Já vários jogadores da Seleção portugesa de andebol o admitiram: até há bem pouco tempo, a qualificação para os Jogos Olímpicos não era sequer tema de conversa no balneário, mas isso mudou com o histórico apuramento para Tóquio 2020 (adiado para 2021 devido à pandemia da Covid-19). Desde então, o assunto tornou-se recorrente entre os convocados de Paulo Jorge Pereira, com o próprio selecionador a assumir que o grande objetivo no Campeonato da Europa, a decorrer na Alemanha até 28 de janeiro, é conseguir o acesso à última e decisiva fase de qualificação olímpica, o chamado torneio pré-olímpico, a disputar em março – e do qual Portugal saiu com êxito há três anos, após um triunfo tangencial sobre a França, alcançado nos últimos segundos e que acabaria por deixar a Croácia de fora.
A vitória de ontem sobre a Noruega (37-32), no arranque da fase principal do Europeu, mantém a Seleção das quinas na direção certa para os Jogos de Paris 2024. Até lá chegar, porém, há uma espécie de labirinto a ultrapassar: o sistema de apuramento é tão complexo que os jogadores e a própria federação têm sentido dificuldades em decifrá-lo. Ninguém sabe – porque não é possível saber ao dia de hoje – qual a classificação a obter no Euro para se marcar presença no pré-olímpico. E é também por isso que, mais do que nunca, como tem sido transmitido por toda a equipa, importa pensar num jogo de cada vez e deixar as contas para o fim.
Do que não restam dúvidas é que o categórico triunfo desta quarta-feira, frente aos noruegueses, construído através de uma das melhores exibições coletivas da Seleção nacional nos grandes palcos da modalidade (com Pedro Portela e Martim Costa em destaque, mas bem secundados por Rui Silva, Leonel Fernandes e Kiko Costa, a que se juntaram os dois esteios defensivos Salvador Salvador e Alexandre Cavalcanti e, também, os guarda-redes Diogo Rêma e Gustavo Capdeville), veio dar ainda mais força ao desejo de atingir a segunda participação em Jogos Olímpicos.
Com exceção do hóquei em patins nos Jogos de Barcelona 1992, enquanto modalidade experimental, e das quatro presenças do futebol (1928, 1996, 2004 e 2016, sempre com regras restritivas quanto ao profissionalismo ou à idade dos jogadores), nunca uma modalidade coletiva tinha levado a bandeira de Portugal ao maior acontecimento desportivo do planeta.
Afinal, qual é o caminho até Paris 2024?
A segunda vez do andebol está agora a menos um passo de distância. O próximo é mesmo continuar a somar pontos na fase principal do Euro 2024, na qual Portugal irá ainda defrontar Eslovénia (sexta, 19), Suécia (domingo, 21) e Países Baixos (terça, 23). A competição reserva uma vaga que dá acesso direto aos Jogos e outras duas para o tal torneio pré-olímpico, mas é neste ponto que entram muitas variáveis a considerar.
Abrimos um parêntesis para referir que a França, na qualidade de anfitriã olímpica, e a Dinamarca, enquanto campeã mundial, já têm assegurados os seus lugares entre as 12 seleções que vão discutir as medalhas em Paris, assim como o Japão (campeão asiático) e a Argentina (campeã americana). Da mesma forma, o campeão da Europa e o campeão de África – onde também decorre neste momento a prova continental – terão presença garantida entre os 12 finalistas olímpicos. Ou seja, metade das seleções apuradas ficarão definidas dentro de poucos dias.
As restantes seis vão ser conhecidas através do torneio pré-olímpico, a disputar de 14 a 17 de março. Quem participa? Doze seleções de vários continentes, que serão divididas em três grupos de quatro, qualificando-se para Paris as duas melhores de cada grupo.
No panorama europeu, há cinco seleções com presença já assegurada neste torneio de qualificação, por via da sua classificação final do Mundial de 2023: Espanha, Suécia, Alemanha, Noruega e Hungria. Haverá espaço para mais duas, as tais que serão definidas neste Euro 2024. As vagas estão reservadas para as duas melhores seleções da prova, excluindo todas estas que já foram mencionadas. Além da Espanha, eliminada do Europeu logo na primeira fase, quer isto dizer que Portugal não terá de preocupar-se com a classificação final de França, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Noruega ou Hungria. As suas rivais na corrida olímpica são, assim, a Eslovénia, os Países Baixos, a Croácia, a Áustria e a Islândia, todas ainda em competição. As duas melhores deste lote, onde Portugal se inclui, estarão no pré-olímpico.
Estas duas vagas poderão, no entanto, transformar-se em três. Imagine-se que a Dinamarca ou a França, as duas principais favoritas, ganha o Europeu. Uma vez que estão ambas apuradas para os Jogos, seria outra seleção – a melhor classificada imediatamente a seguir – a ocupar a vaga de acesso direito destinada ao Velho Continente. Agora, imagine-se que a Suécia, atual campeã europeia, ou a anfitriã Alemanha conquista o acesso direto aos Jogos. Tal cenário iria abrir uma terceira vaga para o torneio pré-olímpico. Quem a ocuparia? A Croácia, em virtude do nono lugar alcançado no Mundial. E assim sendo Portugal já não teria de preocupar-se com a classificação dos croatas no Europeu.
Se ainda resiste neste labirinto, caro leitor, respire fundo porque ainda não acabou. Imagine-se, agora, que o Egito conquista a vaga de acesso direto aos Jogos destinada ao continente africano, até porque é o grande favorito. Isso tornaria a tarefa de Portugal mais acessível. Isto porque, nesse cenário, os egípcios cederiam a vaga que têm no pré-olímpico à Eslovénia – a seleção que se segue na hierarquia do Mundial do ano passado -, o que resumiria a luta pelas duas vagas europeias no pré-olímpico a Portugal, Países Baixos, Áustria e Islândia.
Perante este labirinto olímpico, não admira que os jogadores prefiram focar num adversário de cada vez e deixar as contas sobre Paris 2024 adiadas por mais uns dias.