O Conselho de Ministros do Governo cessante deu esta quinta-feira, 12, luz verde à conclusão do processo de privatização da TAP, aprovando o plano de capitalização da empresa, que permitirá uma injeção de 150 milhões de euros, tendo considerando que a celebração do contrato de venda é, segundo se lê no comunicado do Executivo, ”uma necessidade urgente e inadiável para a salvaguarda dos interesses públicos”.
Representado pela secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, na conferência de imprensa do início desta tarde, o Governo, em gestão corrente desde a rejeição do seu programa no dia 10, defendeu a urgência da privatização com a grave situação de tesouraria da companhia aérea.
A venda de 61% do capital social da transportadora ao consórcio luso-americano Atlantic Gateway, liderado por Humberto Pedrosa (grupo Barraqueiro) e David Neelmen, já chegou a estar praticamente concluída. Mas sofreu um impasse que só se resolveu na última semana de outubro em torno da renegociação da dívida da empresa, mediante a introdução, no esquema de venda, de um duplo sistema de garantia, que permita ao Estado exigir o regresso da transportadora para o domínio público, caso a situação financeira da empresa se volte a deteriorar, após a transferência para os privados.
Em junho, o então ministro da Economia, António Pires de Lima, anunciou que o consórcio iria iniciar o processo de recapitalização da transportadora, com uma primeira tranche de 269 milhões de euros, assim que a transição tivesse fechada. Contudo tal não vai ocorrer. “Não estava previsto que os 269 milhões fossem injetados hoje. O que estava previsto é que o comprador o podia fazer até Junho de 2016”, disse a secretária de Estado.
Rodeada de algum mistério, a cerimónia de assinatura do acordo final entre a Parpública e o consórcio luso-americano deverá ocorrer ainda esta tarde, nas instalações da gestora das participações do Estado. Mas à porta-fechada, sem que tenha sido comunicada a horas e sem a presença de jornalistas. Uma porta-voz da Parpública disse não confirmar nem desmentir que este último ato se realizaria hoje, nem em que local. A secretária de Estado Isabel Castelo Branco diria, pouco depois, desconhecer a que hora seria a cerimónia, cuja organização estaria a cargo da Parpública.
Uma vez assinado o acordo final, o Governo PSD/CDS sairá de cena com o negócio da TAP já fechado, contornando, dessa forma, a resistência da maioria parlamentar de esquerda que é contra a operação.
Aliás, o grupo parlamentar do Partido Socialista enviou na quarta-feira, 11, uma carta ao presidente da Parpública, Pedro Pinto, pedindo-lhe que não assine o contrato de compra e venda da transportadora.
Os socialistas não aceitam que o Estado perca uma posição de controlo no capital da empresa, em cujo rumo estratégico quer ter uma presença e intervenção.
A missiva lembra que “esta assinatura dos contratos está prevista ocorrer num período em que o Governo se encontra com poderes de gestão, face à demissão ocorrida no dia 10 de novembro na Assembleia da República com a votação da rejeição do Programa de XX Governo. Consideramos que assim o processo não pode ser concluído”.
O facto de ser um governo de gestão a concluir o negócio levanta algumas dúvidas aos especialistas em Direito. É o caso do constitucionalista Jorge Jorge Pereira da Silva. Ouvido, ontem. pela VISÃO, o diretor da Escola de Lisboa da Universidade Católica defendeu que o Governo de gestão só tem legitimidade para concluir a venda da TAP se existirem calendários pré-definidos para cumprir. Se a data for indiferente, não pode ser invocado o argumento de que trata de um ato inadiável. Um Governo de gestão só pode realizar atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos. Todas as decisões têm de se orientar por critérios urgentes e inadiáveis, com uma necessidade estritamente objetiva.
O especialista explica que existem três áreas de atuação nesse domínio. Uma, que não levanta dúvidas, diz respeito a atos de execução do programa de Governo e que, depois de ter sido apresentado e chumbado, não podem ser concretizadas. A segunda, a atos pacificamente aceites como os de gestão corrente onde se incluem pagamentos a funcionários ou a execução de contratos. “E há uma terceira área, mais cinzenta, onde se pode incluir a conclusão de processos que vêm de trás mas que deixam algumas dúvidas.”
No que não restam dúvidas é no facto de que com o negócio assinado, um eventual governo de esquerda terá dificuldades em anulá-lo sem indemnizar o consórcio comprador pelas perdas que incluem as despesas realizadas e os lucros expectáveis.