Para que não houvesse dúvidas, Mário Centeno disse-o com todas as letras: “Vai ser um ano difícil para a economia e para as finanças públicas”. Mas há, também, o lado meio cheio do copo. É que, garantiu o ministro das Finanças demissionário, naquela que deverá a sua última intervenção pública no cargo, “a recuperação já se começa a visualizar”. Para não fugir à regra dos últimos cinco anos, foi uma conferência de imprensa com muitos números, aquela a que Centeno presidiu esta terça-feira, no Ministério das Finanças, a menos de uma semana da sua saída do caego.
Primeiro, esses números: do desemprego ao volume de pagamentos por meio automático, das exportações ao investimento, da receita à despesa pública para responder à crise sanitária. Muitos contas de subtrair nas verbas que entram nos cofres do Estado, muitas operações de soma do lado dos gastos com prestações sociais e injeção de dinheiro na economia para suavizar, tanto quanto possível, o impacto da crise económica que se seguiu à pandemia.
Com o seu sucessor ao lado, Mário Centeno acabou por dividir o palco com o ainda secretário de Estado do Orçamento. Centeno falou da quebra abrupta nos pagamentos por multibanco: no início da crise, na semana 23 março, houve uma “redução drástitca, quase imediata, do que era o e valor de volume de transações por pagamentos por meio automagico”, uma redução que chegou aos 48% face à semana imediatamente anterior. O ainda ministro falou, também, na “forte redução das exportações”, mais forte, aliás, do que a média da zona euro – uma realidade que se explica com a “grande abertura” da economia nacional ao exterior, em boa parte no que diz respeito ao setor to turismo. Em contraponto, a quebra no investimento foi, até agora, inferior ao que estava estimado para a zona euro e para o conjunto da União Europeia.
O desemprego é outro indicador do forte e imediato impacto que a crise teve no país. Em março, o número de desempregados subiu na ordem dos 2300 novos inscritos nos centros de emprego; e, em abril, o valor ainda passou para mais 3031 novos inscritos face à realidade pré-pandemia. Em maio, e também em junho, o nível de novos registos foram “inferiores ao do mês de março”, o que é um sinal do abrandamento da curva ascendente e de estabilização da subida do desemprego. Será “uma crise muito severa, mas temporária”, e “o grau de temporalidade depende de sucesso das estratégias de saída” da crise, considera Mário Centeno.
Depois, o ministro demissionário passou o palco ao ministro que lhe sucede. Nesta “crise sem precedentes”, e falando sobre o quadro orçamental que se adivinha, João Leão confirmou a previsão de que a economia portuguesa vai contrair 6,9% este ano. Prevê-se uma redução de 4500 milhões de euros nas receitas do Estado, sobretudo a partir do início do segundo trimestre, depois de Portugal ter registado o primeiro caso de contágio com Covid-19. E prevê-se, também – como o Programa de Estabilização Económica e Social já avançara – um aumento da despesa de mais 4300 milhões de euros face ao previsto no Orçamento do Estado para 2020. Essa verba divide-se entre as medidas de apoio ao emprego (600 milhões), medidas dirigidas às políticas ativas de emprego (300 milhões), o financiamento às empresas através de empréstimos com garantias do Estado (com um peso de 6600 milhões de euros), entre outras.
Consequência: um brutal aumento da dívida pública de 16,7%, só este ano, passando dos 117,7% de 2019 para uns históricos 134,4% no final de 2020. “Este aumento”, explicou João Leão, “é maioritariamente justificado pela queda do PIB”. Na linha daquilo que já tinha Mário Centeno, a expectativa do Governo é a de que o impacto (forte) da crise seja também efémero e que a “dinâmica” pós-pandemia permita reverter o quadro negro de 2020 “nos próximos anos”.
A proposta de Orçamento Suplementar que António Costa gostava de ver ser aprovada por unanimidade seguiu já esta tarde para a Assembleia da República. A votação final global do documento que suporta a resposta do país à crise económica e social provocada pela pandemia do novo coronavírus deverá acontecer a 3 de julho e terá, à partida, aprovação garantida.