Só Michael Phelps tem este efeito: as pessoas enchem as piscinas, há vários Jogos Olímpicos consecutivos não para o ver nadar, mas para o ver ganhar. Todos querem participar, nem que seja como espectadores, na lenda que ele tem vindo a construir, de quatro em quatro anos, em Atenas, Pequim, Londres e agora no Rio (Sydney, quando tinha apenas 15 anos, foi só uma espécie de aquecimento).
Na última noite de quinta-feira, 11, isso ficou mais uma vez comprovado no Rio de Janeiro, numa jornada gloriosa, intensa, repleta de acontecimentos históricos. Em especial na final de 100 metros livres femininos, marcada por um conjunto impressionante de factos: teve duas vencedoras e, portanto, duas medalhas de ouro, que ficaram creditadas como novo recorde olímpico. Uma delas, a americana Simone Manuel, tornou-se a primeira nadadora negra da história a sagrar-se campeã olímpica. A outra, a canadiana Penny Oleksiak, foi a primeira nadadora nascida no século XXI a ganhar o ouro em Jogos Olímpicos, e a primeira atleta do Canadá a conquistar quatro medalhas numa única Olimpíada – e com apenas 16 anos.
Mas para quem enchia as bancadas da piscina olímpica, só havia um programa: ver Michael Phelps. E tiveram-no em dose dupla. Primeiro, por volta das 23 horas locais, a assistir como ele engrandece a sua lenda e escreve mais umas linhas no livro dos recordes: uma vitória retumbante na final dos 200 metros estilos, com 2 segundos de avanço sobre o segundo classificado, que faz dele o primeiro nadador a ganhar uma mesma prova individual em quatro Jogos consecutivos (só os também americanos Al Oerter, no lançamento do peso, e Carl Lewis, no salto em comprimento, tinham feito algo de semelhante).
Essa vitória significou, naturalmente, mais uma medalha (já ganhou mais medalhas do que Portugal em 100 anos). E, pela contabilidade de hoje (amanhã, as contas estarão certamente desactualizadas, visto que ele vai voltar a atirar-se à água do Estádio Aquático Olímpico do Rio…), Phelps ganhou a sua 26º medalha olímpica, das quais 22 são de ouro, 13 das quais em provas individuais (as outras nove foram em estafetas). Ora, estes 13 títulos individuais (amanhã já poderão ser 14, depois da final dos 100 metros mariposa…), trazem um facto novo sobre o nadador de Baltimore – de que se pensava que já tudo tinha sido escrito. Puro engano, faltava ainda escrever que ele é, oficialmente, e a partir de agora o melhor atleta olímpico de todos os tempos.
Mas mesmo de todos os tempos. É o melhor dos Jogos Olímpicos da era moderna, mas também dos da Antiguidade. Com os seus 13 títulos individuais, descobriu o historiador olímpico Bill Mallon (do site OlympStats), Michael Phelps ultrapassou o mítico Leónidas de Rodes, que terá conquistado a coroa de louros em 12 ocasiões, em quatro Jogos Olímpicos.
Leónidas competiu pela primeira vez nos Jogos de 164 antes de Cristo, onde venceu três provas de corrida: o “stadion” (cerca de 200 metros, mas variável consoante o estádio onde se realizasse), o “diaulo” (o dobro do “stadion”) e o “hoplitodromos” (um “diaulo”, mas com os corredores com elmo, armadura e escudo). O atleta repetiu o feito, sempre nas mesmas três provas, nas Olimpíadas seguintes, retirando-se em 152 antes de Cristo, já com 36 anos.
A verdade é que, na noite de quinta-feira, 11, Michael Phelps não teve muito tempo para celebrar essa ultrapassagem ao Leónidas da Antiga Grécia. Logo depois de destruir, com enorme autoridade, toda a concorrência nos 200 estilos, acenou com quatro dedos para a multidão – a assinalar o tal quarteto de vitórias consecutivas na mesma prova – e correu para o balneário para vestir o fato de treino. Reapareceu, cerca de 15 minutos depois, para a cerimónia de entrega das medalhas, deu sinais de emoção enquanto tocava o hino, e voltou de novo a correr para o balneário, deixando o japonês Kosuke Hagino (prata) e o chinês Wang Shun (bronze) sozinhos perante o batalhão de repórteres fotográficos.
Mas ele tinha mesmo que correr. Cinco minutos depois, estava de novo a lançar-se à água para a meia-final dos 100 metros mariposa, onde terminou em segundo lugar, e com o quinto melhor tempo de entrada para a final de sexta-feira à noite, no Rio, porventura a sua última prova individual em Jogos Olímpicos (mas atenção que depois de Pequim 2008 e de Londres 2012, ele também anunciou a sua retirada – e em Tóquio 2020 terá 35 anos, menos um do que Leónidas de Rodes nos seus últimos Jogos).
A última prova de Michael Phelps nos Jogos do Rio será a estafeta de 4×100 metros estilos, na noite de sábado, 13. A data faz todo o sentido. Nesse dia, no outro lado da cidade, no Estádio Olímpico, entra em acção Usain Bolt, na pista de atletismo. É a hora de passar o testemunho, de um rei para o outro. Ambos a despedirem-se dos Jogos Olímpicos.