Mesmo sem esperar pela oficialização da transferência, André Silva não conseguiu evitar os muitos jornalistas que o aguardavam à saída da clínica médica La Madonnina, em Milão, e revelou estar “a viver um sonho”.
Menos de dois anos depois de ter chegado à primeira equipa do FC Porto e agora também à titularidade da seleção nacional, tudo tem sucedido a uma velocidade vertiginosa a vida do miúdo que aos nove começou a jogar nos escalões de formação do Sport Comércio e Salgueiros.
Foi já nos escombros do estádio Eng. Vidal Pinheiro que André Silva começou a dar os primeiros pontapés. O que resta do velhinho estádio do é hoje uma bancada a cair aos bocados e longe vão aqueles domingos em que a claque Alma Salgueirista as enchia de animação e apoio ao popular clube de Paranhos, o Salgueiral. Para além dos prédios em volta, o que se avista da bancada é a placa da estação de metro, cuja linha passa agora mesmo por baixo do antigo relvado e, ao longe, um pequeno tapete de relva sintética muito coçada. Foi aí mesmo, e num clube já à beira da desgraça anunciada, que André começou no futebol.
Rafael Santos, então técnico dos sub-11, foi o primeiro treinador do jovem que, apesar de ainda poder atuar no escalão anterior, já dava mostras de um nível superior. “Ele era muito introvertido, tinha uma boa relação com os colegas embora com os adultos fosse muito tímido. Mas era humilde e ouvia com muita atenção o que lhe dizíamos e depois, quando entrava para o campo não gostava de perder nem a feijões”, conta Rafael Santos à VISÃO. Só com o técnico seguinte, Luís Filipe, que tinha o hábito de dar a todos nomes de craques, para os incentivar, é que André viria a ficar conhecido por Deco, mas Rafael Santos via ali algo mais de Rui Costa. “Ele era um verdadeiro 10, com muita classe, alto e elegante a jogar”.
Curioso, que André vai agora herdar uma camisola 10 que também já foi de Rui Costa que, depois de sair do Benfica, ficou conhecido como o príncipe de Florença e, mais tarde, acabaria também por perfumar o futebol de um ainda grande AC Milan.
Para Rafael Santos isto não deixa de ser surpreendente, pela velocidade a que tem acontecido e, curiosamente, no clube que o então treinador de André sempre se habituou a admirar. “Eu dizia muitas vezes, ao ver aquele Milan do Gullit, do Van Basten e de tantos craques, que era o clube onde gostaria de treinar um dia. Ao ver agora um jogador que treinámos a chegar a esse patamar faz-nos acreditar que às vezes os sonhos são mais reais do que poderíamos pensar”.
A verdade é que, depois de sete anos a vaguear entre os treinos em Vidal Pinheiro, num campo de futebol de 5 no Viso e em outros dois sintéticos também de 5, em Damião de Góis, André acaba por dar um passo decisivo na sua carreira quando, num jogo frente ao FC Porto no campo da Constituição, o Salgueiros venceu por 3-2, com um golo e uma grande exibição do salgueirista. Os dragões nunca mais o largaram e acabaram por pagar mil euros para o levar. Depois disso André ainda esteve cedido um ano ao Padroense, clube satélite dos portistas, até se fixar definitivamente, primeiro nos escalões de formação, depois na equipa B e, finalmente, a partir da temporada 2015-16, na equipa principal, já não como médio criativo mas como avançado. E a prova de que a subida no terreno deu resultado é que este ano, e em 44 jogos oficiais pelo FC Porto, marcou 21 golos. Pela seleção os números são ainda mais relevantes com sete golos em oito jogos e uma parceria perfeita com CR7.
E o AC Milan também não parece ter menos ilusões relativamente ao que pode render o português. Poderá ser demasiada responsabilidade para o jovem português de apenas 21 anos mas, depois de ouvirem Cristiano Ronaldo dizer que já vê nele o futuro avançado da seleção portuguesa, os italianos também parecem não ter dúvidas.
É verdade que o AC Milan não vive tempos fáceis, afastado há muito da luta pelos títulos e ausente da Liga dos Campeões. Em abril o eterno presidente Sílvio Berlusconi vendeu mesmo o clube a um grupo de empresários chineses por 740 milhões de euros mas, a avaliar pela velocidade a que os milaneses se estão a mexer já no mercado, talvez este seja mesmo um ano de mudança.