A artista, nascida em Yeravan, a capital da Arménia, vive atualmente na Alemanha e é de lá que gere toda a iniciativa. Em conversa com a VISÃO, destacou o sentimento que a fez começar. “Perceber que centenas de jovens são mortos para defender as suas famílias estava a partir o meu coração. Por isso fiz o que estava à minha mão para ajudar famílias inocentes que abandonaram as suas casas e os seus filhos, fornecendo-lhes algum meio financeiro a que se pudessem agarrar”, contou.
No final da década de 1980, a Arménia e o Azerbaijão confrontaram-se numa sangrenta disputa pela ocupação de Nagorno-Karabakh, uma pequena área que oficialmente é reconhecida como parte do Azerbaijão, mas que tem uma população maioritariamente arménia. Os conflitos estenderam-se durante décadas e apenas em novembro de 2020 foi assinado o primeiro acordo de cessar-fogo. Ainda assim, passado um mês, enquanto se trocavam prisioneiros entre os países, dezenas foram mortos em conflitos armados que regressaram em força. Atualmente, 90 mil jovens arménios estão afastados das suas casas, escolas e famílias – sendo que muitos se tornaram órfãos.
“Decidi criar a minha própria plataforma que ajudaria famílias concretas, com meios concretos”
Lilya firma ter noção que, ainda que possam existir alguns fundos oficias, são muito reduzidos, nem sempre são oportunos e demoram muito tempo a chegar. Por isso, a partir da Alemanha, a fotógrafa (que já expôs em Portugal) decidiu criar esta plataforma que funciona quase de forma instantânea: o artista doa a obra, a “Imsokhak” vende-a, e o dinheiro vai ao encontro de quem necessita.
Mas como é que temos garantia que os apoios chegam realmente às famílias que mais necessitam? O dinheiro é transferido para os grupos voluntários no terreno, que trabalham diretamente com os refugiados, e é depois distribuído pela família escolhida por Lilya, que coordena todo este processo sozinha.
Durante certo período de tempo, os esforços são concentrados numa família e só terminam quando os meios adquiridos forem considerados suficientes para a sua sobrevivência. São aceites doações de arte por parte de organizações e de artistas individuais – pintura, fotografia ou artesanato. Qualquer pessoa, de qualquer canto do mundo, pode fazer a sua doação artística e acompanhar o processo da família que está a ser apoiada.
A página de Instagram @Imsokhak é a plataforma utilizada para estabelecer contacto direto com Lilya, mostrar a intenção de doar uma obra, comprar algum produto ou retirar qualquer dúvida. É através dos links disponibilizados que se pode saber que família está a ser alvo de ajuda no momento e quais as obras de arte que se encontram à venda.
Esta página está também vinculada a uma equipa de voluntários no terreno, que tornam possível a ajuda direta aos deslocados e refugiados por causa da guerra. São eles quem ajudam na compra de roupa, produtos de higiene, livros escolares, materiais escolares e, inclusivamente, animais de fazenda para garantir o sustento de determinadas famílias, visto que grande parte da população vive da agricultura.
“O nosso foco atual é uma menina linda chamada Marie, cujo pai foi morto durante a guerra. Atualmente mora com a mãe, com o irmão mais novo e com o avô nas ruínas que sobraram da sua casa, na região Artsakh (que faz fronteira com Nagorno-Karabakh – a zona onde o conflito está mais ativo), confessou Lilya. Quem vive nesta zona está em perigo iminente e em risco de morte. Assim, o novo objetivo traçado é vender o máximo de obras de arte para poder ajudar esta família a mudar-se para a Arménia, ter condições de pagar uma casa, pôr as crianças na escola e ter uma vida pacífica.
É através do nome do projeto que nenhum dos seus participantes, – nomeadamente Elena Gevorkova e Svetlana Lasky, os pilares de Lilya – esquece o seu propósito. “Ari im Sokhak” (Արի իմ սոխակ) é uma canção de embalar típica do povo arménico, mas com um significado bastante mais profundo. Durante o genocídio na Arménia, entre 1915 e 1923, muitas crianças foram deixadas órfãs, raptadas ou vendidas para escravatura. Nos anos que se seguiram, cresceram sem saber qual era a sua língua materna e de onde tinham vindo, tendo, muitas vezes, adotado nomes diferentes, islamizados, daqueles que possuíam. Esta canção surgiu como um cântico nas ruas por parte do povo arménio, despertando memórias da primeira infância, fazendo com que muitas destas crianças reconhecessem a língua e se lembrassem da sua verdadeira identidade. Isto permitiu que milhares delas fossem salvas, voltando à sua terra de origem. O poder e o sentimento que a música teve, é o mesmo que o projeto pretende transmitir – esperança.
A artista agarra-se também à oportunidade de chamar a atenção da comunidade global para as atrocidades e consequências desta guerra que devastou a vida a tantos jovens, deixando-os sem pais e sem teto. Mas sabe que um projeto como este não é suficiente. “Tenho dificuldades em fazer um prognóstico positivo para o país, embora deseje que ele recupere e viva em paz e prosperidade. Nada disso será possível sem a atenção mediática global virada para as atrocidades que ali se passam. Só juntos e com a ajuda da comunidade global conseguiremos recuperar”, acrescenta Lilya .