Após a violenta invasão de um treino da equipa principal do Sporting, a 15 de maio passado, por membros da Juventude Leonina, a procuradora-geral distrital de Lisboa, Maria José Morgado, e a procuradora Cândida Vilar, a quem o processo fora atribuído, começaram a esboçar uma estratégia de investigação e de posterior acusação que associasse o crime de terrorismo aos outros ilícitos logo indiciados – ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada e sequestro.
Mas a direção da PJ, que tem a competência exclusiva da investigação de crimes de terrorismo, mostrou-se relutante face à linha de averiguação defendida por Maria José Morgado e Cândida Vilar. Fonte fidedigna, conhecedora do processo, é mais explícita, em declarações à VISÃO: “A Judiciária não compreendeu a incriminação de terrorismo que estava a ser feita.”
No entanto, a nova procuradora-geral da República, Lucília Gago, interveio e autorizou a estratégia acusatória da procuradora-geral distrital de Lisboa e da procuradora titular do processo. A PJ foi por completo marginalizada (no terreno as investigações estiveram a cargo de equipas mistas da GNR e da PSP) e o despacho de acusação, conhecido esta sexta-feira, 16, faz mesmo a associação entre terrorismo e os outros ilícitos indiciados.
À semelhança dos restantes 43 arguidos acusados (38 dos quais em prisão preventiva), Bruno de Carvalho não escapa. Acusado de 40 crimes de ameaça agravada, 19 de ofensa à integridade física qualificada, 38 de sequestro e um de detenção de arma proibida, é da seguinte forma enquadrado no crime de terrorismo no despacho do Ministério Público (MP): “A coautoria dos crimes de terrorismo, (…) qualificação que resulta logo de os autores morais não só terem compartilhado a decisão criminosa, mas de até a terem determinado, ordenando o ataque”, permite classificar o antigo presidente do Sporting “como instigador e, portanto, autor ‘moral’ (…). Não se trata, na verdade, de mera cumplicidade moral”.
No libelo acusatório, o MP reconhece que “a existência de uma organização terrorista pressupõe um grau mínimo de estabilidade e permanência que estará ausente numa situação em que algumas dezenas de adeptos de um clube desportivo se juntam para agredir e sequestrar os atletas desse mesmo clube, para os intimidar (…)”. O despacho de acusação alega que se está “em face de crime de terrorismo, mas não perante uma organização terrorista”.
A procuradora Cândida Vilar destaca então que a lei específica “admite que haja crime de organização terrorista sem crime de terrorismo e, o que é mais frequente, crime de terrorismo sem organização terrorista (quer seja levado a cabo por autor solitário, quer seja perpetrado por um grupo informal, não vinculado a uma organização no sentido jurídico-penal)”. No violento caso de Alcochete, diz o MP, “há simplesmente uma situação de coautoria, que se exprimiu numa decisão e numa execução conjuntas (…)”. Não é um “crime contra o Estado, mas sim um crime ‘contra a vida em sociedade’ e, nesse contexto, um crime contra a ‘paz pública'”.
E a longa explicação chega ao que pretende desta maneira: o “bem jurídico protegido permite configurar como crime de terrorismo a ação dirigida contra os atletas de um clube com o objetivo de os intimidar (…)”. Escreve a procuradora Cândida Vilar que “dúvidas não restarão de que o crime foi suscetível de afetar gravemente a população que visou intimidar (…)”.