“On n’est pas sérieux, quand on a dix-sept ans” [“Não somos sérios aos dezassete anos”], cantava Léo Ferré citando um verso de Rimbaud no poema Roman, sobre as paixões intensas da adolescência. Uma intensidade que se sentia no ar na noite desta quarta-feira, 4 de setembro de 2019, no espaço amplo da Altice Arena. O público da estreia ao vivo da cantora norte-americana Billie Eilish em Portugal era maioritariamente composto por teenagers, muitos deles acompanhados pelo pai ou pela mãe. No meio de 20 mil espectadores também havia, claro, quem, com qualquer idade, ali fosse pela curiosidade de ver ao vivo um fenómeno que já marcou 2019. Ou só pela música. Ponto.
Quem não sabia ao que ia (alguns pais, certamente) terá ficado surpreendido com o que viu e ouviu. O concerto começou, ainda antes das 21h30, com um dos hits mais poderosos e dançáveis do disco When We All Fall Asleep, Where Do We Go? (o único álbum de Billie Eilish): Bad Guy. E, aparentemente, todo o público cantava a letra, palavra a palavra, em uníssono. Um imenso coro de vozes que quase abafava a de Billie. Essa foi uma rotina em grande parte do concerto, num mar de gente iluminado pelos pequenos mas intensos pontos de luz dos telemóveis, que também não tiveram descanso durante toda a noite. Quando já vimos muitos concertos e estamos na faixa etária de “pais de adolescentes” pode ser fácil, demasiado fácil, olhar para todo este espetáculo à nossa frente – risos, choros convulsivos, danças e abraços – com distanciamento, paternalismo ou, pior, cinismo. Mas será fácil, também, perceber por que Dave Grohl, o baterista dos Nirvana, arrastado para um concerto de Billie Eilish pelas filhas, saiu de lá entusiasmado, a falar da força eterna do rock’n’roll e daquela sensação única de partilha quando estamos rodeados de pessoas que sabem de cor as mesmas canções que nós.
A grande força de Billie Eilish em palco é que, quase sempre, parece mesmo aquilo que é: uma miúda de 17 anos a cantar as suas canções para um público que a adora. Não há grupos de bailarinos em palco, trocas de roupas exuberantes, luzes complexas e cenografias carregadas de adereços (sim, lembro-me bem do aborrecimento que vivi naquela mesma sala num concerto de Lady Gaga). Há um baterista, um músico (o irmão mais velho de Billie, FinneasO’Connell) que alterna entre teclas, guitarras e baixo e Billie Eilish, vestida como se tivesse ido ter com os amigos a um centro comercial ou a um skate park, percorrendo o palco (com alguma contenção, mas não muita, devido a uma lesão nos tornozelos). Os três ecrãs, com destaque para o maior, central, atrás do palco, complementam eficazmente as canções, muitas vezes com imagens que remetem diretamente para os vídeoclips.
Num concerto circular – começou e terminou com Bad Guy -, ouviram-se todas as excelentes canções pop com que esta miúda marcou 2019: My Strange Addiction, You Should See Me a Crown (num arranque de concerto que deixou os fãs quase sem fôlego), Wish You Were Gay, All the Good Girls Go to Hell, Bury a Friend… As canções não são um pretexto, carregado de lugares comuns, babys e loves, para fazer a festa – como se vê em muitos fenómenos pop para multidões -, elas são o centro do concerto, como deve ser. E soam a um entusiasmo sincero com a música que se faz (mesmo que cantem temas que estão no oposto da palavra “entusiasmo”). Isso é pouco? Para nós faz toda a diferença. A comunicação entre canções não foi muito frequente, passando sobretudo por declarações de amor ao público ou instruções para coreografias específicas da multidão, mas há lá maior comunicação do que entoar as mesmas palavras em uníssono com todas as emoções à flor da pele?