Para metade das famílias portuguesas, o dinheiro acaba antes do final do mês. Dessas, 18% não consegue sequer pagar, a tempo e horas, a prestação da casa e as despesas com água, luz e gás. De acordo com as conclusões de um inquérito da Deco sobre o orçamento familiar, divulgadas pela Lusa, “metade destes agregados sobrevive com menos de mil euros, não sendo difícil presumir que muitos dos elementos trabalhadores ganhem apenas o salário mínimo nacional (505 euros), ou até menos”.
Para muitas famílias, a crise dos últimos anos deteriorou o estado das finanças domésticas, por via do aumento do desemprego, da redução de salários e da subida dos impostos. Mais de metade dos 1222 inquiridos no estudo da Deco admitiu já ter pago contas fora do prazo, recorrendo por vezes à liquidação em prestações ou a empréstimos de familiares e amigos para resolver o problema. E, para fazer face a despesas periódicas, como férias, seguros, arranjo do carro ou impostos, 60% dos entrevistados admitem contar com os subsídios de férias e de Natal para suprir a falta de um «pé de meia» que não conseguem arranjar. Apenas uma minoria de 3% afirma ter conseguido pôr algum dinheiro de parte que, em média, não vai além dos mil euros.
As conclusões da Deco vão de encontro aos dados entretanto divulgados pela Pordata. Em 2014, cerca de 19,6% dos portugueses a trabalhar por conta de outrem ganhavam o salário mínimo nacional, perfazendo um total de 674 mil pessoas, com incidência nos setores do alojamento e restauração. Em comunicado, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que gere o portal de dados, esclarece que este número tem vindo a aumentar, subindo “mais de sete pontos percentuais em relação a 2013”. Já as estatísticas do INE mostram que há mais de um milhão de assalariados em Portugal a receber entre 310 e 600 euros mensais, ou seja, 30% do total daquele universo.
Retrato de um país pobre em números
Os baixos níveis de rendimento colocam Portugal numa situação especialmente vulnerável face à pobreza. De acordo com o mais recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE, referente a 2014, cerca 19,5% da população encontrava-se em risco de pobreza, o que significa que praticamente um em cada cinco portugueses vivia com menos de 411 euros mensais – o valor definido para o limiar da pobreza, abaixo do qual se é “estatisticamente pobre” em Portugal. Este valor significa um aumento de 0,7 pontos percentuais em relação a 2012, ano em que o valor já era “o mais elevado” desde 2009. As crianças representam o risco de pobreza “mais elevado”, com 25,6 por cento.
Um estudo a ser ultimado pela Pordata vai mais longe e avança com uma estimativa do que seria a taxa de risco de pobreza em Portugal caso o Estado deixasse cair a totalidade dos apoios sociais aos seus habitantes. Assim, sem pagamento de subsídio de desemprego, pensões de reforma, rendimento social de inserção, complemento solidário para idosos e outros, a taxa de risco subiria de 45,4% em 2011 para 47,8% em 2013. Segundo Carlos Farinha Rodrigues, um dos coordenadores desse estudo que retrata as desigualdades sociais em Portugal, Portugal não só tem mais pobres como estes estão hoje em pior situação do que antes do início da crise.
No mesmo estudo, a análise dos rendimentos familiares entre 2009 e 2013 indica que em praticamente todos os grupos sociais estes regrediram em média 7%. Nos mais ricos, diminuíram cerca de 8%, e nos mais pobres cerca de 25 por cento.
Jovens são quem mais perde
A compor o retrato, o índice anual de justiça social da Fundação Bertelsmann colocou Portugal em 20º lugar entre os 28 estados membros da União Europeia, com nota negativa: 4,98 pontos num máximo de 10 pontos, registando um recuo de 0,14 pontos face a 2014. A tabela é liderada pela Suécia (7,23 pontos) e encerrada pela Grécia (3,61 pontos).
Por cá, a situação “continua a ser desfavorável”, especialmente para os jovens portugueses. Embora o desemprego tenha recuado ligeiramente, para 34,8%, continua a ser «duas vezes superior ao registado em 2007”. A Fundação salienta ainda que enquanto a percentagem de crianças e jovens ameaçados pela pobreza está a aumentar desde 2007 (de 26,9% em 2007 para 31,7% em 2013), entre os idosos sofreu uma redução de 10% no mesmo período, para 20,3% do total. Os mais jovens são, por isso, “os maiores perdedores da crise económica e do endividamento público na Europa”, conclui o estudo.