Poderá estar por horas a resolução do conflito acionista na TAP, com a saída de um dos privados, David Neeleman, do capital da transportadora. Tudo estará dependente, apurou a EXAME junto de fonte próxima das negociações, de cair a “barreira” do lado da Azul, companhia aérea controlada por Neeleman e que detém obrigações da TAP que podem ser transformadas em capital. O Estado estará a tentar que a companhia brasileira prescinda deste direito.
David Neeleman, que tem 22,5% da TAP (50% da Atlantic Gateway, que por sua vez detém 45% da transportadora portuguesa) já terá aceitado sair da estrutura da companhia por €55 milhões, conforme avançou o Negócios. Faltará agora que a Azul prescinda da opção de transformar em capital a dívida da TAP que assumiu em março de 2016. Nessa altura a firma brasileira subscreveu €90 milhões em obrigações convertíveis em novas ações. Se e quando convertidas, essas obrigações com maturidade de dez anos representariam 6% do capital da TAP. Já o Expresso refere que o Estado defende a conversão deste crédito em capital, o que abateria a dívida da TAP, algo que a Azul só aceitaria com uma garantia pública, cenário que o Governo terá recusado.
A opção de conversão poderia ser exercida a partir de julho daquele ano e a companhia portuguesa poderia amortizar as obrigações no caso de existir um IPO (entrada em bolsa, que não chegou a ocorrer) ou passados quatro anos da emissão desde que a TAP “cumpra com determinados acordos financeiros,” lê-se nos resultados financeiros da Azul. Aceitando deixar de exercer a opção de conversão em capital, a transportadora de Neeleman deverá ficar com as obrigações até ao final da sua maturidade, 2026.
Quem deverá em princípio manter-se no capital é o outro parceiro privado, Humberto Pedrosa (que tem os restantes 50% da Atlantic Gateway), estando ainda em aberto um reforço por via da compra de parte da participação de Neeleman. E, se o fizer, qual o valor a aplicar nessa aquisição – a SIC refere €15 milhões, valor que a EXAME não conseguiu confirmar. De acordo com o Eco, o figurino que estará a ser estudado passa por colocar 70% da empresa nas mãos do Estado, manter 5% com os trabalhadores e os restantes 25% com Humberto Pedrosa (que hoje tem 22,5%).
O primeiro-ministro António Costa sinalizou hoje que o impasse pode ser ultrapassado nas próximas horas ou numa questão de dias, enquanto o Expresso refere que o cenário de nacionalização, ontem admitido por Pedro Nuno Santos no Parlamento, continua vivo e avança se falharem definitivamente as negociações nas próximas horas.
Governo acena com regresso ao Estado
Ontem no Parlamento o ministro das Infraestruturas e Transportes admitiu a possibilidade de uma passagem para a esfera do Estado caso os parceiros privados reprovassem as condições apresentadas pelo Estado para viabilizar a injeção de até €1.200 milhões destinada a salvar a companhia e autorizada por Bruxelas.
“Estas são as condições para metermos 1.200 milhões. Aceitam, vamos trabalhar em conjunto. Não aceitam, acabou,” afirmou Pedro Nuno Santos, que negou ainda a existência de um “braço de ferro” entre acionistas privados e Estado. Contudo, depois do chumbo pelos administradores indicados pelo acionista privado, o ministro disse que ia ainda submeter a proposta diretamente à empresa, a Atlantic Gateway.
A relação entre as empresas portuguesa e brasileira vai além do acionista comum David Neeleman e da emissão obrigacionista. Em março de 2016 a Azul sublocou 15 aviões à TAP, tendo recebido no primeiro trimestre deste ano cerca de €3,9 milhões por conta dessa sublocação. Em março do ano passado David Neeleman comprou à HNA parte das ações que a empresa chinesa detinha na TAP e as suas empresas dividem com a HPBG, a 50%-50%, o capital da Atlantic Gateway, que por sua vez detém 45% da TAP.
Esta segunda-feira, em declarações por escrito à Lusa, Neeleman assegurou que os privados estão “empenhados” no futuro da TAP e agradeceu “muito” o empréstimo de emergência do Estado português e disse aceitar a entrada imediata deste na comissão executiva da empresa.
Percurso de quase cinco anos
David Neeleman e Humberto Pedrosa entraram no capital da TAP na reta final do Governo Passos Coelho, em 2015, comprando 61% por €0 milhões. E aceitaram meses mais tarde, já no Governo de António Costa, reverter os termos da privatização que colocaram 50% da companhia nas mãos do Estado. Entretanto a companhia fez fortes investimentos na compra de aeronaves: só em 2019, incluindo a compra de 30 aviões para a renovação de 70% da frota de longo curso, investiram-se mais de €1.500 milhões, referia o relatório e contas daquele ano da companhia.
Desde janeiro de 2018 que a comissão executiva da empresa é liderada por Antonoaldo Neves, uma escolha dos privados, cujo consulado ficou marcado pelas polémicas dos prémios a gestores da TAP em ano de prejuízos e, mais recentemente, pela escolha de rotas no reinício da atividade, nomeadamente com acusações de prejudicar o Porto. Esta situação valeu a interposição de uma providência cautelar por parte da Associação Comercial do Porto para tentar impedir a injeção de até €1.200 milhões na empresa.
No primeiro trimestre do ano, momento que coincidiu com o início da pandemia de Covid-19, a TAP registou prejuízos de €395 milhões, mais do que o triplo do mesmo período de 2019, penalizada por custos relacionados com contratos de fornecimento de combustível e variações cambiais.