Mas vocês são portugueses?” São. João Leitão, Vasco Moreira e Gonçalo Mendes fartaram-se de ouvir esta pergunta enquanto apresentavam a sua empresa a potenciais clientes. Este mundo tecnológico ainda soa a coisa feita lá fora. Cada vez menos, apesar de tudo.
O “ecossistema” que rodeia, atualmente, as startups nacionais está a fervilhar. Nos últimos cinco anos, multiplicaram-se as incubadoras, as aceleradoras, os investimentos dos Business Angels e do capital de risco, os apoios de grandes empresas privadas, do Estado e da União Europeia, os concursos de ideias e até já temos um programa de televisão (Lago dos Tubarões).
As palavras empreendedorismo e startup entraram na moda mas, vendo bem, elas são muito mais do que isso. “Por cada empresa que fecha, nascem 2,4 novas. E 10% destas começam a exportar logo no primeiro ano de atividade. Metade do novo emprego, em Portugal, está a ser criado por empresas com menos de cinco anos”, afirma João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria e antigo diretor da Startup Lisboa.
O Governo anda com as tecnológicas na ponta da língua. Há menos de um mês, António Costa foi à sede da Uniplaces, uma das nossas startups-estrela, anunciar 15 medidas (ver caixa As oportunidades que aí vêm) para que Portugal seja “um grande País de empreendedores, onde se derrubam todas as barreiras à concretização das ideias”. Haja dinheiro! “Se as ideias precisam de capital”, diz o primeiro-ministro, “é preciso encontrar capital”.
Capital, apesar de tudo, vai havendo. As sociedades de capital de risco têm muito interesse nas tecnológicas e só a Portugal Ventures (que junta acionistas públicos e privados) tem €450 milhões para gerir. Há muitas entidades a apoiar as startups e, este ano, Lisboa recebe um dos maiores eventos mundiais da área: a Web Summit, agendada para novembro, tem como propósito colocar frente a frente empreendedores e grandes investidores internacionais. A sua função é sobretudo essa: trazer os tubarões a Lisboa e fazê-los olhar para as startups portuguesas. Vamos olhar também.
COMEÇAR POR INCUBAR
Em Portugal, o organismo europeu Startup Europe Partnership identificou, no final de 2015, 40 scaleups (startups que já angariaram mais de um milhão de dólares) só na área da tecnologia da informação e da comunicação (não incluindo a biotecnologia ou as ciências da vida).
“Nunca tivemos tantas empresas de base científica e tecnológica”, acrescenta João Vasconcelos. E isso está a mudar o tecido empresarial português. Estas PME (Pequenas e Médias Empresas) de excelência vão ocupando, devagarinho, o espaço das empresas baseadas em mão de obra barata. É desta “geração da internet”, altamente qualificada, que sairão os grandes empresários do futuro.
Por estes dias, eles podem ser encontrados em incubadoras ou aceleradoras (ver Como criar uma startup). Um empreendedor, com uma ideia, tem tudo a ganhar em procurar estes espaços, onde pode fazer contactos, criar relações com mentores, ter um espaço e até encontrar financiamento. Foi numa incubadora, a do Taguspark, que o engenheiro civil João Leitão, 33 anos, conheceu Vasco Moreira e Gonçalo Mendes, ambos com 26 anos e licenciados em Engenharia e Gestão Industrial, desafiando-os a embarcar com ele numa aventura chamada Followprice.
“E se existisse um botão, como o ‘like’ do Facebook, colocado ao lado dos produtos das lojas online, onde eu pudesse clicar para ser avisado quando o preço desse mesmo produto baixasse?” É esta a ideia por detrás da Followprice, uma startup nascida no início de 2014, que hoje em dia emprega 14 pessoas e está presente em 18 países. “A crescer todos os dias”, nota João.
Exemplificando: se quer um tablet, digamos, pode ir ao site da Fnac (um dos principais clientes desta startup) e, junto das informações sobre o produto, encontra um botão azul que diz: “Seguir artigo”. É o botão da Followprice. Clicando, vai receber notificações (por email, Facebook ou Google+), sempre que o preço se altera. Não paga nada; a empresa cobra o serviço aos retalhistas, não aos utilizadores.
Com a ideia aperfeiçoada e a equipa a trabalhar na tecnologia da empresa, a Followprice concorreu e foi finalista do Lisbon Challenge (um concurso organizado pela Beta-i), onde encontraram mentores e investidores. Foi durante a competição que a startup de João Leitão conseguiu um investimento de 200 mil euros, de duas sociedades de capital de risco.
TIAGO, CRISTINA E O ‘UNICÓRNIO’
Estas competições de ideias inovadoras e de empreendedorismo não faltam, tanto em Portugal como no estrangeiro. Mas a história mais incrível, no que diz respeito aos concursos, é a de Tiago Paiva, 29 anos, e de Cristina Fonseca, 28. Estes dois colegas do curso de Engenharia de Telecomunicações, no Instituto Superior Técnico, responderam, em 2011, ao desafio de uma empresa norte-americana, que lançou um concurso de ideias de aplicações para um serviço de telefone via browser.
Tiago e Cristina desenharam o protótipo da Talkdesk, um software que permite criar um call center, na nuvem, em apenas cinco minutos. Com esta tecnologia, as empresas poupam muito dinheiro, já que é uma alternativa à criação de um call center físico, com toda a logística que isso implica.
Tiago e Cristina ganharam o concurso, mas nunca chegaram a receber o primeiro prémio, um computador, que ficou apreendido na alfândega. Iam já a caminho de São Francisco, como convidados de uma conferência, onde atraíram um investidor, que lhes ofereceu 50 mil dólares (€44 mil).
No dia seguinte, instalaram-se em Silicon Valley, investiram todo o dinheiro na empresa e começaram a “penar”. Dormir no chão porque falta o dinheiro para comprar uma cama faz parte do percurso de quem chega a 2015 a faturar 20 milhões de dólares (€18 milhões) e a dar emprego a 200 pessoas (120 nos Estados Unidos e 80 em Portugal).
“Continuamos a contratar engenheiros em Portugal”, adianta Tiago, que dirige a empresa a partir de Silicon Valley, enquanto Cristina gere as operações no nosso país.
A Talkdesk está à beira de se tornar no segundo ‘unicórnio’ de origem portuguesa (depois da Farfetch), ou seja, uma startup avaliada em mais de mil milhões de dólares (€888 milhões). Este ano, Tiago e Cristina foram distinguidos pela revista Forbes como membros do restrito clube de 30 jovens sub-30 que mais se destacam no mundo da tecnologia empresarial.
UMA IDEIA DE LUXO
Com clientes em 56 países, a Talkdesk dá-se ao luxo de poder escolher entre os investidores que agora lhes batem à porta.
Já lá vai o tempo em que o filme era ao contrário: Tiago e Cristina atrás dos tubarões de Silicon Valley. Por cá, um dos maiores investidores em empresas jovens tem sido a Portugal Ventures, sociedade nascida da fusão dos capitais de risco do AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), do InovCapital e do Turismo Capital.
Com um portfólio que inclui empresas bem conhecidas, como a Science4you ou a Alfama, já investiu perto de €40 milhões em startups. “O objetivo é investir numa fase inicial, acelerar e promover o crescimento da empresa, por forma a que ao fim de um certo período (entre 7 e 10 anos) se possa promover uma venda com retorno interessante”, explica a sociedade.
Ao contrário dos Business Angels que, por regra, investem numa fase ainda embrionária e vendem a sua participação ao fim de três ou cinco anos, o capital de risco prefere acompanhar o desenvolvimento da empresa, na expectativa de lucros maiores, seja através de uma venda (normalmente a uma firma estrangeira) ou mesmo chegando à entrada em bolsa.
É que, nesta fase da globalização, o que menos preocupa os empreendedores de startups são os lucros; nas fases iniciais, tudo o que interessa é angariar dinheiro para investir, ganhar escala, conquistar posições e lideranças, competir com os melhores.
A Amazon, que se estreou na bolsa em 1997, três anos depois de ter sido criada, só chegou aos resultados positivos em 2003. E, no ano passado, os jornais noticiaram que a Uber, a startup mais valiosa do mundo, ainda não tem lucros. “Isto não e um sprint, é uma maratona”, realça Filipa Neto, 25 anos, fundadora, com Lara Vidreiro, da Chic by Choice, nascida em 2014. Por esta altura, os lucros ainda não estão no pensamento destas empreendedoras; tudo o que interessa é fazer a empresa crescer. Com apenas dois anos de vida, a Chic by Choice é líder europeia no comércio de aluguer de vestidos de luxo, tendo adquirido as suas duas principais concorrentes: uma empresa do Reino Unido (que as amigas compraram em liquidação) e uma alemã.
Aos 20 anos, Lara e Filipa, estudantes da Universidade Católica, queriam ir a uma gala da faculdade com um vestido exclusivo, mas não tinham dinheiro para gastar numa peça que iriam usar apenas uma vez. Surgiu assim a ideia de alugar, através da internet, vestidos de luxo, tornando o mundo da alta costura um pouco mais acessível ao comum dos mortais.
“Já tiveste ideias melhores, Filipa.”, reagiu o pai da jovem quando esta lhe falou da sua ambição. Nem sonhava que a filha iria chegar a 2016 a dirigir uma empresa com 20 trabalhadores e com um crescimento de 200%, no último trimestre de 2015.
PARA O MUNDO E EM FORÇA
“Há muitas ideias sem jeito nenhum que vão dar muito dinheiro; e há muito boas ideias que irão falhar. Uma empresa é um ser vivo. É tudo uma questão de execução”, refere João Vasconcelos, que recusa a imagem do empreendedor como alguém diferente: “Resiliência, trabalho e ética são características tanto do empreendedor como do bom colaborador. Nem todos serão empreendedores. Mas é bom tentar”, remata.
“Uma percentagem enorme destas ideias não vai a lado nenhum; é a crueldade da estatística. No geral das startups, a taxa de sobrevivência a 5 anos é de 3 a 5 por cento”, refere Pedro Queiró, presidente da Acredita Portugal, uma associação que promove um concurso de para o qual tem recebido perto de 20 mil ideias.
É difícil encontrar um empreendedor de sucesso que não tenha a sua quota de falhanços no currículo, algo que até é visto, nos Estados Unidos, como enriquecedor. Em Portugal há bastantes exemplos de startups inovadoras que não vingaram.
Seja por falta de financiamento (caso da Limetree), ou porque o próprio modelo de negócio não é rentável (como o da All–Desk), mesmo os projetos mais premiados (como o da HereWeGo, que ganhou o InovPortugal) podem soçobrar.
A Zaask vingou, mas dito assim parece pouco. Até porque, este ano, a startup de Luís Martins, 37 anos, e Kiruba Eswaran, 30, foi considerada a melhor do mundo, nascida de um MBA, pela Association of MBAs. Os dois colegas do The Lisbon MBA queriam ter um negócio próprio e colocaram várias ideias em andamento.
Uma delas começou a dar frutos. “Era uma plataforma, online, que tinha como principal objetivo aproveitar o tempo livre dos desempregados, para que ganhassem algum dinheiro realizando tarefas [como ir passear o cão] a pessoas que não tinham tempo para elas”, explica Luís.
Estávamos em 2012, no pico da crise, com a taxa de desemprego a disparar. Mas Luís e Kiruba depressa perceberam que os desempregados queriam era encontrar um emprego e que a sua plataforma servia melhor os profissionais liberais que procuravam clientes. E é isso o que faz agora a Zaask. Uma pessoa precisa de um canalizador, de um fotógrafo para casamentos, vai à Zaask, preenche um formulário a explicar o que pretende e fica à espera em 24 horas receberá, em média, 2,4 orçamentos (3,2, em média, se viver em Lisboa).
Luís e Kiruba gastaram menos de €500 a lançar a plataforma. Mas precisaram de financiamento para expandir o negócio. E continuam a precisar, embora a Zaask já seja rentável para quem nela investiu.
A plataforma funciona em 25 países, empregando 33 pessoas, e apresentando uma taxa de crescimento de 200% ao ano. “Agora vamos procurar mais investimento porque temos de crescer rapidamente daqui a 6 meses quero estar em 80 países”, diz Luís.
NA ROTA DA INVESTIGAÇÃO
Nas áreas da biotecnologia ou das ciências da vida, o tempo da urgência é outro. Este é o mundo das tecnologias patenteadas, com anos de investigação, levadas a cabo por empreendedores/cientistas, altamente qualificados. Por implicar investimentos avultados, o filtro é bem maior.
Em Portugal, a “rainha” da paciência é a COTEC Associação Empresarial para a Inovação. Através do programa Cohitec, corre as universidade à procura de “ciência que tenha potencial comercial”, nas palavras do diretor, Pedro Vilarinho. Todos os anos, escolhem 16 equipas, dão formação aos cientistas e acompanham as que identificam como tendo grande potencial.
Depois, apoiam em tudo. Como investem em startups de base tecnológica (por oposição às que são potenciadas pela tecnologia, as chamadas ‘startups de garagem’ que, para nascer, só precisam de uma ideia e de um computador), o processo é moroso e dispendioso. “As que apoiamos normalmente têm patentes, grandes investimentos de e um tempo longo a chegar ao mercado, por volta dos seis anos”, explica Pedro Vilarinho.
No portfólio da associação encontramos a 5ensesinfood, que está prestes a lançar no mercado um novo produto alimentar, para ser usado pelas indústrias de laticínios e de bebidas. Tem o estranho nome de Oatvita, parece leite, mas não é leite. É um preparado de aveia, aquoso e algo viscoso, que sofre um processo de fermentação com base numa tecnologia inovadora, que lhe retira todos os micro-organismos livres. Além de ser um substituto do açúcar e de outras gorduras, ideal para quem é intolerante à lactose e ao glúten, o novo ingrediente permite a extensão dos prazos de validade do alimento que integrar e acrescenta-lhe benefícios nutricionais.
A investigação é de Joana Inácio, 35 anos, e de Isabel Franco, 33 anos, académicas da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto. Através do programa Cohitec, juntou-se o gestor José Amorim de Sousa, 59 anos, e encontrou-se o capital necessário à constituição da empresa: €1,4 milhões.
O próximo passo será a entrada em funcionamento de uma “fábrica-piloto musculada”, instalada na zona industrial de Alfena, Ermesinde. Até ao final do ano, contam empregar 10 trabalhadores. Se tudo correr como planeado, uma fábrica maior há de nascer, para que o produto se estenda a outros países europeus. Para além de Portugal, a patente está já registada na Rússia, África do Sul, Austrália, China, Japão e México. O facto de estarem a produzir para um mercado alimentar em alta dá-lhes a esperança de sucesso.
A GRANDE BALEIA
“As startups faturam e empregam muito pouco. Mas algumas vão faturar e empregar muito”, nota Carlos Oliveira, antigo secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação e presidente da InvestBraga. “É importante fazer com que estas empresas fiquem no radar internacional. Portugal é muito pequeno para ter aqui os escritórios dos grandes investidores internacionais”, acrescenta.
É certo que os maiores tubarões passam ao largo, mas há formas de chamar a sua atenção. O próprio Carlos Oliveira foi cofundador, em 2000, de uma empresa, a MobiComp, pioneira em serviços disponibilizados no telemóvel, que chamaria a atenção da Microsoft, tendo sido comprada pela gigante norte-americana.
Ricardo Neves, 41 anos, quer um futuro assim. “Queremos ser comidos por uma grande baleia.” O desejo é próprio de quem só tem €920 mil de capital semente para um projeto que, apenas para ser testado, precisa de dois milhões. E, se ficar provado que tudo funciona, serão necessários mais €7,5 milhões para que o novo produto, equivalente a um novo medicamento, esteja no mercado, lá para 2024.
Não é coisa pouca. O mais certo, por isso, é que a Exogenus, a sua startup, venha a ser adquirida por uma empresa maior, se possível uma grande farmacêutica. Até lá, a equipa fundadora Ricardo Neves, Joana Simões Correia, 35 anos, e Luísa Marques, 36 terá de ir gerindo o dinheiro por fases.
Ricardo é investigador no Centro de Neurociências e de Biologia Celular da Universidade de Coimbra. Foi aqui que começou a estudar com Joana uma nova terapia que isola um componente do cordão umbilical, para tratar feridas crónicas provocadas geralmente pela diabetes ou pela hipertensão arterial. A eles juntou-se Luísa, MBA em gestão.
Criada em junho de 2015, a Exogenus está a acabar de montar o laboratório e a iniciar os testes pré-clínicos. Têm consciência de que há muito caminho para andar. O mais curioso é que todos eles tiveram já experiências além-fronteiras e voltaram. Sabem que nem tudo são rosas. Mas também nem tudo são espinhos.
(Artigo publicado na VISÃO 1205, de 7 de abril)