No dia 2 de dezembro de 2010, Joseph Blatter, então presidente da FIFA, anunciava o primeiro Campeonato do Mundo de futebol no Médio Oriente. Anfitrião: o pequeno estado do Qatar (não chega ao tamanho de Trás-os-Montes e Alto Douro), governado pela família real Thani. Apaixonado por desporto e impulsionador da organização de eventos globais como fator de projeção do país no mundo, Tamin bin Hamad Al Thani, à época príncipe herdeiro, foi o cérebro da candidatura vitoriosa (superou, entre outras, a dos Estados Unidos da América). Em 2013, o pai renunciou ao trono para lhe passar o testemunho. Eis um retrato do emir do Qatar.
Educado em Inglaterra
Quarto filho do xeque Hamad bin Khalifa Al Thani, nascido a 3 junho de 1980 (42 anos), em Doha, Tamin bin Hamad foi educado em Inglaterra, onde completou os estudos na Real Academia Militar de Sandhurst, na periferia de Londres, a mesma que já tinha acolhido o seu pai – o Qatar foi um protetorado do Reino Unido desde a Primeira Guerra Mundial até se tornar independente, em 1971. Finalizados os estudos, ele passou a integrar as Forças Armadas do Qatar, com o posto de segundo tenente.
A renúncia do irmão
Tamin bin Hamad tornou-se príncipe herdeiro após o seu irmão mais velho Jasim ter renunciado ao trono, em 2003. Ao assumir essa responsabilidade, ascendeu de imediato na hierarquia das Forças Armadas, passando a vice-comandante. Seis anos mais tarde, em 2009, chegaria a comandante supremo.
Emir aos 33 anos
Em 2013, o pai abdicou do trono a seu favor, quebrando a tradição de permanência no poder até à data da morte. A decisão do monarca de 61 anos foi comunicada ao país através da televisão. “Tenho a certeza absoluta de que ele vai estar à altura da responsabilidade”, disse o xeque Hamad, sobre o filho sucessor, no momento de lhe entregar os destinos do país. Hamad governou durante 18 anos e passou o testemunho a Tamim quando este tinha apenas 33 anos. “Os nossos jovens provaram em anos recentes que são pessoas resolutas, que compreendem o espírito da época e participam nele”, justificou.
Três casamentos e 13 filhos
O emir do Qatar casou pela primeira vez em 2005, com a xeica Jawaher bint Hamad bin Suhaim Al Thani, sua prima afastada. Desta união resultaram quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, entre 2006 e 2012. Do segundo casamento, em 2009, com a xeica Al-Anoud bint Mana Al Hajri, nasceram cinco filhos, três raparigas e dois rapazes, entre 2010 e 2018. E do terceiro matrimónio, com a xeica Noora bint Hathal Al Dosari, em 2014, existem mais quatro filhos, três rapazes e uma rapariga, nascidos entre 2015 e 2020. No total, três esposas e 13 filhos.
Aposta no desporto
O entusiasmo do xeque Tamin por desporto levou várias provas para Doha. Os Jogos Asiáticos de 2006 contaram, pela primeira vez, com todos os países asiáticos e valeram-lhe o prémio de melhor personalidade desportiva do ano no mundo árabe, atribuído por um jornal egípcio – a competição continental voltará a realizar-se no Qatar em 2030. Em 2014, a capital do país recebeu os Campeonatos do Mundo de Natação, em piscina de 25 metros; em 2019, acolheu a primeira edição dos Jogos Mundiais de Praia; em 2021, foi palco de um Grande Prémio de Fórmula 1 e receberá, novamente, a prova-rainha do automobilismo em 2023.
Entre 2000 e 2015, Tamin presidiu ao Comité Olímpico do Qatar, assumindo-se desde então como líder do Comité Executivo da mesma instituição. Em representação do seu país, é também membro do Comité Olímpico Internacional desde 2002.
Noutro plano, adquiriu em 2011 o clube francês Paris Saint-Germain e, este ano, comprou cerca de 21% da SAD do Sporting de Braga, sempre através do fundo estatal para o desporto, lazer e entretenimento – que ele próprio criou em 2005. A organização do Mundial de futebol é o expoente máximo desta ligação aos acontecimentos desportivos.
“O nosso interesse no futebol vem da plena convicção de que o desporto representa um dos melhores meios para a promoção e avanço do homem, considerado o pilar e a fundação de qualquer progresso a nível nacional e internacional”, afirmou, em 2004, na abertura de um congresso da FIFA, que Doha acolheu, acrescentando que o futebol era o desporto mais popular no Qatar.
Medida inédita e uma mulher no governo
Além de novas infraestruturas construídas à boleia do Mundial 2022, como estradas, ligações de metro e um aeroporto, a principal novidade do seu legado, até agora, será a mudança de estatuto do ministro dos Negócios Estrangeiros. Antes, o cargo só podia ser ocupado por membros da família real (os Al Thani governam esta península do Golfo Pérsico desde o século XIX), o que mudou com a chegada ao poder do atual emir do Qatar. Também inesperada foi a nomeação de uma mulher para o governo, no caso a ministra das Comunicações e Tecnologia da Informação, apenas a terceira mulher a integrar um executivo qatari.
Evolução nas leis laborais
Pressionado por ONG internacionais, e pelo impacto mediático da organização do Campeonato do Mundo de futebol, o xeque Tamin deu luz verde a algumas alterações na legislação laboral consideradas importantes, ainda que insuficientes, pela Amnistia Internacional (AI) e pela Organização Internacional do Trabalho. Em 2017, aprovou, pela primeira vez, um limite máximo de horas de trabalho diário (dez), a obrigação de uma folga semanal e três semanas de férias pagas por ano. Segundo um relatório da AI em 2014, havia trabalhadores a fazer até 100 horas por semana, sem direito a dias de descanso.
Um ano mais tarde, em 2018, verificou-se outra mudança positiva para os trabalhadores: os migrantes deixaram de ter de pedir permissão aos patrões para saírem do país. Desde 2020, também já não precisam do aval do empregador (por escrito) para procurarem outro trabalho antes do termo do contrato. E, no ano passado, foi instituído o salário mínimo. Isto não significa, nem de perto nem de longe, que a exploração dos trabalhadores tenha mudado da noite para o dia, até porque a proteção legal contra os abusos é escassa, como já foi denunciado pela AI.
O Glorioso próximo do Ocidente
Designado como O Glorioso, já reuniu com Emmanuel Macron e com Joe Biden, mantendo boas relações, inclusive comerciais, com a França e os Estados Unidos da América. É visto como alguém próximo do Ocidente. Também se tinha encontrado pessoalmente com François Hollande e Donald Trump, os antecessores de Macron e Biden, assim como visitou a ex-chanceler alemã Angela Merkel em Berlim, em 2014. Mais recentemente, no passado mês de setembro, marcou presença no funeral da rainha de Inglaterra, Isabel II, acompanhado da sua primeira esposa, a xeica Jawaher.