Sabemos bem como os portugueses adoram o reconhecimento que chega do exterior para os seus compatriotas. Mas num dos palcos mais mediáticos e brilhantes do mundo – o da entrega dos Oscars, em Los Angeles – nunca nos aconteceu nada de que nos pudéssemos orgulhar muito. Somos até detentores de um recorde negativo: Portugal é o país que mais vezes inscreveu um filme para a categoria de “melhor filme estrangeiro” sem nunca ter conseguido uma nomeação. Tudo começou em 1980, quando Portugal apostou em Manhã Submersa, realizado por Lauro António a partir do romance de Vergílio Ferreira. Desde aí, já foram submetidos 35 títulos (oito deles com a assinatura de Manoel de Oliveira) à apreciação da Academia de Hollywood, sempre sem conseguirem uma nomeação para um Oscar. A primeira longa-metragem de Pedro Costa, O Sangue (produzido em 1989, quando o realizador tinha 30 anos), também faz parte dessa longa lista de candidaturas frustradas.
Em 2021, há, como nunca antes, a expectativa de que o cinema português pode, finalmente, entrar nas contas finais dessa categoria, que desde 1956 era conhecida como “best foreign language film” (“melhor filme em língua estrangeira”) e que, em 2019, passou a “best international feature film” (“melhor filme internacional”) – segundo a Academia, a palavra “estrangeiro” estava datada e tinha conotações que não eram bem-vistas por toda a comunidade cinéfila. E logo este ano, em que houve alguma polémica na nomeação portuguesa. Listen, de Ana Rocha de Sousa, era a primeira escolha, mas não foi considerado elegível por ser falado maioritariamente em inglês (argumento que, numa primeira fase, a realizadora tentou rebater, sem sucesso, explicando que o filme só é falado em inglês porque a ação se centra em Inglaterra, não deixando de ser um filme português). Vitalina Varela, de Pedro Costa, afirmou-se, então, como o candidato a um potencial Oscar.
Este ano, também por causa da pandemia, há regras novas nesta categoria (filmes que tinham a obrigatória estreia marcada em salas dos EUA que não conseguiram concretizá-la por causa do fecho dos cinemas). A grande novidade é que há uma primeira seleção, a anunciar já a 9 de fevereiro, de 15 filmes candidatos às cinco nomeações (divulgadas a 15 de março). A cerimónia dos Oscars ocorrerá muito mais tarde do que é habitual: está marcada para 25 de abril (um sinal?).
Para que um filme possa ser escolhido nesta corrida, não basta ser muito bom. Há todo um trabalho de bastidores e fatores relacionados com os distribuidores escolhidos e as formas de promoção. Pedro Costa tem a seu favor o seu prestígio internacional, bem sinalizado pelo percurso nos grandes festivais (Vitalina Varela, por exemplo, venceu dois importantes prémios em Locarno, melhor filme e melhor atriz, e esteve presente no Festival Sundance, referência maior para o cinema independente apresentado nos EUA). Mas não só. O filme de Pedro Costa é distribuído nos Estados Unidos da América pela Grasshopper Film, empresa fundada em 2015 por Ryan Krivoshey e que se tornou uma referência de qualidade na escolha dos filmes internacionais que distribui nas salas norte-americanas (neste momento, tem também em carteira Francisca, a que chama “Manoel de Oliveira’s masterpiece”, numa cópia restaurada 4K); na sua breve história, a Grasshopper já distribuiu quatro documentários nomeados para um Oscar (e um deles venceu: Heaven Is a Traffic Jam on the 405, de Frank Stiefel, em 2018). Sinal de que há um trabalho de promoção a ser feito é a divulgação de apreciações do filme por nomes reconhecidos. “Claramente, o trabalho do Pedro não é entertainment e não é para todos. Mas é puro cinema”, disse o ator Willem Dafoe ao site IndieWire, que coloca o filme português na sua aposta para a shortlist de 15 potenciais premiados.
Não deixaria de ser irónico, depois de infinitas discussões em Portugal sobre a suposta dicotomia entre cinema comercial para o grande público/cinema de autor para uma minoria, que um realizador radicalmente único e conhecido por não fazer concessões no seu rigoroso trabalho fosse o primeiro a pisar os tapetes vermelhos de Hollywood. Uma nomeação, mesmo na lista de 15 filmes, já saberia a merecido prémio.