Na primeira vez que um ciclista masculino português participa numa prova de pista nos Jogos Olímpicos, a sua estreia é abençoada com uma medalha de ouro em Paris 2024. Terá sido sorte de principiante? Nada disso, a prata ganha por Iúri Leitão, aos 26 anos, na prova de Omnium, é a mais cabal demonstração de que a glória olímpica só tem, atualmente, uma forma de ser conquistada: através da integração, desde cedo, do talento num forte e consistente trabalho de equipa, num espaço com infraestruturas adequadas, que proporcione um clima de grande competitividade interna, dirigido de forma competente e focada nos objetivos mais importantes.
Para perceber como nasceu a 30.ª medalha de Portugal em Jogos Olímpicos, numa competição que exigiu a Iúri Leitão superar-se num conjunto de quatro provas em cerca de três horas, é preciso recuar a setembro de 2009, quando o histórico e saudoso Alves Barbosa inaugurou, simbolicamente com uma volta de bicicleta, o Velódromo Nacional, acabado de construir em Sangalhos, no concelho de Anadia.
Essa pista coberta de 250 metros, que continua a ser a única em Portugal e que permite que os ciclistas treinem e compitam nas mesmas condições que encontraram agora nos Jogos Olímpicos, é um dos pilares do Centro de Alto Rendimento do Ciclismo que, entretanto, ganhou também a companhia da pista olímpica de BMX e, ali bem perto, da pista permanente de BTT (XCO), na Curia. Essas infraestruturas permitiram desenvolver uma equipa de ciclismo de pista, então inexistente em Portugal, e, mais importante ainda, criar na Anadia um polo dinamizador daquele desporto em todas as suas vertentes, estabilizando um trabalho com técnicos de grande qualidade, num ambiente propício à progressão dos atletas, semelhante ao que se encontra nos países em que o alto rendimento é encarado com responsabilidade e como uma prioridade.
Porventura, muitos portugueses só conheceram o nome de Iúri Leitão quando foram surpreendidos com a conquista da medalha de prata olímpica. Alguns, mais conhecedores, se calhar só se lembravam de ver o seu nome referido, embora sem grande destaque, nas tabelas classificativas de algumas provas de estrada. A verdade é que antes de se tornar vice-campeão olímpico, o ciclista natural de Viana do Castelo já se tinha sagrado, na pista, campeão europeu de Scratch em 2020, 2022 e 2024. E, na mesma categoria de Paris 2024, em Omnium, sagrou-se campeão mundial no ano passado.
Só que Iúri Leitão não é um caso isolado, mas antes uma das principais bandeiras – especialmente a partir de agora – da revolução operada no ciclismo português na última década e meia, sob a liderança do presidente da federação Delmino Pereira, e do selecionador nacional de ciclismo de pista, Gabriel Mendes: mais de 60 medalhas conquistadas em competições internacionais. E o surgimento de uma série de atletas que merecem ver os seus nomes em destaque, por tudo o que já alcançaram: Rui Oliveira, Maria Martins, António Morgado, Diogo Narciso, Patrícia Duarte, Bernardo Vieira e tantos outros que, nos últimos anos, perante a indiferença quase geral, têm subido aos pódios de campeonatos do Mundo e da Europa.
A medalha de prata agora conquistada por Iúri Leitão vai permitir, a partir de agora, dar a visibilidade merecida a uma vertente de ciclismo que ainda é relativamente desconhecida em Portugal. Mas é, acima de tudo, a demonstração de como o trabalho bem feito, de forma persistente e com excelência técnica, conduz a resultados que, em Portugal, continuam a ser raros. Iúri Leitão ganhou uma histórica medalha de prata olímpica, mas o caminho que está a ser trilhado no ciclismo português ambiciona a um futuro dourado.