Paulo Azevedo chegou ao princípio da tarde, de fato e gravata, e pediu logo “um café dos grandes e umas bolachinhas”. Tinha trocado o almoço por um desafio de ténis. A prática de desporto continua a ser a sua forma preferida de libertar tensões. E ainda fica nervoso quando tem de falar em público. Na quarta-feira, 18, depois da apresentação pública dos resultados e de reuniões sucessivas com os quadros do grupo e com analistas, tinha acabado o dia a jogar ténis, entre as 20h e as 22h. Viu-se obrigado a arranjar um parceiro à pressa, depois de ter sido desmarcado o habitual jogo semanal de futebol com a equipa da Sonaecom, por falta de quórum.
Em Maio de 2007, quando chegou à liderança da Sonae, mudou-se para o gabinete de Belmiro de Azevedo – “o meu pai ficou aqui mesmo ao lado”. Pintou-o de branco, trouxe livros de coaching e de gestão e trocou alguns quadros: pinturas de Paulo Neves, Eduardo Alarcão e Amândio da Silva fazem-lhe companhia. Mas há um, de Manuel Amorim, de que gosta especialmente: “simboliza a solidão”.
Aos 43 anos, já protagonizou uma OPA sobre a PT – ainda que mal sucedida – e de seguida chegou a número um do maior grupo privado nacional não financeiro. “Nunca me senti tão motivado. Internacionalizar a Sonae, implementar uma estratégia de grupo, substituir o Nuno Jordão e o Álvaro Portela… é um desafio gigantesco”, vai dizendo. Não fosse a opção destes em sair, (o primeiro, por doença, o segundo por cansaço) e não seria Paulo Azevedo a prescindir deles. “Não quero o meu exército. São colegas meus há 20 anos. Seriam a minha primeira, segunda, terceira e quarta escolha”. Mas a responsabilidade de os substituir, durante o próximo ano, e “de pôr a equipa à altura, é muito grande”. Assim como o de reorganizar o grupo. Parte para esta conversa com uma preocupação: não quer falar sobre Sócrates nem sobre o Governo.
Porque é que não quer falar sobre o Sócrates? Essa recusa é um bocado estranha num líder da Sonae. O seu pai não é assim…
O meu pai também era muito diferente quando tinha a minha idade. E agora não é CEO. Um CEO tem o dever e a responsabilidade de falar de acordo com o seu job.
Isso não descaracteriza o ADN do líder Sonae, irreverente, que diz o que pensa?
Espero que não. Somos independentes, frontais e vamos continuar a ser
Disse, ao Diário Económico, sobre a necessidade de uma maioria absoluta: “Tento não me envolver na actividade política, tenho uma opinião, que seria um bocado polémica e prefiro não dizê-la”. Está a gerir consensos? Prefere uma paz podre a uma boa guerra?
Não estou nada! Nunca dei uma opinião sobre uma eleição. Nunca. Não é de hoje. Não mudei nada. Vocês notam diferenças entre mim e o meu pai. Mas somos diferentes. Ele tem dedicado muito mais tempo do que eu a assuntos fora dos interesses internos da Sonae.
Mesmo assim o eng. Belmiro não tem falado muito publicamente. Nota-se que tem vontade de falar e de ir mais além. É o Paulo que lhe pede para se conter, para ficar calado?
[risos] Não. Houve uma altura em que a percepção de algumas coisas que o meu pai dizia era muito mais agressiva do que a intenção dele. E nós, que já estávamos habituados ao estilo dele, achávamos normalíssimo. Depois saía no jornal como se fosse um escândalo. É o estilo, tem que se conhecer…
Quer amaciar a imagem um bocadinho truculenta da Sonae?
Não. O que se passava há três, quatro anos, não tem nada a ver com o contexto actual. O meu pai agora raramente intervém na Sonae. E não se tem posto o caso de a Sonae ter de assumir uma posição sobre um determinado assunto.
Mas não se inibiu de dizer que sente uma grande empatia com o eng. Sócrates.
Quem? Eu? Mas isso não é uma questão política. Realmente, quando nos conhecemos, as coisas correram muito bem. Ele tem uma grande capacidade de decisão e é muito proactivo. Também sou assim…
Depois de tudo o que se passou com o desfecho da OPA da Sonae sobre a PT é uma surpresa que diga bem do Governo de Sócrates.
Que seja muito claro que a Sonae não é uma força de oposição. Nós não somos contra nem a favor do Governo. Somos uma entidade independente. E de facto, há muitas coisas em que, como cidadão, estou de acordo com o eng. Sócrates.
Tais como?
Não queria entrar por aí. Não tem a ver com as minhas responsabilidades.
“NÃO SEI SE HÁ UMA CAMPANHA NEGRA”
No congresso do PS, o eng. Sócrates acusou o Público e a TVI de fazerem uma campanha negra. Isso atingiu-o?
E o que é que isso tem a ver com a Sonae? Zero. Não tenho absolutamente nada a ver com o que o Público escreve. Se eu dissesse ao Público o que eles deveriam escrever, escreveriam o contrário. Não tenho qualquer influência. A direcção houve o conselho consultivo sobre assuntos editoriais e a Sonae não tem sequer assento nesse orgão.
Não se sentiu minimamente atingido?
Não. Só me sentiria se fizesse parte de alguma campanha negra. Mas não faço e nem sei se há ou não uma campanha negra
Não se sentiu traído nem enganado?
Na OPA? Porque é que me havia de sentir traído? A OPA são águas passadas. Era óbvio que o Governo tinha de decidir. E decidiu.
Não lhe tinham criado uma expectativa de que o desfecho seria outro?
Não. Não avançámos com a operação sem perguntar ao primeiro-ministro se se oporia a uma operação daquela natureza. Cumprimos os cuidados todos e não avançaríamos sem saber se causaria problemas políticos. Foi uma atitude bem reflectida e pensada. Nessa altura, o primeiro-ministro não nos disse que decisão tomaria e não nos criou nenhum tipo de expectativa. Foi para nós importante saber que ele, à partida, não era contra. Até fiquei com a impressão de que ele achava bem que acontecesse, embora ele nunca mo tivesse dito. Avançámos, porque achámos que tínhamos uma boa hipótese de ganhar e que seria um bom projecto. E se perdêssemos era melhor do que não fazermos nada.
Preocupa-o ver manifestações que levam 200 mil pessoas à rua? Não teme a turbulência social e económica? Como é que vê o país?
Não tenho suficiente informação, não me dedico a esses temas. Esse sinal não é um indicador de que as decisões são boas ou más. Portugal é muito difícil de governar. Toda a gente quer mudar desde que ninguém mexa na sua parte. Há sempre reacções. Há uma coisa que nenhum governo consegue mudar de um dia para o outro: a implementação é muito fraca; Mas é a máquina que temos. Mudar um líder ou os ministros não muda a qualidade técnica de todo o aparelho de Estado. Isto precisa de melhorar. Não faço a mínima ideia se algumas das coisas que estão a ser contestadas são boas ou más. Sei que algumas delas, de princípio, são boas. Alguém discorda da avaliação dos professores?
Os professores.
Lá está. Isso é o tal que eu desconto um bocadinho. Em todas as empresas onde introduzi avaliação as pessoas também discordaram. Sobre o primeiro sistema que fizemos, disseram que era uma porcaria e que avaliava muito mal. Sempre estive disponível para que me mostrassem melhor. Se mostrarem melhor eu troco, se não mostrarem este é o melhor que sei fazer. Melhoraremos depois. Por isso, não me admira que os professores não queiram ser avaliados, nem que haja uma grande contestação ao primeiro modelo.
As elites não andam muito caladas?
Se estão à procura de ligações entre a minha posição e o facto de as elites estarem mais caladas – não há. Mas também acho que estão um bocadinho mais caladas.
Porquê? Têm medo?
Não. Há uma muito maior dependência do poder político. O sistema financeiro, por exemplo, está [mais dependente]. Há menos empresas realmente independentes.
Como é gerir numa situação em que o sistema financeiro está dependente do poder político?
Na Sonae, temos a sorte de ter um portfólio bastante resiliente a estes comportamentos da economia. A distribuição, sobretudo a alimentar, sofre muito pouco, assim como as telecomunicações. O único impacto real é o resultado indirecto da Sonae Sierra, pela variação de valor dos imóveis. O que nos prejudica é a liquidez desse mercado. Não sabemos a que ritmo recuperará. É um mercado que está muito parado.
É optimista?
É difícil. Sou ligeiramente acima da média. Não vejo as coisas a correrem muito mal no consumo, nas telecomunicações ou nos centros comerciais. A indústria sofreu muito mais.
A SONAE DO FUTURO
Estes quase dois anos de liderança foram marcados pela crise. Como é que geriu isso?
Não me sinto nada afectado. Estes dois anos correram muito bem. Definimos as linhas gerais da Sonae no futuro, que vão depois informar os processos de reflexão estratégica de cada uma das empresas. Fizemo-lo antes da crise. Mas a crise não afectou a visão de futuro da Sonae.
E como é a Sonae do futuro?
Queremos ser uma empresa muito mais internacional, temos as competências necessárias. As nossas equipas comparam muito bem com as de outras empresas lá fora nas três áreas onde estamos. A nossa principal via de crescimento vai ser a internacionalização. Temos de a fazer, pois também não temos muito espaço para crescer em Portugal. Já não é tão fácil começar do zero em novas áreas de negócio, a Sonae está mais especializada. Traçamos objectivos até quantitativos do que queremos ter fora de Portugal até 2012.
Depois, há duas ou três linhas orientadoras importantes. Uma é que vamos estar mais abertos a estilos de investimentos diferentes. A Sonae sempre teve parcerias, a maior parte delas éramos accionistas de controlo, mas nunca fomos muito pro-activos a olhar para o valor criado no negócio. Vamos estar mais abertos a fusões, a participações minoritárias, a ser parceiros técnicos em novos mercados, vamos querer aprender com menos risco. A internacionalização é fulcral para nós e sabemos bem que também tem riscos adicionais.
O que quer exactamente com a internacionalização? A Sonae Sierra não está já internacionalizada?
Está. Mas o grupo Sonae, neste momento, e pós-separação Sonae Indústria, está extremamente concentrado em Portugal. Temos mais de 90 % do nosso volume de negócios concentrado em Portugal, temos mais de 80% dos nossos activos no país. Queremos crescer. Cada sub-holding vai definir a sua estratégia de internacionalização de forma separada, não há um modelo comum. O que há é uma orientação estratégica do grupo, em que queremos atingir estes níveis de internacionalização. Há umas unidades que nos vão apresentar caminhos para ir mais depressa, noutros vão ter de explicar que é mais difícil. Desde que na soma consigamos, vamos discutir, aprovar e desafiar.
Que ideias tem?
Agora definimos estratégias corporativas, linhas de longo prazo. Como é que nós queremos ser daqui a quatro anos. Coisa muito distinta é como é que cada uma das sub-holdings se vai adaptar para fazer isso. Até agora, o que temos encontrado, é mais facilidade em expandir o não alimentar, sobretudo expandir com menos capital, porque começamos com formato dos centros comerciais. Não há investimento inicial no imobiliário, que é um investimento pesado na nossa área de retalho. E também já começamos com a Worten, como com a Sport Zone. No alimentar, reconhecemos que ou esperamos mais tempo e ganhamos dinheiro para uma aquisição de peso ou vamos para países que estão a começar na área do retalho e entramos como parceiros.
O que falta à Sonae para ser uma multinacional?
Dimensão e alargar o espaço da internacionalização
Que balanço faz da situação económica mundial?
Má. A pior que eu vi até agora.
Não se sente em contra-ciclo?
Não. Estou com planos de expansão de balanço. Sei que a Sonae não pode crescer meteoricamente. Vamos ter de fazer opções, fazer o plano de expansão previsto com menos capital, construindo menos lojas e mais devagar. De qualquer forma vou ter de fazer menos nos centros comerciais, porque não vou ter financiamento nos próximos tempos. E vou ter de libertar capital de outros sítios. Quer num cenário negativo ou positivo há sempre opções a fazer. O preço dos activos não varia só na venda, também varia na compra e o que interessa é a componente receptiva. As lojas que compramos em Espanha, há dois anos teriam custado uma fortuna.
A Sonae Sierra apostou sempre num modelo de negócio suportado na valorização do imobiliário. Se ele está a desvalorizar, qual é o futuro da Sonae Sierra? Isto é algo que preocupa os pequenos accionistas
Partindo desse pressuposto não tenho resposta possível. Mas o pressuposto está errado. O modelo de negócio da Sonae Sierra está em criar valor, não na valorização do mercado. E criou valor porque pegou em dinheiro e construiu uma coisa que gera cash-flow, que tem muito mais valor do que o dinheiro que lá pôs.
Gera mais valor devido á valorização dos imóveis
Não, não. Essa é que é a diferença fundamental. O valor dos activos depende de duas coisas: do cash-flow que gera e da taxa que o mercado usa para descontar cash-flows futuros e, portanto, dar um valor por aquilo. Imagine: a Sonae investe 50 milhões num centro – se as taxas de mercado não variarem, se calhar vende esse centro em dois anos por cem milhões e ganha 50 milhões; se as taxas variarem pode ganhar muito mais de 50 milhões, de uma forma positiva; se as taxas variarem [negativamente] pode ganhar muito pouco ou até perder – nunca aconteceu, mas pode acontecer.
Mas o negócio da Sonae Sierra existe independentemente das taxas, estas só ajudam ou desajudam. Criar valor é pegar num terreno, fazer lá um centro comercial que depois tem um negócio que vale dinheiro. E este ano, a desvalorização de activos teve uma coisa muito interessante e positiva: foi exclusivamente por variação de taxa de desconto. Ou seja, os avaliadores, a última vez que olharam para o negócio disseram ‘eh pá, isto como correu vai gerar mais dinheiro do que achava que ia gerar há um ano’. Estas são as várias componentes do valor da variação dos nossos activos. Essa parte subiu e subiu outra parte, porque os novos centros que abrimos, apesar da crise, também acrescentaram valor. Depois houve uma parte muito mais negativa que estas duas, daí o resultado final negativo: as taxas de desconto na Europa tiveram um comportamento muito negativo e subiram muito. Se o quisermos vender valem menos. Mas se ficarmos com ele, ele vai gerar mais cash do que gerava há um ano atrás. Esta é uma diferença fundamental.
Mas as rendas vão descer.
Não. A diferença entre as rendas e os custos do capex [investimento] vai subir, segundo os nossos avaliadores. Em 2008, as rendas ainda subiram bastante. Em 2009, não é muito liquido que as rendas vão subir ou descer. Isto não é muito directo, temos centros que estão a crescer… mas o valor líquido previsto por estes avaliadores vai continuar a crescer, não desceu. E a Sierra continua a pagar dividendos todos os anos.
Foi a Sonae Sierra que mais pesou nas contas da Sonae.
Só no resultado indirecto. Sei que na imprensa ninguém percebeu isso e questionou-se como é que se podia pagar dividendos. Mas os resultados indirectos não afectam em nada o cash disponível.
Talvez não estejam a saber passar a mensagem, porque os pequenos accionistas também não perceberam
Esses perceberam porque a acção subiu e os analistas também perceberam. Não houve nada de inesperado. Somos das poucas empresas que faz reflectir nas contas de exploração do ano a variação de valor que os avaliadores fazem das suas propriedades. Nós fazêmo-lo porque é muito comum nas empresas de centros comerciais na Europa. É uma opção nossa.
Num cenário de quebra de consumo, os centros comerciais vão continuar a dar?
O retalho não alimentar está a sofrer um bocado. Temos regras que temos intenção de cumprir com taxas de esforço por sector. Sabemos qual é o peso de renda sobre vendas que passa a ser difícil de suportar para os lojistas de sector a sector. E fazemos descontos de rendas não contratuais para manter isso. No sítio onde sofre mais, a Espanha, podemos ter um abaixamento de rendas. Temos também reduzido e feito poupanças significativas no custo de condomínio, mas temos muitos centros a crescer, assim como o mercado brasileiro. Os centros dominantes sofrem relativamente pouco.
A dificuldade de financiamento não vai prejudicar o crescimento nessa área? Vão abrir três centros, mas outros três ficam à espera de financiamento.
Nunca começamos a construir centros sem financiamento. Se não houver financiamento não há centro.
Mas se não houver novos centros também não há crescimento
Não haverá nessa área da Sonae Sierra.
Então por onde podem crescer mais?
O financiamento não vai acabar. E nós próprios geramos cash, embora tenha abrandado. Estamos a construir quatro centros com financiamento chave. E estamos com planos, realistas, para construir mais quatro com financiamento novo. O financiamento não foi todo embora: é mais caro, os projectos são menos alavancados. Temos expandido noutros, começamos a gerir mais centros e activos de outras pessoas. E temos esperança de que o crédito retome
Haverá uma retoma do financiamento em 2010?
Acabamos de fechar um financiamento, do Guimarães Shopping. E ainda vamos fechar mais. Mas não tenho ideia da velocidade da recuperação. No imobiliário novos financiamentos seguramente crescerão a ritmos mais baixos do que tínhamos previsto. Estamos a prestar mais serviços no desenvolvimento e a gerir mais propriedades de outras pessoas: um em Espanha, outro na Alemanha. E vamos procurar mais negócio sem ser a parte da construção do centro.
PRESTAR SERVIÇOS EM ANGOLA
Estudou a internacionalização para Angola?
Não. Estivemos há pouco tempo em Angola a estudar a possibilidade de prestar serviços a empresas angolanas. Mas nem no retalho, centros comerciais ou telecomunicações vemos oportunidades de investimento.
Porquê? Toda a gente vê oportunidades em Angola
Eu também, mas não nessas três áreas. As telecomunicações são um mercado regulado, ninguém pode entrar, não há licenças novas. Nos centros comerciais não há ainda lojistas para centros de alguma dimensão e é ainda um mercado de altíssimo risco e incerteza. A Sonae Sierra tem um perfil conservador relativamente aos mercados onde investe. Mesmo no Brasil, durante muito tempo tivemos, com o nosso parceiro, a regra de que o investimento de capital máximo fora da Europa não podia ultrapassar os 10%.
Assusta-o a corrupção em Angola?
Em todos os mercados emergentes vamos ter em consideração as boas práticas: se o sistema judicial funciona, se não somos corridos de um dia para o outro… Mas não estudámos Angola. Andámos a estudar a Roménia, a Turquia, Marrocos e nesses rankings que fizemos, e nos mundiais, Angola aparece muito mal. Se estivéssemos a estudar Angola, eventualmente iríamos ter essa dificuldade.
Portugal precisa de Angola, enquanto país?
Há muitos portugueses a fazerem bons negócios em Angola, noutros sectores que não os três que referi. Há muita gente contente, há muito dinheiro. Angola tem muito potencial, mas é necessário que se concretize.
Como vê a total ausência de regras em relação ao investimento angolano em Portugal?
Não se pode discriminar contra Angola, com regras especiais. É irrealista. Como é que se pode dizer, em mercado aberto, que o senhor A não pode vender ao senhor B, por causa da origem do seu dinheiro? Há um problema geral, que é o dos fundos soberanos, e de saber se é possível manter as regras de mercado perante uma tal influência política. Mas não me parece que a situação seja muito grave. Se houvesse uma preocupação sobre o volume total do investimento angolano, poder-se-ía impôr limites – muitos países já o fizeram.
O problema não é o volume, mas sim o facto de o capital angolano estar presente em empresas estratégicas como a Galp, o BPI, o BCP…
Não se pode proibir as pessoas de investirem em empresas. Não tenho visto nenhum centro de decisão em risco. O BPI não está em risco, o BCP também não. Não é uma questão que me preocupe.
“A SONAE VAI CRIAR MUITO EMPREGO”
Não está então à procura de novos negócios?
Em novos sectores, não. Mas dentro dos nossos sectores vamos inventar bastante.
Mais uma vez, faz parte do ADN da Sonae meter-se em novas áreas de negócio…
Esta orientação é importante – mas é a terceira, não é a primeira nem a segunda. E face à dimensão da Sonae já não pode ser essa a maneira de acrescentar valor. Fazíamos centenas de pequenos negócios, mas alguns não ultrapassavam os 20 milhões de euros. A Sonae factura 5,3 mil milhões. Para crescer 20% ao ano, temos de fazer coisas de dimensão, de nos internacionalizar. Temos que nos centrar nas nossas competências-chave. Somos uma empresa de retalho com duas grandes participações: a Sonae Sierra e a Sonaecom.
O que ganha com a fusão dos centros corporativos, na reestruturação que anunciou?
A fusão dos centros corporativos – as direcções jurídica, financeira, administrativa, recursos humanos, sistemas, comunicações – torna-nos mais retalhistas e menos diversificados. Desde que a Sonae ficou focada, há a sensação interna de que nos andamos a pisar uns aos outros, às vezes sem acrescentar valor. Com esta reestruturação, conseguimos fazer tudo sem precisar de mais pessoas.
Vão sobrar pessoas?
Sobrariam se não tivéssemos criado a área de gestão de investimentos e reestruturado os negócios da Sonae Distribuição em três. Assim, não sobra mesmo ninguém.
Garantiu que não iria despedir ninguém…
Nunca garanti isso! Mas sei que está escrito [nos jornais]. O que garanti é que no final do ano a Sonae vai ter mais pessoas que no início. Vamos aumentar o volume de emprego.
O que está a dizer é que vai empregar mais pessoas do que as que vai despedir?
Vamos aumentar o número de pessoas. Mas admito sempre cortar postos de trabalho. As reestruturações podem não encaixar toda a gente em todo o lado. E admito sempre despedir incompetentes. Nunca me ouvirão dizer que não vou despedir ninguém. A Sonae vai criar muito emprego.
Onde?
Sobretudo na Sonae Distribuição, com a abertura de novas lojas. E na logística. Um bocadinho também na Sonaecom.
CRISE DE MEIA-IDADE
Parece ter uma noção sobre para onde quer ir, mas não como lá chegar. Não se poderá dizer que a Sonae, aos 50 anos, está a atravessar uma crise de meia-idade?
Pode-se dizer qualquer coisa que se queira. O mundo é livre [Risos]. Mas raramente a Sonae esteve tão activa.
Aos 50 anos, a Sonae deixa entrar uma nova geração, mas parece um bocado parada…
Está precisamente na situação contrária. Nos últimos anos, a Sonae só divulgava as estratégias das empresas quando estavam feitas. Há muitos anos que não divulgava uma estratégia corporativa, como fez este ano. Temos orientações estratégicas que os negócios depois vão incorporar. Em 2012, vamos ser uma empresa muito diferente, com muito mais peso internacional, a gerir investimentos de natureza diferente… É o pontapé de arranque para um período diferente.
Aos 40 anos, lançou uma OPA sobre a PT que, independentemente do desfecho, constituiu um enorme desafio pessoal. De seguida chegou à liderança do maior grupo privado nacional não financeiro. Como é que vai continuar a motivar-se, a desafiar-se e a superar-se, se tiver uma carreira no mínimo tão longa como a do seu pai?
Nunca me senti tão motivado. Internacionalizar a Sonae, implementar uma estratégia de grupo, substituir o Nuno Jordão e o Álvaro Portela… é um desafio gigantesco.
A saída de dois históricos dá-lhe a oportunidade de formar o seu exército. Isso é importante, para um líder?
Não quero o meu exército. Não há melhor do que o Álvaro Portela e o Nuno Jordão. São colegas meus há 20 anos. Seriam a minha primeira, segunda, terceira e quarta escolha.
Pode concretizar a sua afirmação de que há abertura para estilos de investimento?
Em alguns sectores, só procuramos oportunidades quando temos todas as competências para o fazer. Quero que o grupo procure áreas onde as nossas competências, juntamente com competências de outras empresas, abram oportunidades. Até agora, fizemos isso de forma reactiva, quando vinham ter connosco. Mas numa altura em que não há muito capital, é bom estarmos abertos a isso. Temos competências-chave que outras empresas avaliam muito bem. É pena não estarmos a olhar para todas as possibilidades de criar valor. E muitas vezes, em mercados onde é muito difícil chegar.
Durante muito tempo, Belmiro de Azevedo disse que não se metia em negócios sem o controlo da gestão. Há um restyling do homem Sonae?
O meu pai disse isso em relação a vários sectores, e nós também dizemos. Uma parceria minoritária na Distribuição, em Portugal, não faz sentido. O que sabemos é gerir. Nas telecomunicações, sempre dissemos que estamos abertos a parcerias. Nos relatórios da Sonae, diz-se que a empresa é sempre, no mínimo, candidata a líder regional, mas nas telecomunicações não temos um caminho que não passe por parcerias para chegar aí.
Põe a hipótese de entregar a Sonaecom à Zon?
Entregar!?
Entre aspas…
Nem entre aspas [risos]. Não há nada de novo, mas estamos disponíveis para ser minoritários, como todos os outros.
Houve soluções desenhadas a três, com capital angolano?
Que eu saiba, não. De vez em quando fala-se, nos jornais, de negociações com a Zon de capitais angolanos, mas nunca ninguém me falou nisso.
O FUTURO DO PÚBLICO
O Público é a única empresa que ainda dá prejuízo, dentro da Sonaecom.
É verdade.
E vai deixá-lo lá?
O prejuízo, não [risos]. A equipa está muito empenhada em dar uma volta importante, mas tenho que reconhecer que ainda não temos as soluções e que o cenário é cada vez mais difícil.
Quando assumiu que o Público era quase um serviço público, disse também que não poderia continuar a pedir aos accionistas que suportassem algo que nunca deu lucro. Vai assumir que é filantropia e passá-lo para a Fundação?
Não há nenhum plano para sair da Sonaecom. Estamos muito preocupados com o prejuízo do Público e não pode ser todo elevado a filantropia. Fizemos uma operação de reestruturação muito grande, com uma grande redução de custos e infelizmente o resultado melhorou muito pouco, porque as receitas diminuíram muito. Se não a tivéssemos feito, teria sido muito mau pois estaríamos com prejuízos muitíssimo maiores, mas não resolveu o essencial do problema. Estamos obviamente preocupados.
Está mesmo a ser estudada a hipótese de acabar com a edição em papel, em alguns dias da semana, ficando só com a Internet?
Estamos numa fase de brain storming, que não conheço bem. Mas sei que envolve alguns cenários bastante radicais. É normal que no início de um processo de reflexão, onde se quer mudanças profundas, se equacionem mudanças muito radicais. Seria muito errado concluir disso que se está a equacionar deixar de publicar o jornal.
O novo diário do grupo Lena assusta-o?
Em termos de negócio, o Público tem uma dimensão muito pequena. Tenho muito pouco conhecimento, mesmo nas questões do negócio. Sei que há esse diário em preparação, não sei se tem impacto ou não. Não é um negócio que seja muito discutido [na holding].
Foi chamado a participar, no projecto do Martim Avillez Figueiredo, ex-director de comunicação da Sonae [director do futuro diário]?
Nem sequer conheço o Grupo Lena. O Martim não me perguntou nada.
“ELES ANDAM PICADOS”
Dois anos depois do desfecho da OPA, o que é que vê quando olha para a PT? De bom e de mau?
Não vou comentar os meus concorrentes. Nem a PT, nem a Jerónimo Martins, nem o Jumbo. Perdi [na OPA], não tenho nada a ver com a empresa. É um concorrente como outro qualquer.
Mas agora dá graças a Deus por não a ter comprado?
Não. Tenho muita pena de não ter comprado. Dou graças a Deus por não ter ouvido toda a gente que me aconselhou a subir o preço.
Era uma questão de preço?
Toda a gente me dizia isso. É um exemplo da perda de noção dos mercados. Era quase insultado pelos meus accionistas – os investidores e os hedge funds que entraram – por não subir o preço. Cada vez que a cotação subia, obviamente que estava a pagar pouco, não sabia avaliar as coisas. Explicava que o mercado estava a sobreavaliar os activos, que a Sonae não paga coisas que não se pagam a elas próprias, que quando compramos não é para vender… Fui um bocadinho maltratado.
Disse ao Jornal de Negócios que se sentia muito contente por não ter subido o preço…
Porque não valia. Naqueles momentos a pressão é muito grande. Todos acham que podem ganhar muito dinheiro: entram e saem, aquilo dispara a bolsa, ganham um dinheirão, vão embora e acham os gestores uns incompetentes se não seguirem o que eles acham sobre o mercado no dia-a-dia. E para quem não tem um accionista de controlo, a pressão deve ser intolerável. Têm mesmo que fazer o que os mercados mandam, o que no longo prazo tem muito pouco sentido. Não sei se teria conseguido não o fazer, se não tivesse esse apoio. Nunca vi uma coisa assim. Qualquer pessoa que acredite que isso é um sistema eficiente para as empresas, está muito, muito enganada.
Não acabou por ser uma sorte? Estaria a braços com uma enorme dívida, sem encontrar compradores para os activos da PT.
Tínhamos a obrigação de vender. O risco era o da desvalorização dos activos durante o período da venda [fixado pela Autoridade da Concorrência em 6 meses]. Se calhar tinha desvalorizado uns 10%, o que não teria sido dramático. Não gostamos de vender barato, mas se não vendêssemos dentro do prazo, venderia a AdC, sem nos perguntar nada.
A cisão da PTM [actual Zon] cumpriu o pretendido?
Aumentou a concorrência, mas acho que esse objectivo não está muito assegurado. A base de accionistas continua muito parecida [com a da PT]. É um cenário que rapidamente pode reverter PARA o que era, para o fim da concorrência através de uns acordos tácitos entre as mesmas pessoas. O lado esquerdo e direito do cérebro podem deixar de concorrer. Neste momento há muita concorrência no mercado. Estão um bocadinho picados.
O ministro Mário Lino veio a público defender que a PT deve dar o exemplo e baixar os salários dos gestores. É mais uma confusão entre os papéis de accionista, regulador e legislador do Governo?
Há confusão nessa área e isso leva a situações dessas, que não são normais.
Só tem isso a dizer [risos]?
O que querem que diga mais?
“MENOS NEGÓCIO, MENOS SALÁRIO”
A Sonae vai congelar salários…
Foi que saiu [nos jornais] mas não. Nos quadros, há uma percentagem significativa que não tem aumentos, e o aumento médio é muito pequeno. Nos salários mais baixos, temos uma subida média de quase 3 por cento.
Sobem o ordenado do caixa do hipermercado mas reduzem o do gestor?
Descer não, mas subimos muito menos.
E nos prémios? Há cortes?
É automático. Depende dos objectivos. A generalidade das empresas cumpriu os objectivos. Na Sonaecom e na Distribuição, há prémios muito próximos dos 100%. Na Sierra, são significativamente abaixo disso.
Admite cortes nos salários de topo, como ferramenta de gestão face à crise?
Temos uma política salarial muito ligada ao mercado, mas temos a reputação de sermos menos dados a grandes salários que o mercado em geral. Se o mercado baixar muito, também baixaremos, mas não creio que isso aconteça. Eu próprio tenho um prémio inferior ao do ano passado, mas isso tem a ver com a performance das empresas. A parte variável, nos gestores, tem um peso muito grande. Se há menos negócio, há menos salário.
Sente-se mais pobre, agora que o seu pai foi tirado da lista dos mais ricos da Forbes?
Não, acho que nem ele, quanto mais eu. Ele nunca ligou a essas listas. Nem sei se ele sabe. Acho que não lê a Forbes.
“RESPONSABILIZAR QUEM FEZ COISAS INACEITÁVEIS”
A Sonae foi eleita como sendo a melhor escola de líderes. Como líder dos líderes, que conselhos daria aos empresários neste contexto de crise?
Estamos a dar especial atenção à preservação de cash, e a garantir a estrutura de financiamento no médio e longo prazo. Não se pode arriscar o futuro das empresas, não as pondo em situações de financiamento difíceis. Tendo isso assegurado, é preciso ter coragem. Nos momentos em que não há muitas certezas externas sobre o futuro, têm que se tomar opções com impacto no valor futuro da empresa. Pode-se ficar dentro ou fora das grandes oportunidades. É uma altura em que é preciso muita coragem para decidir.
Precisamos de um novo paradigma, na sequência desta crise financeira?
Acredito muito em sociedades liberais, com sentido da responsabilidade individual. Mas a regulação é um factor muito importante, que falhou em vários aspectos. Em Portugal até foi mais o caso da supervisão…
O Banco de Portugal teve uma “atitude sonolenta” em relação ao sistema bancário nacional?
Aconteceu muita coisa que não deveria ter acontecido. Há falhas de supervisão. Suponho que uma parte delas será da competência do Banco de Portugal. Tem que se responsabilizar quem fez coisas inaceitáveis. Não a classe toda, mas aqueles senhores. Sou a favor de boa regulação e supervisão. Mas espero que não resulte num regredir de ideias em relação à liberdade individual e à responsabilidade dos gestores e empresários, que são os pilares base da criação de riqueza nas sociedades modernas. Não sou de todo daqueles que advogam sistemas neo-liberais, não reguláveis. Não se resolve nada assim.
O que é que mudou na sua vida, depois de assumir este cargo?
Tive que me adaptar a um trabalho menos executivo. Na Sonaecom, o meu problema era como fazer um quinto das coisas todas que tinha de fazer. Aqui, tive de definir o meu trabalho. As empresas são autónomas, independentes e competentes. A primeira tarefa foi definir o que posso fazer para ajudar estas empresas a terem um desempenho melhor. Ao princípio, foi um bocadinho um choque sair daquele stress diário a que estava habituado há muitos anos, porque eu era um CEO bastante executivo. Nos últimos dois anos, fui menos executivo, mas tinha a OPA, que era uma coisa do dia-a-dia. Depois disso, do que tenho gostado mais é do desafio intelectual, de perceber e de liderar pessoas tão diferentes, tão seniores e com tanto valor em negócios tão diferentes. Uma coisa de que sentia falta, no sítio onde estava, que era muito operacional, é que de vez em quando apetecia-me estudar. Faltava-me o desafio intelectual.
Tem mais tempo para pensar, neste cargo?
O tempo foi-se, entretanto, porque tomei as decisões, definimos os caminhos, e já não tenho tempo outra vez. Mas dedico o meu tempo a coisas com mais desafio intelectual. Quando as funções são executivas, há muitas decisões que não são difíceis – é preciso é tomar muitas. Aqui não. Na maior parte das vezes, a primeira coisa a fazer é pensar quem são as pessoas com quem tenho que decidir algo, enquadrar o problema, obter a informação, as opiniões válidas, etc. O desafio de se chegar à decisão certa é mais difícil.
Acaba por sentir menos pressão?
É uma pressão diferente. A responsabilidade é muito grande e neste momento sinto muita pressão. A responsabilidade de substituir [Portela e Jordão] daqui a um ano, de pôr a equipa à altura, é muito grande. E a organização do grupo é completamente diferente. Tudo tem que acontecer durante um ano. Está lá o boneco de como isto vai ser, mas é muito trabalho. Nessa parte, vou voltar um bocadinho ao trabalho executivo.