Foi a partir de um discreto escritório no primeiro andar do número 190 da Avenida da Liberdade, em Lisboa, que Isabel dos Santos pôs em cima da mesa uma oferta de 1,2 mil milhões de euros pelo controlo da PT SGPS, a maior acionista da brasileira Oi. A jogada, ousada, está longe de ter êxito assegurado – o preço proposto por ação (1,35 euros) é baixo e as condições impostas pela filha do Presidente angolano não convencem nem portugueses nem brasileiros -, mas pode representar um bilhete de entrada da mulher mais rica de África nas telecomunicações do Brasil, depois de investir milhões neste setor em Angola (na Unitel) e em Portugal (na NOS, em parceria com a Sonaecom). Como ficará a PT Portugal e o “interesse nacional”, invocado por políticos e empresários de diferentes quadrantes políticos, é o que iremos ver nas próximas semanas.
Apesar de ter fama de dura e implacável nas negociações, Isabel dos Santos mostrou ser também intuitiva e ágil quando as circunstâncias – ou os seus braços-direitos em Portugal, o economista Mário Silva e o advogado da PLMJ, Jorge Brito Pereira – o aconselham. Menos de 48 horas após o lançamento da OPA sobre a PT SGPS, a empresária deixou cair algumas das condições anunciadas no domingo, 9, depois da reação da Oi ter sido mais negativa do que o esperado, ao declarar, inicialmente, a oferta angolana “inoportuna” e, a seguir, “inaceitáveis” as suas exigências.
Brasileiros e portugueses terão sido surpreendidos com a imposição de suspender a fusão entre a Oi e a PT, na sequência do “calote” de €897 milhões da Rioforte, que reduziu de 37% para 25,6% a posição da PT SGPS na Oi. Essa foi uma das condições que a empresária admitiu deixar cair já na terça-feira, 11, quando, em Lisboa representantes da Oi analisavam as propostas de compra existentes: a oferta de Isabel dos Santos, por um lado, e a proposta de compra da PT Portugal pela francesa Altice, com o valor de 7 025 milhões de euros, por outro.
Seja qual for o desfecho, o certo é que Isabel dos Santos quer ter um lugar nas telecomunicações, no Brasil, e identificou aqui uma oportunidade. Mais uma vez, segue o seu modus operandi: ataca onde, e quando, há necessidade de capital. A Oi, um colosso das telecomunicações, no Brasil, é também uma empresa muito endividada, tecnologicamente atrasada e historicamente mal gerida, em consequência das tensões acionistas entre o Governo de Brasília, presente no capital do operador através do banco público BNDES, e os grupos acionistas Andrade Gutierrez e Jereissati.
Fragilizada por uma divida de €15,3 mil milhões, a Oi vê-se confrontada com o imperativo de vender. Daí ter posto à venda a PT Portugal, que gere a operação portuguesa de telecomunicações no fixo, móvel, internet e televisão (Meo). É com base nesta debilidade financeira da Oi, e de uma potencial disponibilidade dos acionistas portugueses da PT SGPS – Novo Banco, Ongoing, Visabeira e Controlinveste – para vender que Isabel dos Santos estará a jogar todo o seu poder de fogo. Dinheiro não faltará à mulher mais rica de África.
Nem influência política, na medida em que os acionistas da Oi, como o BNDES ou a construtora Andrade Gutierrez, dependem das boas graças do regime de José Eduardo dos Santos para fazerem negócios naquele País africano. O momento no Brasil é apetecível, com o mercado das telecom ao rubro por causa das movimentações em redor da Telecom Italia e da sua filial móvel TIM, alvo da cobiça dos concorrentes Oi, Claro e Vivo.
Com esta OPA, Isabel dos Santos oferece à operadora brasileira uma outra solução que não necessariamente a venda da empresa que detém a rede de telecomunicações em Portugal. Com acesso fácil a capital, reforçaria a estrutura acionista da OI, manifestaria um interesse de parceiro de longo prazo, com tendência a reforçar a sua posição futura, pelo menos até garantir peso e influência no eixo Brasil-África, primeiro, e em Portugal, depois. Institucionalmente, este parece ser o trunfo que a empresária quer fazer passar. A ver vamos se o Brasil a vê dessa maneira.
E Portugal?
Isabel dos Santos sublinhou, em comunicado, a sua vontade de manter “a unidade” da PT, evitando o seu “desmantelamento”, e “preservando os seus postos de trabalho”. Dias antes, assinara um comunicado conjunto com a Sonaecom, sua parceira na NOS, em que subscrevera a necessidade de assegurar o “interesse nacional”. O seu porta-voz em Portugal frisa que a sua estratégia é somar o mercado brasileiro aos interesses que já detém em Angola (através da Unitel) e em Portugal (na NOS). A PT SGPS, a maior acionista da Oi, surge, assim, como o veículo adequado às suas pretensões, permitindo-lhe, em simultâneo, ter uma palavra a dizer sobre o futuro da PT Portugal, controlada pela Oi.
Longe de se considerar uma herdeira do projeto de criação de um grande operador de língua portuguesa – ao abrigo do qual o Governo de Sócrates e a administração da PT, na altura liderada por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, “enterraram” 3,75 mil milhões de euros na Oi -, Isabel dos Santos tem outra visão geográfica dos negócios, não centrada em Lisboa.
Mas mostra a intenção de manter a PT, evitando a sua venda. “O negócio [de telecomunicações] de Isabel dos Santos em Portugal é a NOS”, sublinha o porta-voz. “Agora, quer ter presença nas telecomunicações no Brasil”, adianta. E nada melhor do que este momento de indefinição, em que o grupo está à deriva e sem uma estratégia bem definida.
Parceria com a Sonaecom
Sendo Isabel dos Santos a sócia igualitária da Sonaecom na Zopt (a empresa que controla a NOS), a pergunta é legítima: porque é que não foi a Zopt a lançar uma OPA à Portugal SGPS? Porque é que Isabel dos Santos não se aliou à Sonae para esta operação? Porque, ao contrário de Isabel dos Santos, a Sonaecom não terá qualquer interesse em entrar nas telecomunicações no Brasil. Pelo menos agora, quando está ainda a consolidar a fusão da “sua” Optimus com a Zon, que há pouco mais de um ano deu origem à NOS, um forte concorrente da PT Portugal, líder na televisão paga e que continua a exigir grande volume de capital.
O avanço de Isabel dos Santos sobre o Brasil terá sido previamente concertado com a administração da Sonaecom e esta não terá visto qualquer incompatibilidade com os objetivos da NOS. Pelo contrário, a Sonaecom poderá ganhar uma aliada se Isabel dos Santos sair vitoriosa na sua investida. É que a NOS depende das condutas da PT nas zonas onde não tem fibra ótica nem rede móvel de quarta geração, assim como do cabo submarino da PT que liga o Continente às ilhas.
Daí que Isabel dos Santos e Sonae tenham emitido um comunicado mostrando-se disponíveis para colaborar com as partes envolvidas na procura de uma solução para a PT Portugal. Era um comunicado vago e estranho, que não propunha uma compra nem oferecia um preço. Era apenas uma tomada de posição e um apelo a que se estudassem alternativas à sua venda.
Disponibilizavam-se para pensar numa solução que tivesse em conta a conjugação dos interesses de todos os operadores. Impedida de adquirir a PT Portugal – a operação dificilmente passaria na Autoridade da Concorrência -, o movimento da Zopt foi lido no mercado como um manifesto da sua intenção em adquirir alguns ativos da PT Portugal, ou mesmo de constituir, com outras operadoras, uma empresa para a gestão da rede básica de telecomunicações. Uma solução à imagem do modelo inglês, que separa a gestão das infraestruturas da gestão da operação comercial do serviço de telecomunicações – e que chegou a ser defendida pela Sonaecom, antes da tentativa falhada de comprar a PT, em 2006.
Caso Isabel dos Santos consiga tornar-se acionista da PT SGPS e, por essa via, da Oi, terá uma palavra a dizer capaz de influenciar os destinos da PT Portugal. Para já, vai dizendo que defende uma PT una e indivisível, mas não condiciona o sucesso da operação a tal.
Se a estratégia da filha do Presidente angolano der certo, surgirá naturalmente uma solução para o maior operador móvel angolano, Unitel, onde PT e Isabel dos Santos detém 25% cada um. Há anos que Isabel dos Santos e a PT estão de candeias às avessas: a Unitel já nem paga, desde 2011, dividendos à PT, cujo valor rondará os €245 milhões. Enquanto tentam resolver o problema na justiça, ajudará, e muito, ter um pé dentro da Oi – que controla diretamente os negócios da PT em África.
É assim que Isabel dos Santos vai juntando o útil ao agradável. Primeiro, com a Sonae, mostrou-se aberta a estudar outras soluções para a PT. Depois, sozinha, oferece capital e retira argumentos à Oi para a venda da PT Portugal.
Veremos qual a peça de xadrez que vai mover a seguir e se, de facto, vai conseguir fazer xeque-mate.
DESCODIFICADOR
O que é a PT SGPS?
É a empresa cotada em bolsa. No âmbito da fusão com a brasileira Oi, foi transformada numa empresa-veículo. A PT SGPS detém cerca de 39% do capital da Oi, mas, depois de concluída a fusão, no primeiro trimestre de 2015, os seus acionistas ficarão com 25,6% do capital da nova Oi. Nessa altura, os seus únicos ativos serão os títulos da dívida da Rioforte, no valor de 897 milhões de euros, e uma opção de compra de mais 11,4% do novo operador brasileiro, a exercer nos próximos seis anos, caso recupere o dinheiro aplicado na Rioforte. O núcleo duro de acionistas da PT SGPS são o Novo Banco (10,6%), a Ongoing (10,5%), a Visabeira (2,6%), a Controlinveste (2,2%) e a própria Oi, através da Telemar (10%).
E a PT Portugal?
Concentra o negócio das telecomunicações em Portugal – fixo, móvel, internet e televisão -, que foi em maio transferido para a alçada da Oi, ao abrigo da aliança industrial acordada em 2013. Integra, também, as operações africanas geridas pela Africatel, uma holding detida pela PT e pelo fundo nigeriano Helios.