A venda das concessões de seis barragens da EDP à francesa Engie regressa esta terça-feira ao Parlamento. Os ministros das Finanças, João Leão, e do Ambiente, Matos Fernandes, são ouvidos à tarde na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, a pedido do Bloco de Esquerda. O negócio está já a ser investigado pelo Ministério Público, por suspeitas de corrupção, tráfico de influências e fraude fiscal, e também pela Autoridade Tributária, que vai determinar se haverá ou não lugar à liquidação de imposto de selo.
De que negócio estamos a falar?
Nos últimos dias de 2020, a EDP vendeu a concessão de seis centrais hidroelétricas no rio Douro a um consórcio liderado pela empresa francesa Engie, por um valor de 2,2 mil milhões de euros. Acontece que a EDP fez o negócio sem pagar imposto de selo que, a ter lugar, teria rendido aos cofres públicos qualquer coisa como 110 milhões de euros.
Quais são as barragens cujas concessões foram vendidas?
Miranda, Picote, Bemposta, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro, todas localizadas no Rio Douro.
Como é que estalou a polémica?
O País foi alertado para o negócio pelos autarcas dos municípios onde se situam as barragens, nomeadamente pelo de Miranda do Douro, que desde sempre reclamaram as justas contrapartidas pelas concessões existentes no seu território. Ainda no final de 2020, o PSD e o Bloco de Esquerda pediram esclarecimentos ao Governo sobre a transação.
Como é que a EDP “escapou” ao imposto?
Segundo o líder do PSD, Rui Rio, a EDP, em vez de vender diretamente as concessões, criou primeiro uma empresa, com um único funcionário, para receber as licenças de exploração das seis barragens e que, de seguida, foi vendida ao consórcio francês. Um mês depois da transação, essa empresa foi extinta. O Bloco de Esquerda (BE) acrescenta que a venda, ao decorrer nestes moldes, beneficiou de uma adenda ao contrato de concessão para assumir a forma de uma “reestruturação empresarial” e, assim, beneficiar de uma lei que dispensa o pagamento do imposto de selo.
O que é que diz a EDP?
A elétrica defende que agiu dentro da lei e que a venda das barragens foi uma transação normal. Chamado ao Parlamento, o CEO da EDP, Miguel Stilwell de Andrade, explicou que é “habitual”, numa operação deste tipo, fazer primeiro uma separação de ativos para, de seguida, vender a nova empresa. Garantiu ainda que a EDP cumpre com as suas obrigações fiscais e que, neste caso, pagará os impostos devidos de acordo com a lei portuguesa.
Mas que lei é essa de que a EDP beneficiou?
Tanto os sociais-democratas como os bloquistas suspeitam que a “fuga” ao imposto por parte da EDP foi permitida pelo Governo, quando alterou o artigo 60º do estatuto dos benefícios fiscais no âmbito do Orçamento do Estado para 2020 – precisamente no ano em que o negócio se realizou. O BE acusa mesmo o executivo de António Costa de ter alterado a lei para favorecer a EDP. O PSD não vai tão longe, mas tem denunciado a “borla fiscal” oferecida à elétrica, alegando que foi a alteração legislativa que permitiu que o negócio se enquadrasse no regime fiscal de reestruturação de empresas, ficando assim isento do imposto de selo. A bancada do partido já avançou com a intenção de repor a redação anterior desse artigo do estatuto dos benefícios fiscais.
Qual é a justificação do Governo?
O Governo rejeita qualquer intenção de beneficiar a EDP. Em nota enviada às redações, o ministro das Finanças esclareceu que a alteração legislativa pretendeu apenas corrigir uma interpretação da Autoridade Tributária (AT), segundo a qual o imposto de selo era sempre devido quando a reestruturação de uma empresa implicasse um arrendamento não habitacional, mas já não era quando, em vez de arrendamento, o contrato fosse de outra natureza, que não obrigasse ao pagamento de uma renda. Já o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, explicou que o seu ministério analisou o negócio “de acordo com a lei”, e remeteu para a AT a decisão final sobre a cobrança ou não do imposto. E o primeiro-ministro, António Costa, disse no Parlamento que, se vier a ser provado que houve um “simulacro fiscal”, tal é “inaceitável”.