Prestes a completar 76 anos (a 7 de agosto), Caetano Veloso apresentar-se-á nos coliseus do Porto (30 de julho) e de Lisboa (1 e 2 de agosto) com os seus três filhos. Um espetáculo intimista, cujo alinhamento foi escolhido pelos “mininos” e que inclui temas como Leãozinho, Força Estranha, Alegria, Alegria e Trem das Cores, além de composições de Moreno, Zeca e Tom. Já apresentado no Brasil, em França, Espanha e Itália, Ofertório foi agora editado em CD e DVD. Eis uma conversa com um pai que não quer falar de mais nada senão dos filhos.
Veja o vídeo com uma parte da entrevista e leia o resto das respostas.
Como tem sido partilhar o palco com os seus filhos?
Para mim, tem sido uma delícia! E para muita gente que assiste, também. É um espetáculo muito delicado, muito vulnerável, porque somos só nós quatro. Esse show foi uma invenção minha. Demorei perto de três anos a convencê-los e a encontrarmos agenda. Quando Tom e Moreno, que são profissionais de música, estavam livres das suas obrigações, falei com Zeca. Zeca estava livre mas não queria − e demorou muito a querer. Quando ele quis, voltei a falar com os outros dois. Nessa altura, pensámos em chamar amigos nossos, músicos, para nos acompanharem, mas quando fomos passar as canções, para relembrar, vimos que nós próprios podíamos tocá-las. Zeca, que não tocava baixo, resolveu ir tirar um curso de baixo para tocar em alguns momentos do show – e acaba quase sendo o contrabaixista da banda. Então isto virou um negócio em que somos só os quatro a tocar tudo. Moreno toca percussão, violoncelo
e violão.
É uma espécie de reunião familiar
a que o público pode assistir?
É. Mais familiar do que musical.
Há uma relação de pai e filho no palco?
Há, sim.
E como é o Caetano pai em palco?
Igual ao que eu sou em casa, nos lugares, nas viagens…
Calculo que eles tenham personalidades diferentes. Qual
a característica de cada um deles
que o Caetano evidencia?
Moreno tem mais 20 anos do que Tom e mais 15 do que Zeca. De certa forma, cada um é de uma época. Moreno já trabalha com música há 20 anos e faz coisas muito lindas, muito refinadas. É um menino que desde pequeno não só é muito inteligente como tem muita inteligência matemática. Cursou Física, chegou a trabalhar no Laboratório de Partículas Subatómicas da Universidade do Rio de Janeiro, mas preferiu dedicar-se à música. Ele é muito fantasioso mas, ao mesmo tempo, muito sábio em relação às coisas da vida real. Zeca é um menino de grande sensibilidade e de permanente questionamento de tudo, desde pequeno. Está querendo sempre entender e quase chegar ao indiscutível. De todos nós, é o mais exigente:
a mistura nunca está boa o suficiente,
a execução nunca está boa o suficiente… Aliás, na letra da sua canção que está fazendo um enorme sucesso no Brasil, Todo o Homem, ele escreve: “Pra mim nunca está bom.”
E Tom?
Tom só gostava de futebol, e nem queria fazer música. Mas quando começou, já mais velho do que os outros, mostrou-se mais dotado. Tem até mais facilidade do que nós os três. Fala pouco, é mais o tipo de garoto saudável que joga futebol e boceja no palco se estiver com sono.
Então é uma boa equipa, porque cada um tem as suas características…
É, somos uma boa equipa. Eu sou o pai e Moreno é 20 anos mais velho do que os dois irmãos: nós dois fazemos o equilíbrio. Moreno tem um lugar de sabedoria, que é algo para lá da inteligência.
Apesar de o Caetano ser o mais velho, a música mais jovem do espetáculo
é sua… Um funk, Alexandrino, escrito por si.
Moreno brinca sempre comigo por causa dessa canção, que nem chega
a ser uma canção… Tom gosta de funk. Na verdade, ele faz parte de uma banda de rock progressivo, mas como espectador ele é da turma dele do futebol que ouve pagode desde pequeno. No Brasil há uma dança a que chamam “passinho”, que os meninos da favela que dançam funk fazem, muito bonita, e ele sabe fazer – ou, pelo menos, imitar. E como eu gosto muito de o ver fazer isso, compus um funk, assim de qualquer maneira, fazendo umas piadas com uns versos alexandrinos. Zeca diz que é a canção do «1,2,3,4»…
Já tinha passado tanto tempo com
os seus filhos?
Tinha, quando eles eram pequenos. Eu inventei esse show para ficar com os meus filhos tanto tempo quanto quando eles eram pequenos, mas já depois de crescidos.
Qual a maior herança que passou aos seus filhos?
Na verdade, com esse número do Ofertório eu entrego tudo. Gostaria de passar o que minha mãe passou para mim – e também meu pai. Meu pai aparece na letra de uma composição minha que toco no show, Genipapo Absoluto, e Moreno fala um pouco dele.
Como resumiria essa herança?
Firmeza, harmonia, abertura. Meus pais eram assim.
Em dezembro, faz 50 anos que Caetano foi preso e, depois, enviado para o exílio. Como vê hoje esses
50 anos da vida?
Bem, tem muita dor envolvida. Vejo com interesse, porque fiz muitas coisas. Mas volto ao começo da conversa: os meus filhos são a coisa mais importante.
CLÃ VELOSO
MORENO
45 anos
Licenciado em Física,
é músico profissional. Tem dois discos gravados, Máquina
de Escrever Música (2000), com
a banda +2, e Coisa Boa (2014).
Já compôs para Roberta Sá, Adriana Calcanhotto e Gal Costa e já se apresentou a solo em Portugal. Compôs com o pai pela primeira vez
aos 9 anos, Um Canto de Afoxé para o Bloco de Ilé, música que tocam neste show. É filho da primeira mulher de Caetano, Dedé, atriz.
ZECA
26 anos
O único membro da família
Veloso que não tinha até agora qualquer ligação com a música.
Filho de Paula Lavigne (tal como Tom), a sua música de estreia, que canta neste espetáculo, Todo o Homem,
tornou-se um sucesso enorme
no Brasil
TOM
21 anos
Chama-se Tom porque
nasceu no dia do aniversário
de Tom Jobim, faz parte
da Dônica, uma banda de rock progressivo, cujo padrinho oficial é Milton Nascimento.
A banda, de que Tom
é compositor, tem um disco gravado, Continuidade
dos Parques. Clarão, tocada no show, é da sua autoria