Celeste é uma emigrante portuguesa, devota de Nossa Senhora de Fátima, que sonha ser cabeleireira, vibra com as canções de António Variações e todas as noites comete adultério. Até ao dia em que é apanhada. Foi por causa deste argumento que toda a equipa da curta-metragem Celeste agarrou numa Nossa Senhora de Fátima no momento de receber o Buzz Award, no Manhattan Film Festival, em 2012. Um ano antes, em Nova Iorque, a atriz Joana Pais de Brito e o realizador José-Maria Norton de Matos escreveram o argumento para este projeto que ambos consideraram ambicioso. Além do argumento e do papel principal, Joana Pais de Brito também tratou do guarda-roupa, com o ator Dinarte Freitas, e da direção de arte – áreas em que gosta de se envolver. Foi já no fim do curso de interpretação no William Esper Studio, em Nova Iorque, frequentado entre 2009 e 2011, que Joana Pais de Brito agarrou essa oportunidade chamada Celeste. “Partimos sem limites”, lembra. E sem dinheiro. Através de uma campanha de crowdfunding conseguiram reunir perto de 8500 dólares antes de gravar em oito dias.
Hoje, Joana Pais de Brito tem a vantagem de, aos 33 anos, e apenas com cinco de carreira na representação, contar já com provas dadas em diversos géneros. No cinema, depois das curtas Adolfo e Chico Malha, estreou em dezembro do ano passado a comédia de costumes A Mãe É Que Sabe, o quinto filme português mais visto do ano (com quase dez mil espectadores) e, este ano, ainda vamos vê-la em A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho, no papel de uma técnica de Recursos Humanos. No teatro já passou pelas companhias The Lisbon Players e Inestética, entre outras, e participou num vídeoclip dos Dead Can Dance. Mas foi pela sua veia mais cómica, notabilizada no prime time televisivo, que Joana começou a dar que falar, sobretudo depois de alguns “bonecos” feitos no programa da RTP1, Donos Disto Tudo – como o da apresentadora Cristina Ferreira ou da cantora Ana Malhoa, que já a elogiou publicamente.
O medo de falhar
Como filha única, Joana Pais de Brito ganhou ferramentas para saber estar sozinha e apreciar o momento. Da infância passada em Lisboa guarda o gosto pelo teatro incutido pela mãe. “Tive a sorte de ter acesso a todos os meios de expressão cultural”, conta. “Vi todas as peças do Teatro Infantil de Lisboa e muitas das minhas festas de anos eram uma ida ao teatro. No final, quando me chamavam ao palco, queria muito ir mas morria de uma vergonha profunda…”.
Aos 14 anos, no teatro amador, Joana estreou-se na peça Winnie Morreu, Eles Também e Eu Já Não me Estou a Sentir Nada Bem, uma adaptação de Samuel Beckett, “bastante dramática”, feita pelo grupo de teatro da Escola Secundária D. João de Castro. Quando, aos 18 anos, tomou consciência do forte apelo que sentia para ser atriz, o medo impediu-a de o seguir. “Não estava preparada para aquelas provas [do Conservatório], por toda a intensidade que pus no momento. Eu própria boicotei as minhas oportunidades”, analisa a atriz, agora à distância. A jovem que queria ser veterinária ou agente da Polícia Judiciária, cismou que tinha de tirar um curso superior e escolheu Terapia Ocupacional na Escola Superior de Saúde em Alcoitão, outra área pela qual sempre se interessou. Seguiram-se dois anos a tratar de doentes terminais na Reabilitação Psicossocial. Mas Joana Pais de Brito teve ainda outras ocupações, ora em Nova Iorque, onde foi babysitter e assistente num estúdio de fotografia, ora em Lisboa, onde foi ajudante da ajudante de cozinha no restaurante italiano Casanostra. “Aprendi que estar numa cozinha é como estar num set de rodagem. Há muitas regras e muita gente e cada pessoa tem uma função específica. Como me dizia um professor nos Estados Unidos: ‘Cultiva o teu próprio jardim, preocupa-te com o teu canteiro’.”
‘Low cost’ e ‘loucura conceptual’
Patrícia Vasconcelos reparou em Joana quando esta apresentava os prémios Áquila, no final de 2015. “Na altura não a conhecia e pensei ‘esta miúda tem jeito, vai longe, hei de chamá-la’”, lembra a diretora de casting. Hoje, não tem dúvidas em afirmar: “Tem a energia da Beatriz Costa, com os timings de comédia certos.” Joana Pais de Brito sabe que tem o que é preciso para fazer comédia, mas “isso é diferente de ter graça”, faz questão de frisar. Até lhe darem “um bombom” no drama, vai ter de esperar algum tempo, como refere Patrícia Vasconcelos. “O mercado português é pequeno e por isso vai ser muito mais vezes chamada para fazer comédia.”
Joana Pais de Brito passou por dois programas de sketches do Canal Q, Camada de Nervos e Estocada Final, antes de aceitar o convite feito pela direção da RTP para fazer parte do elenco de Donos Disto Tudo. “A Joana faz parte de uma nova geração de atores que já assimilou os heróis do passado, sejam o Herman José ou os Gato Fedorento, e nasceu entre o low cost e uma loucura conceptual [do Canal Q, por exemplo, onde despontou] que a tornou na mais multifacetada da sua geração”, explica Daniel Deusdado, diretor de programas da RTP. E acrescenta: “Há um lado incrivelmente, camaleónico que a tornam verosímil como Catarina Martins, Assunção Cristas ou Ana Malhoa. A Joana é a nossa nova Beatriz Costa.” Apreciada entre os seus pares, Joana já recebeu um elogio público também de Maria Rueff: “Esta menina já andava a fazer umas bambochatas no Canal Q com muita graça e tem tido um trabalho extraordinário.”
Para compor todas essas personagens Joana gasta muitas horas a observá-las em diversos contextos, para captar as variações dos seus comportamentos, a vê-las sem som e a ouvi-las sem imagem. Só assim chega aos seus maneirismos, trejeitos, forma de rirem e de se mexerem. Muitas vezes recorre também a uma espécie de “base de dados” interior onde guarda tudo o que os seus sentidos captam.
Em breve, começará a gravar Madre Paula, uma série para a RTP, onde interpreta uma freira do Convento de Odivelas, e na gaveta tem cinco contos escritos que um dia gostaria de ver transformados em cinema. Joana já perdeu a conta aos anos sem televisão em casa. “Estava a tirar-me espaço de escolha”, diz. Mas isso não significa que anda alheada. Ouve, por exemplo, muita rádio, especialmente RTP África por ser uma apaixonada pela dança, em destaque pelos ritmos latinos e africanos. Depois de dois anos a aprender salsa e tango na associação Alunos de Apolo, espera um dia vir a interpretar o papel de uma dançarina.
(Artigo publicado na VISÃO 1246, de 19 de janeiro de 2017)