Não é fácil acompanhar Marco Galinha sem perder o fôlego. Aquando do início da entrevista à VISÃO, o fundador e líder do Grupo Bel concordou em tirar, em primeiro lugar, as fotografias. Devido à sua longa ligação às bicicletas (foi campeão nacional de BTT), foi buscar uma das muitas que tem pelo escritório. Ao deparar com pouco ar nos pneus, insistiu em enchê-los, argumentando que “isto com o pneu assim vê-se na fotografia que é só para brincar”. Tirou o blazer e agarrou-se à bomba de ar, acabando a suar. Depois, montou-se na bicicleta para dar uma volta pelo escritório, no meio dos funcionários, só depois se sentando à mesa para conversar. Decididamente, Galinha não é o típico CEO.
O sétimo de oito filhos, natural de Rio Maior, desde cedo teve a paixão pelas bicicletas e logo depois pelos negócios. Quanto à mais antiga, foi a sua primeira venda, quando convenceu um amigo a comprar-lhe uma bicicleta que havia restaurado e pintado, ainda adolescente. Quanto à paixão pelos negócios, o bichinho veio dos trabalhos nas férias e que fazia por casa, as normais tarefas de uma vida no campo. Num verão, foi trabalhar para uma cutelaria e fez-se luz, mas não da forma como se esperaria. “Aí aprendi exatamente o que não queria fazer quando fosse grande. Pensei que tinha de fazer tudo para nunca fazer aquilo. Porquê? Não que não fosse um trabalho respeitável, mas era tão duro que eu percebi que tinha de fazer tudo para não ter de fazer aquele tipo de trabalho tão duro, como a agricultura, por exemplo”, conta à VISÃO.
As bicicletas são uma paixão quese mantém até hoje e que o levarama ser campeão nacional e a representar o País em torneios internacionais. E Marco Galinha admite que esse sucesso o fez sonhar com outros. “Eu vinha de campeão nacional de BTT e achava que queria ser campeão nacional nas empresas em Portugal. Eu sabia que era difícil mas não mais difícil. As regras são as mesmas: disciplina, organização, seriedade, não usar doping, ou seja, tinha de cumprir as regras”, explica. A oportunidade surgiu mais tarde, enquanto estudava Engenharia Informática no Instituto Superior Técnico. O bug do ano 2000 assustava meio mundo das empresas, e Galinha viu a abertura: “Eu criei uma empresa de software porque achei que havia tanto pato a achar que isto ia parar, que era uma boa oportunidade para ganhar dinheiro.” E assim foi.
Apesar de a vida lhe correr bem, não foi com a tecnologia que ficou rico. Em 2004 entrou na distribuição, nomeadamente nas máquinas de vending de tabaco que ainda hoje constituem o grosso da faturação do Grupo Bel. Começou, então, uma série de aquisições rápidas, o que conduziu ao crescimento do grupo e o levou a disputar a liderança do setor, com grande predominância no Centro do País. Hoje, entre tabaco, comida e bebidas, há cerca de seis mil máquinas automáticas geridas pelo grupo.
Enquanto a distribuição crescia, Marco Galinha ia diversificando. A distribuição é uma cash cow, mas é um segmento maduro e com crescimento difícil. “No período muito duro da crise financeira, comecei a pensar que, em vez de criar empresas para entrar na loucura das startups, porque não haveria de comprar empresas com 20, 30 anos, em dificuldades financeiras? E injetar tecnologia e dar a volta. Comprámos empresas em todo o tipo de estado, bom, médio e mau”, explica. E este é o tema que mais o entusiasma – comprar empresas e dar-lhes a volta. Da distribuição passou para a indústria (incluindo a aeroespacial), o imobiliário e até a comunicação social.
“Há essa estratégia de diversificação, mas está tudo ligado. A parte do Espaço, por exemplo, desenvolveu um braço de automação a partir do qual será feita a distribuição no futuro. A distribuição é tudo, toca tudo, não dá para mandar uma bebida por email. Temos produtos em queda lenta e outros com crescimento de 100% ao ano. Mas a indústria está a crescer, em receitas, 200% ao ano, e a distribuição 3%. Daqui a cinco anos, antevejo a indústria maior do que a distribuição”, diz.
Tudo somado, Marco Galinha espera fechar 2019 com 450 milhões de euros em vendas, para um lucro a rondar os três milhões de euros.
Um tubarão entre os cães
A sede do Grupo Bel, em Alfragide, perto de Lisboa, é uma mistura de estilos e diz alguma coisa sobre o estilo de gestão de Galinha. Em vez de um prédio na Avenida da Liberdade ou no Chiado, o coração do grupo bate num edifício discreto e até algo difícil de identificar, quase no meio do nada. O escritório de Marco Galinha, onde predomina a madeira, é dominado pela presença de várias caravelas de prata. Algo que reforça a paixão do empresário pelo que é português e pelo que é feito à mão. No laboratório, engenheiros experimentam tecnologias, como uma máquina de distribuição inteligente que não aceita dinheiro, sendo o pagamento feito através de uma identificação via app. E os funcionários dos vários departamentos parecem habituados a ver Marco Galinha andar por ali, não estranhando sequer que ele comece a passar de bicicleta, a fazer cavalinhos, no meio deles. O gestor, porém, leva-nos para o exterior, mostrando a aposta que a empresa está a fazer nos carros elétricos – com ele à cabeça – e para conviver com algo menos habitual: os cães da empresa. Saltam quando Galinha chega e ele fica a fazer-lhes festas, afirmando que a presença dos bichos é terapêutica para os trabalhadores.
Mas foi outro animal, além da Galinha do nome, a marcar o seu percurso: em 2016, tornou-se um dos tubarões da edição portuguesa do Shark Tank, programa que junta empresários a inventores e empreendedores que procuram investidores para as suas ideias de negócio. “Ganhei e perdi com essa participação”, afirma. “A vida é tão curta que se eu não fizer o que gosto estou a violar a minha consciência”, justifica, acrescentando que “era só o que faltava andar aqui com travões. Fui a jogo. Em dez projetos, nove correm mal, pode ser que um pague os outros”. Do que perdeu, fala sobretudo da privacidade: “Gosto de passar de forma discreta e isso passou a ser mais difícil. Gosto de andar na rua, de ir ao cinema, às vezes ando num carro velho, gosto de andar a pé na Baixa, mas agora de vez em quando as pessoas conhecem-me.” Já antes de chegar à televisão era normal virem pessoas ter com ele para pedirem capital para este ou aquele negócio.
E, para Marco Galinha, a tomada de decisão é muito rápida: “Em menos de dez segundos, não sei bem explicar.” Quanto ao que o leva a identificar um bom negócio, fala nas pessoas, que “são a coisa mais valiosa. É nelas que está a entrega, o projeto de futuro, a lealdade”.
Está num setor de base tradicional, como a distribuição e a indústria, mas insiste com os seus departamentos para que desenvolvam tecnologia. Já no que toca ao ecossistema de empresas startup em Portugal, o Grupo Bel vai investindo aqui e ali, sobretudo através de fundos. “É também para beber a cultura e a tecnologia e igualmente pela parte financeira. Temos conhecido jovens fantásticos, embora precisem de ter os pés assentes na terra. Não é só fazer coisas; é preciso fazer e vender”, reforça.
Fala repetidamente de “portugalidade”, algo que também justifica algumas das suas decisões de investimento. “Olho sempre para a portugalidade das coisas, naquilo que somos bons, como a metalomecânica, e investimos recentemente na Metalúrgica Luso-Italiana. E sempre fomos bons a fazer coisas à mão. Neste escritório, é tudo feito à mão”, atira, simulando com a mão o gesto. Num momento em que o nacionalismo português não está na moda, Galinha afirma-se um patriota férreo. “Eu não sou um tipo que ouve o hino sentado. Em minha casa, todos ficam de pé. Tenho muito respeito pelos nossos antepassados, pelos grandes líderes que tivemos. Não sinto nenhuma vergonha do que fomos; sinto muito orgulho. Ser português é uma mais-valia, made in Portugal para mim é uma mais-valia. É uma coisa magnífica termos tantas nacionalidades a viverem entre nós em paz”, defende.
O risco, quando se compra uma empresa por milhões, faz parte do jogo, e o empresário vê um paralelismo com a época em que carregava pelas montanhas abaixo em provas de todo-o-terreno, em bicicleta. “As grandes decisões de liderança vêm do risco que eu corria no downhill”, admite. O risco, agora que o grupo tem crescido a 60% ao ano em faturação, é mais fácil, porque a distribuição garante um cash-flow mais constante, o que permite outras aventuras. “Por isso é que temos o grupo assim. Há partes que podem arriscar e outras não. A distribuição não arrisca, a indústria sim, mas é algo que nós, enquanto País, fazemos bem; e depois há outra parte de risco, que é os média.”
Apetite pela comunicação social
O primeiro pé na comunicação social deu-se com a compra de uma participação no Jornal Económico, semanário de informação económica, há cerca de um ano. “O Jornal Económico vem de tempos muito difíceis e este ano vai praticamente fechar a zero. E eu não interfiro no jornal; no que devemos intervir é ao olhar para os números”, diz. Já depois disso, o Grupo Bel abalançou-se para uma caça bem mais grossa: a Media Capital, que está a ser vendida pela Prisa e que tem a Cofina como provável compradora (o negócio está à espera de autorizações regulatórias para prosseguir). “Estivemos envolvidos, e saímos, na compra da TVI. Saímos para esperar para ver. Analisámos, preparámos uma operação internacional com um dos maiores grupos financiadores a nível mundial. Decidimos depois sair muito por respeito para com as outras propostas, até por ser um grupo português que se prepara para efetuar a compra”, afirma Marco Galinha, que não se mostra impressionado com os mais de 200 milhões de euros em que a operação está avaliada. “No caso da TVI, que representa cerca de metade das nossas vendas – e já fizemos no passado compras desta dimensão –, olhámos para o negócio, mas as variáveis não batiam todas certo. Mas uma coisa batia certo: é uma casa repleta de grandes profissionais. O que não batia, enfim, é um negócio em constante queda. E não fazia sentido fazer uma proposta concorrente a um grupo nacional, credível, que está a fazer o negócio. Que tenham as maiores felicidades.” Falhada essa oportunidade, outras não faltarão, afirma sem pestanejar, até porque, admite, “gosto particularmente de maus negócios, ou seja, de negócios que os outros acham que são maus”. Descrição que encaixa bem no atual momento da comunicação social.
“Vamos olhar mais para os média; é um setor que eu acho dos mais interessantes em Portugal. E é engraçado porque toda a gente acha o contrário”, diz, sem querer revelar alvos específicos. Questionado sobre se está convicto de que vai fazer uma aquisição nesse setor nos próximos anos, a resposta não podia ser mais assertiva: “É uma certeza matemática. Não é uma convicção. Há uma música dos Rolling Stones, de que gosto muito, que diz que Time Is On My Side (ver caixa). É uma questão de esperar.” Aqui, ao contrário do resto das suas apostas, nem tudo é interesse financeiro, embora Marco Galinha afirme que “o setor pode ser lucrativo, com alguma modernização”. “Acho que faltam algumas coisas no jornalismo, respeitar mais os jornalistas, valorizar mais a classe. Temos jornalistas a trabalhar no grupo e são pessoas supercompetentes, que dominam qualquer área”, assegura. E acrescenta, sem se deter: “O Grupo Bel tem um rosto, o capital sem rosto é que é um risco. É preciso respeitar o jornalismo e criar valor.”
Café, África e Estados Unidos da América no radar
Uma das empresas de que Galinha fala com mais orgulho é a Futurete, fabricante de máquinas de café, grande exemplo de exportação do Grupo Bel. “Eu tinha um sonho quando jovem que era vender um produto para quase todos os países, e agora já comercializamos máquinas e moinhos de café para quase 100 países.” Um dos próximos passos é a venda do café propriamente dito, que levará a marca Bel, habitualmente presente nos produtos do grupo. Para já, o café ainda é um projeto em desenvolvimento, mas os olhos do empresário estão bem abertos para uma possível aquisição: “Quando houver uma oportunidade, compramos. O café é a commodity mais importante do mundo a seguir ao petróleo; está com um crescimento brutal na China, estamos a vender máquinas para lá.”
Em termos geográficos, além do mercado estratégico que é Portugal, Galinha quer crescer nos EUA, onde procura oportunidades para a sua Miami Shark Investments, tirando partido de uma relação próxima com aquele país. “Não sei se vamos continuar a crescer 60% ao ano; estamos também limitados ao que é o PIB de Portugal, que é pequeno, e é por isso que estamos a preparar aquisições nos EUA. Estou a trabalhar há um ano e meio na compra de uma empresa de segurança e software. Gosto muito dos EUA, é o meu segundo país”, justifica. Além disso, há uma relação histórica com África, embora aí o gestor seja mais cauteloso na planificação de investimentos. “Há oportunidades em África, tenho muito respeito pela História de Portugal, pelo muito de bom que os portugueses fizeram lá. Provavelmente vamos começar devagarinho, com alguma coisa na parte cultural, na ilha do Príncipe”, revela, um dia antes de partir para o continente africano em mais uma viagem exploratória. Sobre o ambiente económico em Portugal, pede menos intervenção do Estado e sobretudo menos taxas e impostos, mas deixa elogios a António Costa e a Mário Centeno. “Eu vejo humildade e capacidade no ministro das Finanças. Eu vi ministros que não tinham capacidade para abrir e fechar a porta de um barracão.”
Em termos financeiros, há abertura para parcerias, mas uma eventual ida para a bolsa é absolutamente descartada. “Era a pior coisa que me podia acontecer. Nós não precisamos de capital, financiamo-nos muito bem, temos excesso de oferta. Quero é um escrutínio igual ao da bolsa. Nunca falhámos uma prestação bancária, em 18 anos. Os bancos acreditaram em nós, e esse dinheiro foi sempre bem investido”, defende, como justificação para a ausência de necessidade de ir buscar dinheiro ao mercado, abrindo o capital do grupo.
Também a sucessão é uma questão que não se põe. Marco Galinha criou o grupo que, segundo o próprio, estará entre as 60 maiores empresas do País, mas tem apenas 42 anos e a reforma ainda está longe. Quanto aos seus dois filhos, não será o sangue a determinar que venham a ascender à liderança executiva do grupo: “Não acho nada que os familiares tenham de vir a seguir na gestão; tem de ser é alguém bom. Os meus filhos têm uma obrigação, que é serem felizes. Liderar uma empresa implica muito trabalho e uma vocação. É preciso ser bom e gostar, não basta ser bom.”
Até lá, Marco Galinha vai continuar a fazer aquilo de que gosta. Encontrar empresas, comprá-las e dar-lhes a volta é o que ocupa o seu tempo muito mais do que a gestão de operações no dia a dia.
Nos tempos livres, este homem que não gosta de fazer férias vai voltando às bicicletas e regressou à leitura de Camilo Castelo Branco. Menos comum é o interesse pelo Espaço, que lhe terá vindo do investimento na Active Space, que desenvolve soluções para a indústria aeroespacial. “Descanso a cabeça a estudar coisas sobre os planetas, por exemplo. Sei exatamente as temperaturas das noites nos planetas. Não é normal!”, ri-se.
Talvez não seja, mas Marco Galinha não é um CEO igual aos outros.