A precariedade é uma realidade para 40 por cento dos jovens em Portugal. E o setor público também tem responsabilidades nessa taxa, considerada preocupante pelos especialistas em trabalho. De acordo com os dados mais recentes da Direção-geral da Administração e Emprego Público, o Estado tem agora mais 4167 pessoas com contrato a termo do que no ano passado. Isto apesar de a eliminação do recurso a trabalho precário ser uma bandeira do Governo.
O retrato é ainda mais inesperado quando se olha para as áreas que justificaran a maior parte das contratações a termo para funções públicas: médicos, enfermeiros, docentes do Ensino Básico e Secundário representaram mais de 80% do acréscimo de trabalhadores no último trimestre.
Se a estes novos empregos inseguros juntarmos os que já existiam, temos, segundo o advogado Fausto Leite, “mais de um milhão de Portugueses precários”. Normalmente associada a recibos verdes, a precariedade tem hoje outras fontes, como explica o especialista em Direito do Trabalho: “Engloba trabalho temporário, trabalho informal e contratação a termo, além do número impressionante de recibos verdes”. Isto, nota o responsável pelo consultório laboral da VISÃO Solidária, “envenena todo o mundo laboral”.
A tendência não é apenas nacional, mas agrava-se num País com economia frágil, e onde o recurso a tribunal implica a devolução da compensação monetária paga pelo empregador até haver uma decisão definitiva, que pode levar anos.
Tudo isto leva a que os trabalhadores se sintam muitas vezes sozinhos nesta batalha desigual. “Os atuais níveis de precariedade são de quase escravatura. As relações de trabalho precárias deviam ser a exceção e estão a tornar-se a norma”, alerta Paulo Pereira de Almeida, diretor do Observatório Português de Boas Práticas Laborais.
Perante os dados agora conhecidos sobre as políticas precárias na Função Pública, o sociólogo do ISCTE admite que serão necessárias reações mais determinadas: “Começa a ser difícil tolerar as práticas de contratação do Estado. Além da pressão pública e da denúncia, é preciso levar o Estado e os políticos a tribunal. As centrais sindicais tinham a obrigação moral de o fazer”.
Criminalizar a precariedade é um caminho já defendido por muitos. Porque os seus efeitos estão muito longe de ser “apenas” laborais. Além da instabilidade e da dificuldade de subsistência com salários baixos, os trabalhadores precários enfrentam muitas vezes “problemas de ansiedade, depressão, esgotamentos e até obesidade”.
Mas os danos individuais não passam de um reflexo da perda de sentido coletivo nas relações laborais. Aliás, Filipe Lamelas, advogado a terminar doutoramento em relações coletivas de trabalho, recorda que “um combate sério à precariedade passa pela integração em vivências coletivas”.
Se assim fosse, talvez mais trabalhadores soubessem que a “lei exige um motivo para contratar a prazo” e que “nem tudo o que está escrito nos contratos tem legitimidade legal”.
Embora seja o elo mais fraco da relação laboral, o trabalhador precário pode reagir à precariedade. Saiba como.
1. Sindicalizando-se
Hoje imperam os preconceitos em relação aos sindicatos, mas ainda não se descobriu um modo melhor de defender quem trabalha. Além do apoio jurídico, que prestam habitualmente de forma gratuita aos associados, as organizações laborais dão uma dimensão de pertença que ajuda a enfrentar os problemas surgidos nos locais de emprego. Embora nem todos os sindicatos tenham o nome da profissão que se exerce, a maioria das funções estão representadas por algum organismo sindical. A ninguém pode ser vedado o direito a pertencer a um sindicato.
2. Informando-se
Advogados, Tribunal do Trabalho e Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) são interlocutores essenciais para pedir informações ou ajuda na resolução de problemas laborais. Mesmo que não tenha recursos financeiros estas entidades podem ajudar.
3. Recorrendo às instituições que o podem defender
A Ordem dos Advogados presta informações gratuitas a quem não tem rendimentos. Talvez não saiba, mas pode também requerer informações a um procurador do Tribunal do Trabalho, que tem ainda a hipótese de solicitar a instauração de uma ação, caso se justifique. No caso da ACT, é possível pedir uma inspeção, embora a falta de meios dificultem muitas vezes a sua execução. Nas situações de recibos verdes, a ACT tem mesmo competências de iniciativa. Ou seja, não é obrigatório que o trabalhador se queixe para haver atuação da ACT.