Há uma quebra de qualidade insustentável no setor dos táxis”; “a degradação da imagem é preocupante”; “na praça de táxis do aeroporto as malandrices são generalizadas”.
É assim que o Governo responde às críticas dos taxistas que querem travar em Portugal a legalização da Uber e das outras plataformas eletrónicas de mobilidade. Elas trazem inovação e uma preocupação com o ambiente. E José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente explica à VISÃO que regulamentar estes serviços é também dar uma “oportunidade ao setor do táxis para recuperar a imagem degradada que tem hoje e se modernizar”. O “homem da Uber”, como é apelidado pelos taxistas, garante que está preparado para a contestação de um setor que “se fechou num contingente durante décadas” e apenas quer garantir “interesses corporativos”.
Não tem “medo” que lhe entupam a Rua do Século, onde está o gabinete, e admite: “Já usei a Uber.” Agora, quer ficar na história como a pessoa que ajudou a legalizar e regulamentar um “novo modelo de mobilidade, um novo modelo de negócio que tem a adesão dos cidadãos, que tem clientes e que tem defensores”. Sempre com um pensamento: “Não se está a falar de uma liberalização ou de uma total desregulamentação.
Mas não se deve inibir.
Porque se inibíssemos no passado ainda andávamos de carroça.” As recomendações que saíram de um grupo de trabalho que o Governo criou e que contou, entre outros, com os representantes do setor do táxi já foram transmitidas ao Instituto de Mobilidade e dos Transportes (IMT) e o decreto final tem data prevista para setembro/outubro.
A VISÃO deixa-lhe aqui os pontos principais de um novo regulamento que legalizará a Uber e a Cabify em Portugal e que dará ao táxi um concorrente de peso. Resta saber até onde irá o poder dos taxistas para o travar.
POSSO MANDAR PARAR UM UBER NA RUA?
Não. Além de não estarem caracterizados, ou seja, pintados como um táxi, este tipo de veículo só poderá ser ativado através da plataforma eletrónica. Não terão direito a estar parados na via pública à espera de clientes ou parar na rua quando alguém acena a pedir um táxi. A única forma é através da app fazer uma pré-reserva. Recorrendo a um serviço de geolocalização, estas plataformas eletrónicas ligam os clientes a motoristas privados, sem que este precise de fazer qualquer telefonema ou sair do local onde se encontra.
É PRECISO TER UMA LICENÇA/ALVARÁ PARA O VEÍCULO?
As licenças estão diretamente ligadas aos contingentes que definem o número de veículos que podem operar em determinada cidade. O alvará/licença do táxi, diz o secretário de Estado, é uma coisa que faz sentido no caso dos contingentes, para os limitar, mas não se deverá aplicar aos veículos descaracterizados. Atualmente, os táxis só podem operar se forem portadores de uma licença para o efeito. Este tipo de licenças são atribuídas pelas câmaras municipais e são elas que definem o contingente de carros que querem na sua cidade. Os leilões de licenças não acontecem com muita frequência, mas quem quiser esperar pode contar com um custo que não será muito superior a 400 euros.
Há, no entanto, um mercado paralelo.
Basta uma pesquisa rápida no OLX para se perceber que há licenças à venda por 30 mil euros.
SERÁ EXIGIDO CERTIFICADO DE MOTORISTA?
Será exigido um certificado aos motoristas que queiram trabalhar para a Uber ou para a Cabify, tal como acontece com os condutores de táxi. Mas José Mendes garante que nunca serão as mais de 125 horas exigidas hoje em dia aos taxistas.
A ideia é harmonizar, baixando para isso o número de horas exigido nos táxis.
COMO VÃO PAGAR IMPOSTOS?
O secretário de Estado adjunto e do Ambiente diz que a ideia de que a Uber, por exemplo, não paga impostos em Portugal é uma “falácia”. E lembra que a única coisa que está fora do registo fiscal português é a parte do serviço de intermediação da plataforma, uma vez que essa tem sede na Holanda. Os lucros e os dividendos desta empresa são pagos, portanto, nesse país.
Quanto ao resto, “a operação está a decorrer em Portugal. Quando o motorista passa a fatura, são impostos pagos em Portugal. O IVA é cobrado cá”.
E acrescenta: “Isto gera o pagamento de impostos indiretos.” Como? “O motorista da Uber não vai colocar gasolina à Holanda, não vai fazer as inspeções e as revisões do carro à Holanda. Esses impostos são pagos cá.” E atreve-se a fazer a comparação: “Alguém acredita que a Jerónimo Martins não paga impostos em Portugal? E também tem sede na Holanda.”
COMO SE CONTROLA OS PAGAMENTOS?
No caso dos Uber e Cabify, os recibos são e só podem ser eletrónicos. A ideia é que também para os táxis isto seja alargado, ainda que José Mendes admita que para os taxistas terá que ser aprovado um “período transitório”.
Em todo o caso, com o recibo eletrónico, a entidade reguladora do setor a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes pode ter acesso aos dados do pagamento e perceber, segundo o secretário de Estado, “que houve uma transação e ver a acumulação”.
TERÃO QUE MUDAR O SEGURO DO CARRO?
Como para qualquer outro veículo, é preciso ter um seguro contra terceiros, no mínimo. Atualmente, os táxis têm que ter seguros para passageiros com um valor determinado. O Governo quer que fique explícito na lei esta questão também para as novas plataformas, ainda que José Mendes garanta que os carros que atualmente operam para a Uber e Cabify já dispõem de seguros com todos os requisitos necessários.
ESTANDO DESCARACTERIZADO, COMO SERÁ FEITA A FISCALIZAÇÃO DESTES VEÍCULOS?
“A ideia é que havendo uma nova tipologia de operador, eles tenham que estar registados”, explica o secretário de Estado. Os veículos terão, portanto, que comunicar que estão ao serviço da Uber ou Cabify.
E José Mendes até admite que “exista um dístico discreto que permita identificá-los quando estiverem ao serviço”.
PODEM OS TÁXIS DESCARACTERIZAR-SE E ADERIR A ESTAS PLATAFORMAS?
Esta era uma das ideias que os taxistas levaram ao grupo de trabalho que o Governo criou. Lembrando que a Câmara de Lisboa já reconheceu que há mil táxis a mais na cidade, os representantes do setor do táxi defenderam nas reuniões com o Executivo que fosse dos atuais contingentes e licenças atribuídas que saíssem os carros descaracterizados.
“Recomendámos que mil táxis se descaracterizassem e aderissem à plataforma.
Isto o Governo também não quis aceitar”, lamentou recentemente Carlos Ramos, presidente da Federação Portuguesa do Táxi. José Mendes responde na VISÃO: “Serem os taxistas a ter veículos descaracterizados dentro de um contingente seria a negação do novo modelo de negócio.
Alguém implementava uma ideia nova e os senhores dos táxis vinham e capturavam esse modelo de negócio, colocando-o dentro dos seus contingentes e estendendo monopólio que já existe. Não tem pés nem cabeça.”
VÃO PODER USAR FAIXAS BUS?
Não. O governante admite que é um ponto que ainda não foi discutido, mas explica que a “faixa bus tem que ser gerida com muitos filtros, caso contrário não cumpre o seu papel”. Não estando os veículos caracterizados seria difícil identificá-los nestas faixas.
A REGULAMENTAÇÃO SERÁ ALARGADA A MINI-AUTOCARROS?
Não. As novas regras que o Governo quer aprovar servirão apenas para veículos ligeiros, com menos de nove lugares.
QUEM FICA A GANHAR?
“Os cidadãos e o interesse público”, porque, diz José Mendes, “se há setor onde não há concorrência é no setor dos táxis e, ao longo destes anos, houve uma quebra de qualidade insustentável”.
QUEM FICA A PERDER?
Os taxistas acreditam que são eles e o Estado.
Têm-se batido pela ilegalidade destas plataformas e já viram ser-lhes dada razão em muitos países. Por exemplo, o Uber Pop (que é um serviço da Uber, não disponível em Portugal, que permite a partilha de boleias) foi declarado ilegal em países como a França, Bélgica e Holanda.
E, em Espanha, a justiça suspendeu a atividade por recorrer a motoristas não profissionais. José Mendes acha que não se pode ficar preso a estas “dúvidas” para justificar que se deixe tudo na mesma.
Acredita que “ninguém” ficará a perder com a regulamentação que o Governo português quer aprovar. “E se os taxistas pensam que vão perder, enganam-se.
É sinal que não perceberam o que perderam nestes anos todos, em qualidade de serviço e degradação da imagem. A regulamentação da Uber é uma oportunidade para o setor do táxi, para recuperar imagem e qualificar-se.”
O QUE É A ECONOMIA PARTILHADA?
Com a Uber ou a Cabify contornamos o serviço prestado pelo setor tradicional do táxi. Mas há muitos outros setores que estão a usar este tipo de “economia partilhada”.
É o caso do Airbnb, no alojamento, ou a subcontratação de tarefas domésticas no Fiverr. No fundo, o que este tipo de solução permite é a eliminação da intermediação.
Quer deslocar-se de um sítio ao outro: usa a app da Uber ou outra plataforma e contrata o serviço. Não precisa esperar pelo táxi na rua ou ligar para uma central.
ESTAMOS PERANTE CONCORRÊNCIA DESLEAL?
O serviço prestado pela Uber e Cabify é uma “tendência internacional”, diz o secretário de Estado. Mas, nem por isso, a contestação tem sido branda nos vários países. A ideia de que se pode estar perante concorrência desleal dada a falta de regulamentação tem incendiado a discussão em muitos países. Mas José Mendes lembra que a própria Comissão Europeia já finalizou um estudo em que “diz que a importância da economia da partilha gera valor e gera emprego. E apenas em casos excecionais é que se deve limitar o acesso ao mercado por novos modelos de negócio”.
COMO PODEM ESTES NEGÓCIOS AJUDAR A ECONOMIA NACIONAL?
Num momento em que a falta de emprego é latente, o governante acredita que estes negócios de partilha de recursos são uma oportunidade. “Há recursos ociosos que podem ser colocados ao serviço da economia, criam muito emprego e geram atividade económica”. Como? “Temos uma pessoa que tem tempo, sabe conduzir, vai fazer o curso e tem um veículo que pode estar também ocioso. Cumprindo os requisitos e as regras podem entrar na economia”, esclarece.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE UBER E TÁXI?
“Eu já usei a Uber. E o que choca as pessoas é a diferença de preço e o cuidado”, diz José Mendes. “Num táxi perguntam logo que caminho queremos seguir. A pessoa vacila e é automaticamente vigarizada.
Isto generalizou-se”, acusa o secretário de Estado, dando como pior exemplo os táxis que operam junto do aeroporto da Portela, em Lisboa.
VAMOS TER GREVES E MANIFESTAÇÕES?
Os taxistas já prometeram contestar a decisão do Governo de regulamentar as plataformas de mobilidade. José Mendes compreende que o setor resista a algo que vai “arrasar com um status quo instalado”, mas recusa dar-lhes razão. Diz mesmo que os taxistas “estiveram em processo de negação muito tempo”. Tem medo que entupam a Rua do Século (onde se situa o Ministério do Ambiente)? “Não tenho. Para interromper a Rua do Século basta um táxi”, diz em tom de brincadeira. “Acredito que o setor do táxi vai perceber e vai convergir para a solução”, diz José Mendes, lembrando que “se trata de uma corporação que esteve blindada muitos anos, que definiu um perímetro” e não quer abdicar dele. “Algumas das licenças de táxi em Lisboa ainda são de carroça”, exemplifica para mostrar que é preciso mudar alguma coisa.
“Eu já usei a Uber”, garante José Mendes, secretário de Estado Adjunto do Ambiente, que lidera o processo de legalização destas plataformas em Portugal.
Não tem medo dos protestos dos taxistas e acusa-os de terem estado em “processo de negação”