Ninguém ganha sozinho. Nem mesmo num desporto em que o atleta inicia, de manhã, uma série de combates contra meia dúzia de oponentes e acaba o dia com o corpo cheio de mazelas. As feridas são dele, como também foram todas as decisões e movimentos que fez durante a prova. Mas para chegar a esse ponto foram precisos muitos anos de esforço, de apuramento de técnica, de orientação para se alcançar os melhores resultados. Há uma verdade inegável: nenhum atleta, por mais talentoso e forte que seja, ganha sem ter um grande treinador. Felizmente, como se viu em Tóquio, Jorge Fonseca tem – sempre teve – Pedro Soares ao seu lado. Em todos os momentos, desde o primeiro treino, há 14 anos, numa escola da Damaia, até ao instante decisivo para a conquista da medalha de bronze: aqueles 20 minutos de intervalo em que ajudou o judoca a superar a desilusão por ter perdido a meia-final. Primeiro, deu-lhes dois gritos, ainda junto ao tatami, para o fazer acordar. Depois, conduziu-o para os bastidores, com determinação, mas também com a cumplicidade que caracteriza a relação forte entre treinador e atleta. Não sabemos o que Pedro Soares terá dito nesses momentos a Jorge Fonseca. Sabemos, isso sim, que o judoca saiu para o último duelo com a motivação e a combatividade necessárias para lutar pela única medalha que restava para poder entrar na história de Tóquio 2020 e do desporto português.
Após ganhar a medalha, Jorge Fonseca foi lesto – e justo – a reconhecer a importância que o seu treinador teve nesse momento. Na forma como o soube remotivar, apesar de ter perdido o ouro que ambicionava. Mas também se percebeu o mesmo “dedo” do treinador quando, logo a seguir, o próprio judoca anunciou que não se sentia realizado com o bronze de Tóquio, e que já sonha com o ouro em Paris, daqui a três anos. É exatamente isso que fazem os bons treinadores quando têm a fortuna de treinar atletas talentosos e perseverantes: não adormecem nos momentos de glória, aproveitam-nos antes para traçar novos e mais ambiciosos objetivos.
A história do desporto e dos Jogos Olímpicos em particular está repleta de duplas assim: ganhadoras e persistentes. Algumas delas iniciadas também logo no primeiros momentos de vida desportiva dos atletas. Michael Phelps, por exemplo, foi sempre treinado, desde os 10 anos, por Bob Bowman. E Glen Mills transformou Usain Bolt, ao longo de anos, numa “máquina” dos 100 e dos 200 metros. A sintonia prolongada entre atleta e treinador tem sido também decisiva para algumas das mais belas páginas do desporto nacional. Basta enumerar algumas duplas: Rosa Mota e José Pedrosa, Nelson Évora e João Ganço, Patrícia Mamona e José Uva, Fernando Pimenta e Hélio Lucas.
Pedro Soares, é preciso não o esquecer, foi também um atleta talentoso, um dos melhores judocas de sempre em Portugal. Nos anos 90 e início deste século, ele também conquistou títulos europeus e partiu para dois Jogos Olímpicos com o sonho de medalhas. Não os conseguiu concretizar, mas não por falta de empenho ou de espírito combativo. A verdade é que soube transportar esses mesmos sonhos para o miúdo que começou a treinar, quase por acaso, há década e meia, na Damaia.
Os Jogos de Paris 2024 estão, em termos de calendarização desportiva, já ali ao virar da esquina. E esta dupla, inteligentemente, já os começou a preparar – ainda sem ter acabado a festa em Tóquio.