Duas semanas antes de ter sido constituído arguido na operação “El Dourado”, por suspeitas de tráfico de seres humanos, relacionadas com a academia de futebol “Bsports”, Mário Costa, ex-presidente da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol, enviou um email ao administrador de insolvência da “Moura Atlantic, Sociedade de Construções”, atualmente propriedade de Fábio Augusto Moura, um empresário brasileiro que, em 2020, comprou a empresa – designada, durante 16 anos, por Britalar – a António Salvador, presidente do Sp. Braga
No email de 30 de maio – transcrito por Nuno Oliveira da Silva num relatório do processo de falência, a que a VISÃO teve acesso – Mário Costa apresentou-se como “consultor financeiro da empresa Moura Atlantic”, solicitando o “agendamento de uma reunião por videoconferência” sobre o processo de insolvência, declarado encerrado a 22 de maio deste ano pelo Tribunal de Famalicão, declarando a falência da sociedade.
Nuno Oliveira da Silva sublinhou que, “quando questionado” para esclarecer a “razão do pedido de reunião por sua parte, bem como os assuntos que pretende ver abordados, para que se possa ajuizar da (in)conveniência da mesma”, Mário Costa não respondeu.
António Salvador, Mário Costa e Fábio Moura são três nomes que surgem interligados numa sequência de empresas, algumas das quais terminam na “Bsports” e no caso de tráfico de jovens jogadores de futebol.
Em 2020, e já em falência técnica, Fábio Moura foi o empresário que apareceu a salvar António Salvador, comprando-lhe a “Britalar” e, ao mesmo tempo, mudando-lhe o nome para “Moura Atlantic”. Um negócio assinalado com estranheza pelo administrador de insolvência: “Não vislumbramos grande racionalidade económica no mesmo, pelo menos para uma das partes envolvidas, dado estar em causa a aquisição de acções de uma sociedade que se encontra numa situação de falência técnica”. “Perante a estranheza deste negócio, é natural que se fique a pensar sobre o seu objectivo último e, se a isto, adicionarmos a aparente ausência de Fábio Augusto Moura da vida corrente da sociedade insolvente, então as especulações podem seguir outros caminhos”, acrescentou Nuno Oliveira Silva
Por sua vez, o pai de Mário Costa foi, durante vários anos, gerente da sociedade “Essential Belive” sócia da “Enjoy Opportuniy” de António Salvador na “Solid Virtuosity Sports Consulting”, gerida por Diogo Silva Rodrigues, filho do presidente do Sp. Braga. Há duas semanas, em declarações à TVI, António Salvador referiu que a “Solid Virtuosity Sports Consulting não chegou a iniciar a atividade, razão pela qual o meu filho, Diogo Rodrigues (enquanto representante legal da Enjoy Oppurtunity) renunciou à gerência da mesma em marços de 2018”.
Só que, em 2021, a “Essential Belive” mudou o nome para Trivial Star, passando Fábio Augusto Moura, o mesmo dono da “Moura Atlantic”, a figurar como administrador único.
O próprio administrador de insolvência da “Moura Atlantic” fez questão de salientar que as “atuais ligações do acionista e administrador único da sociedade”, Fábio Moura, “ao ‘mundo do futebol’ em nada ajudam a credibilizar a sociedade insolvente”. E detalha: “Através de uma teia de participações sociais em várias sociedades, consegue-se associar o nome de Fábio Augusto Moura à sociedade que será a proprietária da ‘Academia de Futebol BSports”, arrastando-se assim o nome da sociedade insolvente para um escândalo recente, que envolve suspeitas de tráfico humano”.
“Apura-se que Fábio Augusto Moura é administrador único da sociedade “ESSENTIALBELIEVE, S.A.” (cuja atual denominação é “Trivial Star, S.A.”), com o NIF 509453848, sociedade que detém uma participação de 97% no capital social da sociedade “Protagonista Versátil, Lda”, com o NIF 515352128, que, por sua vez, detém a totalidade do capital social da sociedade “Prodígio Fenomenal, Unipessoal, Lda”, com o NIF 515311448, e que, de acordo com as notícias, será a proprietária da “Academia BSports”, descreveu Nuno Oliveira da Silva.
E mais: o administrador de insolvência acrescentou ter sido possível “verificar que algumas das empresas que fariam/fazem parte do grupo Believe” de Mário Costa “passaram também a ter como administrador único Fábio Augusto Moura”, ou seja o mesmo dono/administrador da “Moura Atlântico”, ex-Britalar.
Um caso, no qual, continuou o administrador de insolvência, “um dos principais suspeitos é Mário Costa, o auto-intitulado consultor financeiro da sociedade insolvente e autor de vários dos seus planos de revitalização”.
Desde 2016 que a Britalar avançou com sucessivos Planos Especiais de Revitalização (PER), procurando evitar a falência. Em março de 2020, a empresa foi vendida ao empresário brasileiro Fábio Augusto Moura que mudou a designação para “Moura Atlantic, Sociedade de Construções”. Atualmente, a empresa tem na sua estrutura acionista Fábio Moura e a “Energy Clean, Representação Comercial, Ltda”, uma sociedade brasileira, cujo objeto social a descreve como tendo atividade principal o “agenciamento de profissionais para atividades desportivas, culturais e artísticas” e é detida pelo próprio Fábio Moura. A “Moura Atlantic” tem, atualmente, cerca de 90 credores, entre bancos, empresas e créditos laborais, reclamando, no tal, 23,5 milhões de euros.
Operação El Dourado: 47 vítimas de tráfico de pessoas
Segundo um comunicado do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na operação “El Dourado”foram constituídos arguidos dois cidadãos portugueses e cinco sociedades, no âmbito da investigação por eventual tráfico de seres humanos com epicentro numa academia de futebol em Famalicão.
Em comunicado, o SEF acrescenta que foram sinalizadas 47 vítimas de tráfico de pessoas, das quais 36 menores e nove jovens adultos. “Todos foram colocados sob proteção do Estado português”, acrescentou ainda o comunicado.
Os menores foram acolhidos em instituições da Segurança Social, por indicação da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e do Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão. No total, foram identificados 85 estrangeiros, entre adultos e menores.
Em nota publicada na sua página, a Procuradoria-Geral Regional do Porto refere que os menores foram retirados da academia “por se encontrarem em situação de perigo”.
Em junho, o SEF deu cumprimento a cinco mandados de busca judiciais, tendo apreendido documentos, nomeadamente passaportes e cartões de residência que não estavam na posse dos seus titulares.
As buscas decorreram numa academia de futebol em Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão, e estenderam-se ainda à casa do presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Mário Costa, ligado àquela academia.
Mário Costa renunciou hoje ao cargo na Liga.Em carta enviada à Lusa, Raul Soares da Veiga, advogado de Mário Costa, confirmou a renúncia deste ao cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral, considerando que “quando tudo estiver esclarecido e o processo for arquivado, Mário Costa voltará a colaborar com a Liga com o mesmo entusiasmo de sempre”.