É um dos mais talentosos e originais compositores brasileiros, mistura ritmos nordestinos com samba, rock, hip hop, morna, lambada e o que mais houver neste e noutros planetas com poesia bem-humorada, por vezes carregada de ironia. A poucos dias de atuar em Portugal (Coliseu do Porto, 7 de outubro e Campo Pequeni, a 8), ao lado de Zélia Duncan, o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro conversou com a VISÃO sobre esse espetáculo mas também da sua relação com Portugal e com a música e músicos portugueses, sem esquecer os dias turbulentos que se vivem no Brasil, “um país muito partido e extremado”, em que “a cena política e social está um pouco grotesca”.
O que podemos esperar do espetáculo Zeca Baleiro e Zélia Duncan? Músicas do repertório dos dois, temas originais, ou ambos?
É um encontro de autores diferentes, composto de canções feitas em parceria, outras do repertório particular de cada um e também de canções de outros compositores. Já tínhamos feito um giro de um ano por vinte cidades brasileiras. Entretanto o espetáculo amadureceu e agora recebemos o convite para ir a Portugal, o que é sempre um enorme prazer.
Curiosamente, a sua página na Wikipédia fala de diversas colaborações com outros músicos mas não tem nenhuma referência a Portugal. E o Zeca colaborou já com diversos músicos portugueses…
Sim, tive várias colaborações. Com o Sérgio Godinho no tema Coro das Velhas, do álbum O Irmão do Meio, também com o Jorge Palma no Rock In Rio Lisboa, que foi uma noite incrível. Mas o primeiro artista que conheci e com que colaborei até foi o Pedro Abrunhosa. Depois é que conheci o Sérgio Godinho, aqui no Brasil. E já fiz colaborações também com a Teresa Salgueiro, com os Clã. Eu sou um grande fã e tenho mesmo uma secção só de música portuguesa em casa. Até de música pimba, como vocês lhe chamam. Considero que isso é muito importante até para conhecer melhor a história do País.
Eu tenho até a ideia de juntar músicos brasileiros e portugueses num projeto. Apesar de estar melhor hoje em dia, ainda acho que se faz muito pouco ainda para estabelecer essa ponte entre os dois países.
Em 2014 lançou um disco infantil, chamado Zoró e numa entrevista que deu a propósito desse lançamento disse uma frase engraçada: “A criança é rock’n’roll e poesia. É a única fase da vida em que você pode ser louco sem ser internado”. O Zeca ainda tem esse lado louco ou já tem medo de ser internado?
(Risos) Ainda me permito um pouco de loucura, sim. Mas eu compus essas canções ao longo da infância dos meus filhos. Era uma maneira de me ajudar a criar e educá-los. Eles hoje já estão crescidos mas eu estou a preparar um volume 2 que vai chamar-se A Viagem da Família Zoró’e vai ser um cd e dvd que deve sair em outubro.
Além da música e de escrever canções também se dedica às crónicas e até já lançou dois livros. Escrever é uma urgência?
É. É mesmo. Comecei a escrever as crónicas a convite da revista ‘Isto É’ e foi uma experiência incrível porque escrever é muito libertador. As crónicas são uma necessidade de discutir coisas. A canção não é suficiente para isso porque, por mais densa que seja, tem sempre essa leveza que lhe vem da música. As crónicas são muito opinativas. Versam sobre coisas da modernidade, a educação, as novas tecnologias, vários assuntos da atualidade que me inquietam e sobre os quais gosto de refletir. Converso e conto histórias sobre tudo.
Como é que vê a situação política atual no Brasil?
É um momento muito delicado. Tenho-me reservado o direito de ficar calado porque sinto que há uma certa inibição. Naturalmente sou contra este governo mas emitir opinião aqui no Brasil ficou uma coisa meio perigosa. O Brasil virou um país muito partido, muito extremado. Não tenho sido um ativista muito ferrenho porque a cena política e social está um pouco grotesca. Há uma torcida muito irracional de cada lado. A gente saiu de uma ditadura bizarra para uma democracia e, de repente, já mergulhou numas trevas políticas e ideológicas.
O que eu penso que há a fazer é amargar estes próximos dois anos e esperar que apareça alguém que mereça a nossa confiança. Não um Messias, claro, mas alguém que possa merecer confiança. E, neste momento, não existe.