O mercado norte-americano dispensa apresentações para os exportadores nacionais. Os números falam si. Os EUA são o quinto cliente do ‘made in Portugal’, o maior mercado fora da União Europeia (desde que a crise atingiu Angola) e, feitas as contas, as trocas comerciais continuam muito favoráveis ao nosso país. É este superávite comercial, na ordem dos 1,6 mil milhões de euros em 2015, que pode acabar por colocar os produtos portugueses na lista negra da Casa Branca. O valor até é residual para a dimensão do mercado norte-americano, mas Donald Trump já fez saber que o seu “alvo” são exactamente os fornecedores com excedente.
O novo Presidente pretende colocar limites aos produtos produzidos no estrangeiro, de forma a, de acordo com o próprio, proteger a indústria do país e os próprios empregos norte-americanos – é exemplo disso a imposição de uma tarifa que pode chegar a 20% sobre as importações mexicanas, medida que insere num pacote de reforma fiscal que está, neste momento, a ser preparado pelo seu gabinete.
No caso português, as exportações para os EUA crescem a bom ritmo e sem interrupções ou volatilidade, Entre 2010 e 2015, de acordo com os dados do Instituto Nacional e Estatística, Portugal quase duplicou as vendas para os EUA – de 1,3 mil milhões de euros para 2,56 mil milhões. A entrada de Trump na Casa Branca pode agora interromper este ciclo de crescimento?
Uma das áreas com maior poder de exportação para os EUA é a indústria têxtil. Entre janeiro e novembro de 2016, os têxteis portugueses arrecadaram cerca de 239 milhões de euros, um valor que representa cerca de 11% do total de exportações para os EUA neste período.
Paulo Vaz, diretor geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, admite apreensão com os últimos sinais de Trump. “Esta é uma novidade nos EUA, um país que sempre foi muito liberal para fora”, diz. “Estamos preocupados. É um destino importante para as nossas exportações”.
Precisamente por causa das mudanças políticas norte-americanas, o dirigente diz que já se começou a notar algum desinvestimento por parte das empresas. Entre janeiro e novembro de 2016, a indústria têxtil teve uma quebra de 7% nas exportações para os EUA, face ao mesmo período do ano passado. No entanto, as previsões anteriores anteviam um grande crescimento. “As exportações estavam perto de atingir os 300 milhões de euros. Temos estudos que diziam que, com TTIP – Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento –, em três ou quatro anos, podíamos atingir os 800 milhões de euros em exportações”, revela Paulo Vaz.
Com cerca do dobro das exportações da indústria têxtil, estão os combustíveis e óleos minerais, que, segundo dados do INE, atingiram o valor de cerca de 477 milhões de euros nos primeiros onze meses de 2016. Contactada pela VISÃO, a Galp Energia, que detém a principal refinaria de Portugal, disse não comentar declarações de natureza política, ainda que admita estar atenta às “dinâmicas que possam constituir uma alteração das condições de mercado”.
Outro setor importante é a indústria de calçado que, nos últimos anos, viu as exportações para os EUA aumentarem 400% – passaram de 12 milhões de euros, em 2010, para os 71 milhões de euros, em novembro de 2016. A Associação Portuguesa da Indústria de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Sucedâneos referiu que pretende continuar o seu caminho, “independente das políticas” de outros países como os EUA e o Reino Unido.
Também a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, APIFARMA, e a Associação da Indústria Papeleira, CELPA, outras duas áreas de exportação relevantes, não quiseram comentar para já. Os produtos farmacêuticos constituiam, em novembro do ano passado, quase 10% das exportações para os EUA (cerca de 222 milhões de euros), enquanto o papel e o cartão representam 5,4% (121 milhões de euros) do valor total.
Embora considere cedo para perceber o impacto desta eleição, João Rui Ferreira, presidente da Associação Portuguesa da Cortiça, APCOR, confessa que algumas das ideias apresentadas por Trump estão a ter especial atenção, nomeadamente o ceticismo revelado pelo novo presidente relativamente às alterações climáticas e à sustentabilidade, um tema afeto à cortiça que exportou, entre janeiro e novembro do ano passado, cerca de 155 milhões de euros para os EUA (quase 7% da totalidade de exportações).
Os EUA são, desde 2015, o principal mercado da cortiça e, em termos de exportação, é um mercado onde a indústria deposita uma enorme ambição. João Rui Ferreira acredita que agora cabe à indústria da cortiça portuguesa encontrar formas de manter a liderança do mercado e tem uma visão otimista sobre o futuro. “Devemos ter confiança, os EUA não se esgotam no seu presidente e sabemos que o país e os norte-americanos saberão manter-se como principal líder mundial”.
(Artigo de Sara Soares)