meu país porque tenho aqui os meus filhos. Continuo a ter uma ligação umbilical à empresa e a dar uma ajuda no que me pedem.”
Na assistência da cerimónia que assinalou os 100 anos de presença da Nestlé em Portugal estavam ainda a ministra da Agricultura – que confessou que a filha, médica, 27 anos, não dispensava a Cerelac, assim como a sua neta, e que o seu pai, com 90 anos, era amante de Nestum com mel – bem como o embaixador da Suíça em Portugal, Markus-Alexander Antonietti.
Marcelo, que já tinha provado toda a qualidade de papas na visita à fábrica, sublinhou ainda como “Portugal e os portugueses souberam estar à altura da aposta da Nestlé” e esta soube estabelecer “as parcerias certas”, nunca tendo “desindustrializado” por cá ou deslocalizado para outras paragens. Enaltecendo a vocação exportadora da Nestlé, o Presidente da República saiu orgulhoso “da componente portuguesa nesta aventura”. Alfredo Silva saiu com o título de Comendador, numa surpresa que funcionou em cheio.