João Morais Barbosa está a fazer o Doutouramento em Gestão e é especialista em mercados e ativos financeiros. Formou-se no ISCTE e fez a pós-graduação em Análise Financeira no ISEG. Fundou a Escola de Finanças Pessoais. João Raposo é licenciado pela Nova em Gestão. Juntos acabam de lançar o livro Doutor Finanças, no qual apontam o que consideram os 3 passos fundamentais para uma carteira saudável. Na pré-publicação que se segue pode ficar a conhecer o seu guia de boas práticas orçamentais familiares.
Como fazer um orçamento familiar
1 – Identificar as receitas
Este primeiro passo é muito importante e, mais importante ainda, é distinguir as receitas fixas das receitas variáveis, até para podermos perceber a incerteza em torno do nosso rendimento. Incerteza é o mesmo que risco. Se temos um peso muito grande das receitas variáveis pode acontecer que, num determinado mês, não consigamos rendimento suficiente para fazer face às despesas e isso nos obrigue a ajustes, mais ou menos fortes, no nosso consumo.
Para identificar as receitas bastará consultar os recibos de vencimento de ambos os membros do agregado. Nos recibos facilmente se percebe os itens fixos (salários, subsídio de alimentação e alguns extras como subsídios de turno ou isenção de horário) e os itens que podem variar (horas extras feriados, prémios, entre outros).
As receitas variáveis são, por inerência, incertas. Significa que não temos a certeza de as receber. Ao planearmos as despesas com base nestas receitas, estamos a correr o risco de vir a ter uma má experiência. Seja conservador quando analisa as suas receitas variáveis para evitar problemas mais à frente. Dependendo das funções exercidas, algumas receitas variáveis assumem um caráter de regularidade, mesmo que com algumas oscilações. Nestas situações será possível assumir o valor médio dos últimos 6 meses, por exemplo. No caso de grandes oscilações, talvez faça sentido contar com no máximo 60% -75% do valor médio.
2 – Identificar as despesas fixas
O passo seguinte é a identificação das despesas fixas, ou despesas essenciais, que não pode ou não consegue cortar. Elas têm um peso elevado no orçamento familiar e tendem a ter um valor mais ou menos estável ao longo dos meses. Têm também a característica de serem exigidos em datas fixas no mês, como por exemplo, a renda e demais despesas domésticas (eletricidade, água, gás e telecomunicações), créditos, seguros, educação, transporte, medicamentos, entre outras. Cada família tem as suas prioridades, pelo que saberá com maior ou menor detalhe o que é essencial e aquilo que poderá cortar.
3 – Identificar as despesas variáveis
Esta é a tarefa mais demorada e que dá má imagem ao orçamento familiar. Olhamos para a identificação das várias despesas diárias com maus olhos porque pensamos que nos tira a liberdade. Sendo certo que num primeiro momento pode ser estranho, numa segunda fase o processo entra em piloto-automático e acaba por se tornar um hábito.
É importante ter sempre em mente que elencar despesas não significa ter um juízo de valor sobre elas. Este exercício serve apenas como forma de mapear os gastos de dinheiro e posterior reflexão sobre a sua lógica. Se ela for necessária, mantém-se. Se não, elimina-se e procura-se alternativas.
Depois de identificadas as receitas e despesas, deveremos somar os valores e perceber a nossa situação líquida. Por outras palavras, devemos subtrair as despesas às receitas e saber se poupamos dinheiro ou se teremos de nos endividar. Ficamos, assim, com o retrato do nosso mês. E se no primeiro mês o orçamento é feito com as receitas e despesas já realizadas, o objetivo é olhar para a frente e planear o resto do ano, com a finalidade de sermos nós a controlar o nosso dinheiro e não ele a dominar as nossas vidas.
Guia de boas práticas orçamentais
Agora que sabemos fazemos um orçamento familiar, é tempo de perceber que, fazê-lo, deve tornar-se um hábito, para o qual devemos ter um conjunto de boas práticas.
Naturalmente, cada família terá os seus métodos para adaptar o orçamento familiar à sua realidade. De pouco vale estarmos a impor determinados processos que não se encaixam nas rotinas familiares, tornando-se contraproducentes. É um pouco como as dietas: se não se adequam ao nosso quotidiano, rapidamente as abandonamos. E isso é algo que não devemos fazer com o orçamento familiar, porque é muito importante ganhar uma capacidade analítica e um esquema de pensamento que facilite a tomada de opções. Quando este hábito se instalar, ganharemos uma nova liberdade, já que passaremos a gastar o dinheiro naquilo que definimos como prioritário e não no que uma qualquer empresa de consumo nos quer vender. Por isso, olhe de novo para as contas que fez e atente nestas ideias.
Descubra ao detalhe onde gasta o seu dinheiro
É um dos procedimentos mais importantes, se não o mais importante. Ter em atenção que somos tentados a não identificar as pequenas despesas e o destino que damos aos levantamentos em numerário (no multibanco, por exemplo, são muitas vezes tipificados como outras despesas). Ao não identificar estes movimentos estamos a desconsiderar uma fonte importante de gastos, que faz toda a diferença entre poupar ou não poupar.
Envolva a família
O casal deve estar alinhado na construção do orçamento familiar porque ele vai servir de base para a tomada de decisões de curto, médio e longo prazo, decisões essas que afetam toda a família. Além disso, todos deverão estar envolvidos nos esforços e nos benefícios associados a um novo conforto financeiro.
Valorize a escassez
Tente que o seu orçamento tenha espaço para poupança e que não gaste todo o dinheiro simplesmente porque ele está disponível. Para criar este efeito, basta transferir, no início do mês, um determinado montante para uma conta à parte. Com este pequeno passo, tornamo-nos mais criteriosos na tomada de decisão, na medida em que começamos o mês com menos dinheiro disponível. Além disso, passamos a dar mais valor ao resultado das nossas decisões.
Tenha uma margem de segurança
Ao elaborar o orçamento, garanta que os possíveis erros de previsão e de cálculo não têm um impacto nefasto no conforto da família. Esta margem dar-lhe-á o benefício adicional de saber que a família fica protegida de eventualidades. Falamos de uma percentagem do rendimento da família, por exemplo. E no final do mês, se não a utilizou poderá usar o dinheiro para reforçar a sua conta poupança (já sabe, evite gastar o dinheiro simplesmente porque está disponível na conta).
Procure acompanhamento regular
Há quem defenda que devemos acompanhar o orçamento todos os dias; outros todas as semanas ou todos os meses. Nós defendemos que deve encontrar um modelo que seja confortável, por um lado, e exigente, por outro. Talvez possa começar por fazer uma análise rigorosa das suas despesas nos últimos meses, esforçar-se por cortar custos, definir objetivos e colocar a gestão do dinheiro em piloto automático. Ao fim de três meses, poderá voltar a fazer o exercício, sendo que a sua conta à ordem irá transmitir-lhe sinais do cumprimento dos seus objetivos. Ao acostumar-se a este exercício, poderá aumentar a regularidade do controlo.
Vença a inércia
Propomos que seja consequente. Quer isto dizer que não deverá apenas analisar a informação mas, mais importante, desenvolver todos os esforços para agir de acordo com a informação que recolheu. Pode dar trabalho, mas certamente que compensa bastante.
A inércia é dos principais inimigos de umas finanças pessoais saudáveis. Obriga-nos a sair da nossa zona de conforto, dos nossos hábitos, a ter trabalho. Para ganhar uma maratona é preciso treinar, ter várias rotinas de treino e diferentes níveis de exigência. Tudo para atingir os objetivos a que se propõe o atleta.
A vertente financeira é, a par da saúde, um campo que estará sempre presente na nossa vida. Teremos de viver com as consequências das nossas decisões todos os dias. Assim, ao falarmos de estratégias para melhorar a nossa carteira, deveremos procurar ser consistentes, ter rotinas que criem hábitos e facilitem os nossos esforços. Começar com objetivos menos ambiciosos e ir evoluindo com o tempo, mas nunca perdendo de vista a meta. Mantendo o paralelismo com o atletismo, não se assuma como corredor de 100 metros pois a vida é uma prova de Iron Man.
Retirado do livro “Doutor Finanças”
Matéria-Prima Edições – 2017