Nas grandes crises, preocupamo-nos, sobretudo, com o controlo dos buracos orçamentais que fazem mossa no défice mas, também, com os custos das políticas e iniciativas legislativas que, com o tempo, se revelam erradas. Parece ser o caso da fatura da eletricidade e do modelo de política energética que lhe serve de suporte. Aos poucos, começa a fazer-se luz sobre os encargos suportados pelos 6 milhões de clientes da EDP e dos outros pequenos prestadores. E que, a partir do próximo ano, correm o risco de ver a sua fatura mensal crescer mais 30%, depois de terem acomodado, já a partir de 1 de setembro, uma subida do IVA de 6% para 23 por cento.
No final do ano passado, a Deco animou o debate em torno das tarifas da luz ao descodificar os extras que mensalmente são cobrados na fatura da energia mas que não estão relacionados com o consumo de eletricidade. Em cada euro pago mensalmente, 42 cêntimos destinam-se a suportar os chamados “custos de interesse económico geral” – que mais não são do que os custos para o consumidor do modelo regulatório de política energética nacional decidido nos últimos anos entre os sucessivos governos, o Parlamento e a ERSE, enquanto entidade reguladora, depois de ouvidos os operadores, entre os quais a EDP. Em 2011, estima-se que esses custos possam atingir 2,5 mil milhões de euros, o que equivale a um aumento de 30% em relação ao ano passado.
Nessa análise às faturas da eletricidade, a Deco estimou em apenas 31% os custos de produção da energia que consumimos, e em 27% os encargos com as redes que a trazem até nossas casas. A componente mais pesada, que ascende a 42% do valor final, refere-se aos denominados “custos de interesse económico geral”, que incluem os apoios às energias renováveis e à cogeração, as rendas pagas aos municípios pela distribuição de energia aos consumidores domésticos, a amortização do défice tarifário acumulado, a subsidiação tarifária das regiões autónomas, os custos para a manutenção do equilíbrio contratual e os contratos de aquisição de energia (que garantem a saúde financeira das centrais de produção. desde a liberalização, designadamente, das barragens e da central de Sines da EDP). Na altura, a Deco concluiu que se o regulador reduzisse estes custos gerais em 10%, o preço da eletricidade poderia ter descido 5% em vez do aumento de 3,8% proposto pela ERSE. E avisava: “Se nada for feito, as más perspetivas serão agravadas, em 2012, com aumentos insuportáveis do ponto de vista social, muito provavelmente superiores a 10 por cento.” Quase um ano depois, a realidade superou o anúncio que então parecia apocalíptico.
Segundo o Diário Económico, o regulador poderá propor um agravamento de 30% das tarifas elétricas para 2012, de modo a refletir a subida dos preços dos combustíveis fósseis usados na produção mas, também, para anular os efeitos da subsidiação das tarifas, nos dois últimos anos, que contribuíram para um agravamento do défice tarifário para 1,8 mil milhões de euros, ao não refletirem o aumento dos custos que lhe estão associados. Em 2006, essa opção de política energética provocou a saída antecipada do anterior presidente da ERSE, que se demitiu ao ver recusada pelo ex-ministro Manuel Pinho a sua proposta de aumentar em 16% o preço da eletricidade.
O atual ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, prometeu estudar uma forma de evitar esta subida brutal das tarifas, provavelmente através da dilatação dos prazos para amortização de alguns dos custos que geram défice tarifário. Mas uma solução final terá provavelmente de ser debatida com os membros da troika, que se têm mostrado particularmente atentos a este défice.
Como se decompõe a fatura da luz
Os subsídios e as rendas pesam mais na conta da eletricidade do que a energia consumida
31% produção de energia e seu fornecimento
27% uso das redes e gestão do sistema elétrico
42% subsídios e rendas (apoios às renováveis, rendas aos municípios, garantia de preços à produção, etc.)
Conta mais pesada
A subida da taxa de IVA, de 6% para 23%, vai agravar a fatura média da eletricidade dos portugueses dos atuais 45 euros para 52,02 euros mensais, a partir de 1 de outubro. Se a tarifa aumentar mesmo 30% em 2012, o consumidor passará a desembolsar 67,64 euros, mais 22,64 euros por mês – quase 50% acima da última fatura mensal.