Naquela quinta-feira, 22 de janeiro, o Forum Picoas, em Lisboa, reunia os acionistas da PT SGPS para uma assembleia geral decisiva: a aprovação da venda da PT Portugal aos franceses da Altice. Foi uma tarde inteira a entrar pela noite com discussões acaloradas. Muitos acionistas libertaram o que há muito lhes doía na alma. Houve até quem chorasse! Armando Pereira, o sócio forte do grupo dominado pelo franco-israelita Patrick Drahi, estava lá, no meio deles. Tudo viu e tudo ouviu.
Mas, no final, a imprensa não o entrevistou, as televisões não deram pela sua presença, ninguém o fotografou. Poucos dos presentes, muito poucos, o reconheceram.
E afinal, ele era o que mais razão tinha para ter dado nas vistas: a partir dali o negócio tornara-se irreversível, como já adivinharia.
Armando Pereira podia erguer a mão em V, de vitória. Talvez o tenha feito em pensamento, mesmo depois de ter ouvido Rafael Mora, representante da Ongoing, um dos grandes acionistas, a justificar que a venda à Altice era o “menos mau” dos negócios.
Ou simplesmente pensou: “Esta já cá canta”. E passou imediatamente aos passos seguintes, que, para homens de negócios como este, tempo é dinheiro. Chapeau.
Aos 63 anos, Armando Pereira, emigrado para França na razia da segunda metade dos anos 60, surge agora nas primeiras páginas da imprensa portuguesa, por ter assumido a cabeça daquele que já foi o maior grupo de telecomunicações português. E, apesar de estar na lista das maiores fortunas de França, este self-made-man-à-portuguesa – “um verdadeiro herói”, como lhe chamou recentemente o ministro da Economia Pires de Lima – quase nada se sabe dele em discurso direto. Ele próprio confessa que não costuma “falar em público”, foge das entrevistas como o diabo da cruz, e tem verdadeiras dificuldades em exprimir-se na sua língua pátria. O seu português passou a ser bastante afrancesado.
Mas à medida que o negócio da PT foi avançando, começaram a juntar-se peças de um puzzle que, no entanto, está ainda incompleto.
E nem o facto de a Altice se ter tornado a segunda maior empresa de telecomunicações em França (depois de adquirir as operadoras Numericable, SFR Virgin Mobilie e, agora, a Suddenlink, a sétima operadora por cabo norte-americana ) ajudou a que Armando Pereira saltasse para a ribalta, apesar de ser o homem forte no terreno, o operacional, por excelência, do grupo. Agora, que tem os pés firmes em Portugal, está pronto para uma nova etapa. Este negócio fala-lhe ao coração e é sabido que quer deixar uma marca, tanto no país, como na terra que o viu nascer: Vieira do Minho.
Tem andado cá-e-lá. Cá, é em Portugal. Lá, tanto pode ser na República Dominicana ou em Paris, os sítios onde passou a maior parte do tempo no último ano, devido às aquisições do grupo. “Ele é muito eficiente e pragmático. Liderou a integração da SFR em França e todas as aquisições da Republica Dominicana”, explica uma fonte do grupo que não quer ser identificada. E, é certo, agora irá passar mais tempo em Portugal, em Lisboa, para gerir a compra da PT Portugal. Nos fins-de-semana, num instante chega à sua mansão de Guilhofrei, Vieira do Minho, no seu helicóptero pessoal. Dizem os vizinhos, que “é aqui, com a família e amigos, que se sente bem”. A mulher é francesa e a sua única filha terá casado bem. Quem lhe frequenta a casa, descreve com orgulho o que vê: “Tem à entrada um candelabro de 600 quilogramas todo em cristal. Uma escadaria com braçadas de bronze. Quando ele cá está, à noite a casa ilumina-se toda. É lindo de se ver.”
O que ele andou para aqui chegar
Ele e Patrick Drahi são a parelha perfeita, “muito parecidos”, na sua génese e no seu percurso. Ambos discretos, no sentido em que evitam uma vida de jet set, não se largaram desde que fundaram a Altice S.A., a empresa que surge à cabeça do grupo (pelo menos uma delas), que fundaram em 2002.
Armando Pereira terá entre 20 % a 25% dessa empresa mãe. Não há dúvida de que Armando Pereira é hoje dono de uma “grande fortuna pessoal “. Mas quando o pai e a mãe de Armando casaram, na pacata e pobre aldeia de Guilhofrei, em Vieira do Minho, a prole já era grande: o pai contava dez filhos e a mãe três.
Juntos ainda tiveram mais cinco crianças. Entre filhos de um e outro e os tidos em conjunto, esta família alargada contaria dezoito filhos no total, criados como calhava, tomando banho no rio e comendo aquilo que os pais conseguiam produzir enquanto caseiros de uma pequena quinta. “Há cinquenta anos, uma família assim, a viver da agricultura, só podia ser muito pobre “, diz à VISÃO uma amiga da terra. Armando nasceu em casa, em março de 1952, tal como os restantes irmãos. Não terá dado grande trabalho, até porque era cada um por si. “A mãe era uma mulher forte. Num dia paría os filhos e, no outro, estava no campo a trabalhar”, recorda uma vizinha de então. A paisagem continua verde, a misturar-se com as hortas e com os campos de cereais. Os antigos caminhos de terra passaram a ruas de alcatrão. Mesmo assim, Guilhofrei é uma terra que fica longe. Longe do hospital. Longe dos serviços públicos. Longe para as poucas crianças que estudam para além do 1.º ciclo. Longe do comércio.
Por ali, os cafés vivem dos trabalhadores das barragens e dos poucos turistas.
Há cinquenta anos, esta lonjura, isolamento e, sobretudo, pobreza eram motivo mais que suficiente para abalar. O pequeno Armando, a quem todos, desde cedo, reconheceram ambição, deixou a família logo que completou a quarta classe, aos 11 anos.
Foi trabalhar como ajudante de feirante.Primeiro, em Fafe; e depois, em Pevidém, Guimarães. Ajudava a vender tecidos numa altura em que a roupa era toda feita à medida, em costureiras e alfaiates. Por ali andou até aos 14 anos. Até que a afamada feira de Espinho, poucos quilómetros a sul do Porto e onde tinha familiares, o “chamou”.
Nestas feiras, eram constantes as conversas acerca de quem emigrava para França, onde se dizia não faltar trabalho nem dinheiro.
Caminhava-se para os finais dos anos 60 e Armando já a tinha fisgada: ia guardando na memória os caminhos e os lugares que deveria percorrer. E assim foi: logo que pode partiu sozinho para França. Forjou um bilhete de identidade que lhe atribuía 17 anos, para poder trabalhar, e, por isso, correu o risco de ser deportado. Não levou qualquer mala, nem a de cartão. Levou apenas a roupa do corpo. E os dois contos de reis que juntou a trabalhar nas feiras.
Assim se governou nos primeiros tempos em França. À semelhança de muitos outros milhares de emigrantes, conquistar um lugar ao sol não foi fácil. Também ele viveu, cerca de dois anos, nos “bidonvilles”, em Courbevoie, arredores de Paris, enquanto trabalhou na construção civil. Depois, em Meurthe-et-Moselle, em Nancy, foi “plombier “, um canalizador que instalava canos nas ruas da localidade, para os quais também abria valas.
A ‘casa do boi’
O rapazinho fez-se homem e foi em Nancy, num baile de fim de semana a lembrar as romarias minhotas, que conheceu a francesa que o levou ao altar, filha do então empreiteiro para quem trabalhava. Têm uma filha, licenciada em Cinema, e dois netos de 5 e 3 anos.
O genro, também francês, é uma espécie de “braço direito” que o aconselha e ajuda a gerir os negócios de hoje, e que emprega milhares de pessoas.
Defensor acérrimo da privacidade dos seus, inimigo das máquinas fotográficas, Armando “ensinou” a família a viver o mais discretamente possível. “As fotografias da família estão blindadas, bem como informações sobre a mulher, a filha e os netos”, explica um amigo que, no verão de 2014, esteve em Guilhofrei na festa que a família preparou para receber o novo helicóptero que o fabricante entregou, diretamente, em Vieira do Minho.
Nesse dia, Armando, mostrou a licença de pilotar e fez de guia turístico, mostrando aos amigos a beleza da barragem do Ermal e da paisagem minhota. Aliás, sempre que pode, o empresário pega no helicóptero e sobrevoa a terra onde nasceu e cresceu.
Foi assim que assistiu ao rali de Portugal, que regressou ao troço da Serra da Cabreira, na sua terra, e no qual financiou dois pilotos franceses. As corridas são uma das suas paixões. Em França, é um rosto conhecido nestes meios e ele não desgosta de se ver fotografado, vestido à maneira, e ao lado do campeão do mundo Sébastien Loeb. Se for como nos negócios, gostará de meter o prego a fundo, o que encaixa com alguma “agressividade negocial” que o carateriza. Aliás, quem se vai cruzando com ele já lhe identificou o gosto por Bentleys e outros carros vistosos.
Armando Pereira esteve mais de uma década sem regressar a Portugal. Quando voltou, comprou a casa onde nasceu e onde os pais, entretanto falecidos, trataram das terras. “Ainda hoje é conhecida como a ‘casa do boi’ porque os pais tinham o único boi cobridor que havia em Guilhofrei”, conta Fernando Vieira, morador em Vieira do Minho. “Cada pessoa que levasse a vaca ao boi, pagava uma rasa [cerca de 15 quilos] de milho”, coisa importante para aumentar o parco rendimento familiar.
Por esta altura, Armando já era rico. Ou melhor, muito rico. Já tinha criado, nos anos 80, a sua própria empresa. Ao meter os primeiros canos para as operadoras de telecomunicações, depressa percebeu o potencial do negócio. Criou a Sogetrel, com sede em Thaon-Les-Vosges, e que trabalhou quase em exclusivo para a France Télécom. Nos anos 90, vende esta empresa ao banco holandês, ABN Amro, realizando a sua primeira grande mais valia: 31,5 milhões de euros.
Não se despede, continuará ali como trabalhador mais algum tempo. Inquieto, sempre a querer um pouco mais, quer convencer os seus novos sócios de que é tempo de investir também no negócio de cabo em vez de se contentarem em instalá-los. Esta história é contada por Christophe Karvelis, então representante do banqueiro holandês na empresa, ao Le Parisien Magazine. Recorda: “Armando era um homem de terreno, dotado de uma forte fibra comercial, muito empático e inteligente”. Não o acompanhou na pretensão de novos investimentos, mas hoje mostra-se arrependido: “Era preciso muito dinheiro, mas devíamos tê-lo feito”, confessa ao semanário parisiense. Foi mais ou menos por esta altura que a vida de Armando se cruza com a de Patrick Drahi, outro jovem emigrante de origem marroquina, ambicioso e trabalhador, de quem se torna amigo. Os dois complementam-se. Depois de alguns trabalhos em conjunto, acabam por criar a Altice, a gigante internacional de telecomunicações de que hoje se fala.
A Quinta das Casas Novas
A ligação a Portugal é afetiva. Quem com ele trabalha diz que é “fortemente emocional”.
Armando Pereira começa a comprar casas e terrenos em Guilhofrei. Depois de restaurar a casa onde nasceu, comprou a quinta que, na sua infância, era a mais rica da freguesia.
A Quinta das Casas Novas entrou em obras, mesmo antes de ter obtido os licenciamentos necessários.
Com vista privilegiada para a Barragem do Ermal, a herdade com 15 hectares de terreno, possuiu um heliporto, campo de ténis, pavilhão gimnodesportivo, campo de futebol, pista de karting, várias piscinas e um pequeno campo de golfe. Junto ao enorme portão de acesso, Armando Pereira construiu a Capela da Senhora da Saúde e Santiago, onde todas as semanas é celebrada missa. Está aberta à devoção popular. “Existia uma capela em ruínas junto à casa mas, para que as pessoas continuassem a poder fazer a festa a Santiago, mandou construir a capela com a entrada virada para a estrada”, explica uma moradora de Guilhofrei.
Mesmo assim, a construção da nova capela, tal como a da casa, foram motivos de fortes protestos. A capela, porque as ruínas deveriam ser restauradas. A casa, porque foi construída em área incluída na Reserva Ecológica Nacional (ver caixa Empregos prometidos para o Norte).
Ascensão de ficção
Para os amigos, ele “é uma pessoa muito simples que teve uma ascensão de ficção mas muito trabalhador e disciplinado”.
A sua afamada discrição contrasta com a forma como chega e parte de helicóptero a Guilhofrei. Ou de como é proprietário de uma “vasta e cara frota” de automóveis.
Mas também “anda por aí de bicicleta, sozinho ou com amigos, e cumprimenta toda a gente”, refere Fernando Vieira. Em agosto, tal como a maioria dos emigrantes, Armando passa-o em Vieira do Minho. A família raramente abandona a Quinta das Casas Novas que, no resto do ano, é gerida pelo irmão Zé. As refeições são levadas a casa, muitas vezes, pelo restaurante Retiro da Cabreira, dali perto, local que aproveita também para algumas reuniões de trabalho. O clã não dispensa a cozinha minhota, com destaque para o cabrito, o seu prato preferido. “O único local onde está 100% descontraído é em Guilhofrei. Diz que não há ar como o de Vieira do Minho”, atira quem com ele costuma conviver.
Os mais próximos recordam a resposta que costuma dar quando lhe perguntam como obteve tanto sucesso, com tão pouca instrução e em tão pouco tempo. “Tento sempre não me desviar dos meus objetivos: aprender e evoluir”, responde. “Já fui pobre. Que mal tem agora ser rico?”, atira. Mas se não parou a nível dos negócios, Armando Pereira também não parou na formação. Apenas com a 4.ª classe, Armando estudou o que pode em França e, dizem, até nos Estados Unidos. Mas esta é uma parte da sua vida de contornos pouco definidos. A página da Bloomberg Business indica-o como tendo feito um MBA (Master of Business Administracion) na Santa Clara University e várias outras especializações. Informações que não conseguiram ainda ser devidamente confirmadas. Verdade é que ele percebe do negócio em que anda metido.
Com casas em Paris, Luxemburgo, Marbella e Maiorca, o empresário tem diversas moradas e opta sempre por residir “onde há mais sol”, na versão dos amigos; ou “onde há trabalho para fazer”, na versão de quem trabalha com ele.
A esperança dos trabalhadores
“Ele gosta mais de Portugal do que os que vivem cá”, atira Hernâni Vaz Antunes, o empresário de Braga, amigo e antigo parceiro de negócios. “As empresas do Armando já garantem mais de 40 mil empregos em todo o mundo e isto, por si só, já é suficiente para avaliar a sua capacidade de trabalho e visão estratégica. As pessoas da Altice têm uma mentalidade diferente da portuguesa. Trabalham muito e são muito capazes”, garante este empresário, atualmente ligado ao setor imobiliário e com pouca vontade de falar da amizade que o une a Armando. “Ele gosta de paz e sossego. Tudo o resto é ruído.” Saberá do que fala. Ainda há quem se lembre bem de como Hernâni sabia traduzir essa dureza nas renegociações de contratos com os fornecedores e clientes que a Cabovisão levou avante logo que foi comprada pela Altice, em 2012 (no ano seguinte, compraria a ONI). Na altura, soube a VISÃO, este empresário bracarense era um comissionista da Altice. Reunia os fornecedores numa suite do hotel Ritz de Lisboa. Impunha uma redução de 30% do valor dos contratos.
Se alguém recusava, era simples: a Altice deixava de pagar. Entre ir para tribunal, esperar anos e ficar sem plataforma, os fornecedores acabavam por aceitar.
Será mais ou menos uma repetição disto que agora esperam os clientes e fornecedores da PT, dona da MEO. Pois foi também assim que decorreu em França, após a aquisição da SFR.
Este estilo duro não será muito diferente do de Armando. Quem com ele já se cruzou remete para “uma forma de estar na gestão pouco convencional, agressiva”. Em privado, um pouco “trauliteiro”, facilmente se gaba de “quanto gasta nas despesas da casa”. Mas reconhecem-lhe “o valor de quem subiu a pulso” e até “as coisas interessantes que fez no mundo dos negócios”. É simpático quando se lhe estende a mão. No final de maio, por altura da inauguração do primeiro call center da Altice em Vieira do Minho, Pires de Lima sublinhou que é de “homens assim que o país precisa” e, talvez por isso, se predispôs, como ministro, a visitar a sede da Altice em Paris.
Mas a forma como focaliza os negócios e estrutura os objetivos surpreenderam também os responsáveis pelo Sindicato dos Trabalhadores do Grupo Portugal Telecom e a sua comissão de trabalhadores (CT), com quem iniciou conversações em novembro.
Contou-lhes o seu percurso “muito parecido com o da Visabeira” e transmitiu-lhes o projeto que tinha para valorizar a empresa.
“Pareceu-me uma pessoa séria e explicou-nos como pretendem criar quatro mil novos postos de trabalho em Portugal”, recorda Jorge Felix, responsável pelo sindicato.
Francisco Gonçalves, da CT, conta como foram sendo contactados por ele. Incutiu-lhes esperança. “Quando se disse que ele despediu 30% dos trabalhadores da Cabovisão, ele contrapôs dizendo que salvou 70% dos trabalhadores, porque a empresa estava falida. Há sempre formas diferentes de ver isto”, adianta Francisco Gonçalves.
“Quero acreditar que, sendo ele português, não queira fazer mal ao seu País. Mesmo sendo um capitalista”, conclui Francisco Gonçalves. “Quando chegámos ao fundo do poço e da morte lenta em que estamos, o caminho só pode ser para cima. Temos de acreditar que pior do que estamos não ficamos “, remata o representante da comissão de trabalhadores.
Agora, que ele entrou na PT com o legítimo poder de um “chairman” há muito medo e apreensão. Agora, pode ser a doer. Dentro de semanas, ele vai medir tudo e todos de alto a baixo. Vai criar a sua equipa. Vai mudar o jogo e as regras.
*com Emília Monteiro