O presidente da Bill & Melinda Gates Foundation poderia ser um bom rosto para campanhas de sensibilização para a leitura. No seu blog, o co-fundador da Microsoft já escreveu isto: “Ler livros é a minha maneira preferida de aprender sobre um novo assunto. Desde criança, leio uma média de um livro por semana.” E as suas escolhas de cabeceira vão muito além da tecnologia, fluxos de capitais ou filantropia – em 2016, por exemplo, o bilionário escolheu um romance de David Foster Wallace, a biografia do co-fundador da Nike, Phil Knight, e um tomo sobre os genes da autoria de Siddartha Mukherjee.
Em 2017, cinco livros ganharam a preferência de Bill Gates, e todos podem ser arrumados em prateleiras diferentes, já que os temas vão da comédia à guerra do Vietname, em géneros tão diferentes como a ficção, a biografia, o ensaio e a novela gráfica. “Ler é a minha forma preferida de satisfazer a minha curiosidade”, assegura ele num artigo publicado na revista norte-americana TIME. E o magnata acrescenta: “Embora tenha a sorte de conhecer muita gente interessante e de poder visitar lugares fascinantes através do meu trabalho, continuo a acreditar que os livros são a melhor maneira de explorar novos tópicos que nos interessam.” Estas sugestões, garante, são perfeitas para quem quiser “enroscar-se à lareira com um belo livro nesta altura do ano”.
Uma lareira é um luxo que Thi Bui seguramente só conheceu quando a sua família fugiu para os EUA em 1978. Em criança, esta vietnamita sonhava ser advogada de direitos civis, hoje a sua profissão passa pelos bancos das escolas onde é professora. A sua primeira novela gráfica, The Best We Could Do (Harry N. Abrams, 2017), criada a brancos e laranjas suaves, é caraterizada por Bill Gates como “belíssima”, “uma memória pessoal profunda que explora o que significa ser-se refugiada e mãe”. O tema parte da própria experiência de Thi Bui que, ao ser mãe, investigou o passado dos pais e as suas estratégias de sobreviência num país invadido por inimigos.
A miséria e a exploração dos pobres é um tema mais ou menos tabu nos EUA. Mas é certamente o assunto central de Evicted: Poverty and Profit in the American City (2016, Penguin Books), de Mathew Desmond, outro dos livros presentes na lista escolhida por Bill Gates: “Se se quer realmente compreender como as razões que provocam a pobreza estão interligadas, então devem ler este livro sobre a crise de despejos no Milwaukee”, recomenda. Acrescenta ainda: “Desmond escreveu um retrato brilhante de americanos a viver na pobreza. Este autor proporcionou-me uma visão, melhor do que qualquer outro livro já lido, sobre o que significa ser-se pobre neste país.”
Da prateleira da análise social passa-se depois para a secção de biografia, genero no qual Gates recomenda Believe Me: A Memoir of Love, Death and Jazz Chickens, (Penguin Books, 2017) de Eddie Izzard. Este comediante britânico com um gosto assumido por travestis e sem medo do politicamente correto, pode ser reconhecido pelo público português em filmes tão diversos como Valquíria, Os Doze de Ocean ou As Crónicas de Nárnia: Princípe Caspian. É um dos “cómicos favoritos” de Bill Gates, que caracteriza a história pessoal de Izzard como “fascinante”: “Ele sobreviveu a uma infância difícil e trabalhou implacavelmente para superar a sua ausência de talento natural e tornar-se uma estrela internacional. Se forem grandes fãs dele, como eu, adorarão este livro. A sua voz na escrita é semelhante ao registo que tem em palco, e dei por mim a rir às gargalhadas durante esta leitura”, conta.
Um livro que teve bom acolhimento crítico em Portugal, tendo vencido o Prémio Pulitzer 2016 e sido escolhido como livro do ano para os principiais jornais norte-americanos, é outra das escolhas de Bill Gates: O Simpatizante (Elsinore, 2017), de Viet Thanh Nguyen, é um relato forte sobre um espião dividido entre a lealdade ao Viet Cong e a nova vida em Los Angeles com os compatriotas, que incluem o general responsável pela elaboração da lista de autorizados a embarcar nos últimos voos a saírem do Vietname do Sul em pleno conflito. A guerra do Vietname é, sem dúvida, um dos temas que captaram a atenção de Bill Gates durante 2017, e, sobre este livro, o filantropo tem apenas elogios para oferecer: “A maioria dos livros que li e filmes que vi sobre o Vietmane são feitos sobre a perspetiva americana. O romance premiado de Nguyen apresenta uma visão necessária sobre o que era ser vietnamita e ser apanhado entre os dois lados do conflito. Apesar de sombrio, O Simpatizante é uma história que agarra o leitor.”
Por fim, o quinto livro da lista do bilionário é uma panorâmica dedicada a um elemento fundamental da civilização, a energia, desde a descoberta das pilhas até às atuais e incontornáveis energias renováveis. Energy and Civilization: A History (MIT Press, 2017), do cientista e ativista checo-canadiano Vaclav Smil, é definido por Bill Gates como “uma obra-prima”: “Não é o livro mais fácil de se ler, mas, no fim, sentimo-nos mais espertos e melhor informados sobre como as inovações energéticas alteram o destino das civilizações.”
Mas para este leitor frequente, a mesinha de cabeceira ou o sofá junto à lareira, tiveram mais volumes empilhados a que dedicou a sua atenção em 2017. Três deles são mencionados neste texto da TIME: Black Flags: The Rise of ISIS (edição Random House, 2015), de Joby Warrick, que Gates caracteriza como “uma lição de história convincente sobre como o ISIS conseguiu obter poder no Iraque”; The Color of Law- A Forgotten History of How Our Government Segregated America (2017) de Richard Rothstein, que o ajudou a saber mais sobre “as forças que impedem a mobilidade económica” e “o papel que as políticas federais tiveram na criação da segregação racial nas cidades americanas”; e, por fim, numa nota surpreendente, Gates assume ter adorado Turtles All the Way Down, de John Green, traduzido em Portugal com o título Mil Vezes Adeus (Edições Asa): a história de Aza, uma rapariga de dezassete anos que se vê compelida a investigar o desaparecimento do bilionário Russell Pickett em troca da recompensa de cem mil dólares. “Lida com temas sérios como a doença mental, mas as histórias de John são sempre divertidas e cheias de ótimas referências literárias”, confessa o filantropo.