Os custos reais dos quatro hospitais que atualmente funcionam em regime de parceria público-privada (PPP) poderão ser três vezes superiores às estimativas apresentadas pelo Estado, ao longo dos últimos anos. O total dos encargos públicos com essas unidades de saúde durante as próximas três décadas tem sido estimado, nos documentos oficiais do Governo (ver infografia), em cerca de 4 mil milhões de euros. No entanto, um relatório “restrito, privado e confidencial” sobre as PPP, encomendado no ano passado pelo Executivo à empresa de auditoria Ernst & Young, apresenta uma projeção diferente e fala de “encargos líquidos” de 12 419 milhões de euros em 30 anos, para a componente de gestão clínica do projeto e de 1 177 milhões para as entidades gestoras dos edifícios – um total de 13 596 milhões.
Quando Portugal avançou, em 2001, para as parcerias na saúde, fê-lo de uma maneira experimentalista. Adotou um modelo nunca testado, em que a cada hospital corresponde a duas PPP: uma faz a obra e gere o edifício, com base em contratos a 30 anos, cobrando uma “renda” ao Estado; a outra encarrega-se da gestão clínica do estabelecimento (contratos a 10 anos), recebendo uma remuneração.
As estimativas oficiais dos custos da gestão clínica apresentam uma lacuna de 20 anos, já que se baseiam apenas no contrato com duração de 10 anos. Ou seja, calcularam-se os custos do contrato e não os do projeto em si – abrir e manter em funcionamento hospitais, neste caso em Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira.
Entre os especialistas, as opiniões dividem-se. Se, por um lado, há quem considere estar-se perante um fenómeno de “suborçamentação” que camufla os custos reais dos projetos, há, por outro, também, quem ache incorreto incluir esses valores nas estimativas, enquanto não houver uma decisão sobre a renovação das PPP.
No seu Estudo de 36 contratos de Parcerias Público Privadas do Estado Português, a Ernst & Young calcula que os encargos das PPP da saúde não vão parar de aumentar durante as próximas gerações. Os custos com a gestão clínica dos quatro hospitais da chamada primeira vaga deverão atingir um pico de 573,9 milhões de euros, em 2038. Até 2042, os cuidados de saúde a prestar naquelas unidades vão custar, em média, 401,6 milhões de euros por ano.
O Estado faria melhor?
No documento a que VISÃO teve acesso, faz-se a projeção dos encargos líquidos, numa base de continuidade do contrato da gestão clínica até ao final do contrato de gestão do edifício (30 anos). Isto é, tenta-se colmatar a lacuna de duas décadas já referida. Segundo esse cálculo, o hospital de Braga, o maior (gerido pela José de Mello Saúde, pelo menos até 2020), deverá gerar um encargo público líquido de 4 466 milhões de euros. Seguem-se Loures (Espírito Santo Saúde, 2022), 3 104 milhões, Vila Franca de Xira (José de Mello Saúde, 2022), 2 581 milhões e Cascais (Hospitais Privados Portugueses, até 2019), 2 267 milhões.
É muito dinheiro? Certamente. Resta saber se a gestão destes hospitais sairia mais barata se estivesse a cargo do Estado. Mas os estudos são inconclusivos. Até agora, as PPP só se têm revelado mais eficientes nos modelos matemáticos.
Segundo Mariana Abrantes de Sousa, especialista nesta matéria e ex-controladora financeira dos Ministérios da Saúde e dos Transportes, um dos fatores que distinguem as PPP da saúde das rodoviárias é o facto de, à exceção de Loures, os investimentos em novos hospitais se destinarem a substituir infraestruturas que já existiam. Há também utilização rigorosa do “comparador público” (o custo de fazer o mesmo projeto em contratação pública tradicional).
O Governo tem feito um balanço positivo. Ainda em março, o secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira falava em “ganhos de custos e eficiência” que permitem ao Estado prestar o serviço por menos dinheiro, mas admitia que o Serviço Nacional de Saúde ainda não tinha retirado das parcerias a mais-valia possível.
Apertos financeiros
A verdade é que a vida das PPP não tem sido isenta de apertos financeiros. Cascais acumulou, em 2011, prejuízos de 2,2 milhões de euros e Braga de 16,5 milhões. No final do ano passadochegou a ser noticiada a falência quase eminente da unidade nortenha. Salvador de Mello, presidente da José de Mello Saúde, afirmou, entretanto, numa entrevista ao Expresso, que estaria a perder “dezenas de milhões de euros” em Braga. O grupo privado ponderou mesmo pedir ao Governo a reposição do equilíbrio financeiro. Mas o ministro da Saúde, Paulo Macedo, não terá sido recetivo à ideia de uma negociação suscetível de se converter em fonte de mais encargos públicos. Cascais acabaria por ver o seu problema, pelo menos em parte, resolvido, quando a Caixa Geral de Depósitos vendeu o grupo Hospitais Privados Portugueses aos brasileiros da Amil.
O problema do hospital de Braga pode estar relacionado com uma ocorrência de há quase cinco anos: o consórcio liderado pela José Mello Saúde, que tinha ficado em segundo lugar no concurso, acabou por ganhá-lo, depois de protagonizar uma reviravolta, ao descer o preço da sua proposta em 22 por cento.
Na perspetiva de Pedro Pita Barros, professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova, ao fazer esse tipo de desconto “a gestão privada subestimou a sua capacidade de obter poupanças suficientes para conseguir resultados positivos. Mas isso não significa, necessariamente, que a gestão privada seja pior que a pública”.
Caso de (in)sucesso
“Com descontos desses, não se podem queixar, depois, de perderem dinheiro”, afirma Mariana Abrantes de Sousa. Esta economista fala do risco que este tipo de situação pode acarretar em termos de pressão para o Estado intervir a fim de resolver o problema.
Mesmo salvaguardando as devidas diferenças em relação às parcerias rodoviárias – a saúde é muito mais escrutinada e controlada, sendo, por exemplo, a produção hospitalar negociada anualmente entre o Estado e o parceiro privado – dificilmente se pode falar delas como um “caso de sucesso”. O processo foi moroso, repleto de dificuldades, derrapagens e advertências do Tribunal de Contas. Faz dez anos que se lançou a primeira PPP na saúde – o hospital de Loures – mas o concurso foi extinto e relançado em 2007. O hospital só começaria a funcionar, em fevereiro de 2012. E os atritos em torno da área de influência daquela unidade ainda não estão inteiramente resolvidos.
Mariana Abrantes acredita que, apesar de tudo, as PPP, introduzindo mecanismos de comparação, levam os outros hospitais públicos a tornarem-se mais eficientes. “Têm um peso modesto no conjunto do sistema. O que é bom. Fazem pressão, mas não dominam.”
João Camargo, membro da comissão da Iniciativa de Auditoria Cidadã à Dívida (IAC), é um forte crítico das PPP. “Não são mais transparentes nem mais baratas”, afirma. Segundo este ativista, a experiência internacional pauta-se pela deterioração dos serviços prestados e pela entrega de monopólios naturais a grupos privados.
A IAC tem denunciado as PPP como instrumento de desorçamentação do investimento do Estado, que deixa de ser contabilizado como despesa pública. Afinal, é uma posição que não anda muito longe da do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que recentemente descreveu as PPP como “exemplos de práticas de desorçamentação que persistiram por tempo de mais em Portugal perante a passividade prolongada das instâncias europeias”.