O programa de compra de dívida anunciado hoje pelo Banco Central Europeu (BCE) pode facilitar o acesso a financiamento para empresas, famílias e para o Estado, mas a medida tem riscos que estão a dividir analistas contactados pela Lusa.
O BCE vai comprar mensalmente 60.000 milhões de euros de dívida pública e privada a partir de março e, pelo menos, até setembro de 2016 (num total de 1,14 biliões de euros), anunciou hoje o presidente da instituição, Mario Draghi, justificando a medida com o persistente nível de inflação muito baixo verificado na zona euro.
Contactados pela Lusa, analistas apontam entre as vantagens do programa a pressão sobre as taxas de juro e, consequentemente, “melhores condições para financiamento”, não só para o Estado, mas também para as famílias e empresas.
“Para as famílias no curto prazo tem efeitos positivos, porque as taxas de juro continuarão baixas, ou ficarão até mais baixas, mas por outro lado não é evidente que, com este convite para os bancos emprestarem mais, estando mais crédito disponível, que [as famílias] o queiram aproveitar”, considerou Filipe Garcia, presidente do IMF — Informação de Mercados Financeiros.
No que diz respeito aos impactos para o Estado português, Filipe Garcia aponta que a execução orçamental “será mais confortável”, pela redução dos encargos com os juros da dívida.
“Cria alguma folga que pode ser aproveitada para cumprir objetivos de défice ou para gastar mais, mas o saldo no total[incluindo juros da dívida] vai ter na mesma um resultado positivo”, disse o analista.
Para o analista, que se mostrou “cético” quanto ao programa, existem ainda dúvidas se a medida “vai funcionar”, ou seja, se vai fazer ressurgir a economia europeia e lutar contra a deflação, objetivos do BCE. Filipe Garcia receou que a medida acabe por ser “um atirar dinheiro para cima dos problemas” e um “convite a que os Estados gastem mais dinheiro e desequilibrem as suas contas”, com base nesta folga.
Também Rui Bárbara, economista do banco Carregosa, considera que “há duas grandes questões” em torno do ‘quantitative easing’: o endividamento das famílias e empresas da zona euro e os níveis de rácios exigidos aos bancos europeus.
“Por muito baixo e atrativo que seja oferecido esse crédito, os agentes já estão endividados e podem não querer endividar-se mais. E aos próprios bancos está a ser-lhes pedido ao mesmo tempo que reforcem os seus níveis de capital. Quase que funciona como um travão”, considerou o economista.
Rui Bárbara considera então que o programa hoje anunciado vai funcionar “muito mais pela parte da alteração das expetativas [dos investidores] do que por um aumento substancial no crédito a nível da zona euro”.
Para o Estado português, o economista do Carregosa considera que o programa é “uma boa notícia”, principalmente no dia seguinte ao Governo ter anunciado a intenção de reembolsar antecipadamente ao Fundo Monetário Internacional (FMI) parte do empréstimo concedido.
“Já temos comprador [o BCE] para parte da dívida que vá sendo emitida [para fazer o reembolso]”, afirmou, salientando a redução das taxas de juros que se prevê que seja visível com o avançar do programa.
Da mesma opinião é Tiago da Costa Cardoso, gestor da XTB Portugal, que afirmou que estas medidas “estreitaram ainda mais o ‘spread’ da dívida pública portuguesa”, o que “facilita a emissão de nova dívida, quer operações de troca”.
O analista considerou que o anúncio “é positivo” para Portugal e que o programa de compra de dívida é “uma ‘bazuca’ que pode ser o pulmão de oxigénio que faltava à economia portuguesa.
“Se a liquidez chegar realmente à economia real, é provável assistirmos a uma maior facilidade de crédito às empresas e às famílias, gerando assim um ciclo virtuoso na economia”, disse.