As expetativas podem ser tão estimulantes quanto traiçoeiras. Estimulantes quando são superadas e traiçoeiras quando prometem mais do que acabamos por receber. No caso, as expetativas eram elevadas, a última passagem dos Arcade Fire por Portugal (no Rock in Rio, em 2014) não tinha enchido completamente as medidas.
Mas se há banda capaz de lidar com montanhas-russas emocionais são os Arcade Fire, que não se coibiram de oferecer aos fãs o alinhamento que muitos sonhavam: uma sucessão de êxitos a provar o percurso sólido do coletivo canadiano – que lançou o já mítico primeiro disco, Funeral, há 12 anos.
Aos primeiros acordes de Ready to Start, a multidão que se encontrava no Passeio Marítimo de Algés reagiu com euforia. Afinal, eram muitos os que não tinham arredado pé do Palco Nos para garantirem o melhor lugar possível durante o concerto.
As emoções fortes estavam só a começar. Seguiram-se The Suburbs, Sprawl II e Reflektor – esta última a fazer recordar a colaboração de David Bowie com a banda. E às tantas começava a ser preciso recuperar o fôlego na pista de dança.
Momentos celestiais
Will Butler, com o seu habitual fato branco, parecia menos esfíngico e mais solto e enérgico do que da última vez que o vimos. No entanto, a “quota de sorrisos” do casal pertence totalmente à sua companheira, Régine Chassagne, que de vestido cor de prata parecia uma fada feliz.
A festa prosseguiu com três temas do quarto, e mais recente, álbum da banda, Reflektor (2013): Afterlife, We Exist e Normal Person. Por esta altura, já era evidente a entrega da banda e um frenesim de emoções circulava entre o palco e a plateia, rendida à paixão do grupo, que acompanhava com coros a plenos pulmões e braços no ar.
Depois de Keep the Car Running… “Bem-vindos à igreja”, anunciou Will Butler antes de avançar para a celestial Intervention, que daria origem a um inesperado interlúdio acústico com God Save The Queen, dos Sex Pistols (também já tinha havido uma amostra de All Apologies dos Nirvana).
My Body is a Cage seria um dos momentos mais intimistas da noite, daqueles em que quem escuta tem a certeza de que a canção foi escrita para si. A autenticidade contida em cada tema da banda presta-se a esta relação de proximidade com os Arcade Fire, por mais que o frontman do grupo não seja particularmente empático. Essa distância artificial é quebrada pela emoção real da música.
Celebração épica
Já para o final da hora e meia de concerto chegava outra sequência de cortar o fôlego com uma viagem a Funeral (2004) através de Neighborhood #1 (Tunnels), Neighborhood #3 (Power Out) e Rebellion (Lies). Sim, a ideia era quebrar quem ainda tivesse dúvidas de estar a assistir a um grande concerto. Um dos momentos mais divertidos da noite aconteceu durante Rebellion (Lies), quando Will Butler fingiu tocar com a guitarra virada ao contrário.
Houve confetis em Here Comes The Night Time e cabeçudos de Nova Orleães em palco, imagem de marca do disco Reflektor, que ajudaram a fazer a festa. Tal como Will Butler, também um deles andou de cachecol de Portugal ao pescoço e, antes da despedida, o músico desejaria boa sorte à equipa nacional de futebol para a final do Campeonato Europeu frente à França, que se realiza hoje.
Era a hora da despedida. Wake up encerra a celebração deixando o público em suspenso com mais uma exímia exibição coral das pérolas onomatopaicas características da banda. Estava feita a festa de 10.ª edição do Nos Alive.
Apenas uma expectativa não seria superada: o desejo de ouvir canções novas do grupo, já que o sucessor de Reflektor deverá chegar no próximo ano. Não sabemos o caminho que os Arcade Fire vão seguir agora, mas a originalidade contida nos álbuns Funeral, Neon Bible (2007), The Suburbs (2010) e Reflektor pertence-lhes. Por mais detratores que possam ter, como acontece a todas as bandas indie que atingem a dimensão popular que hoje têm, é indiscutível que há um lugar para os Arcade Fire na história da melhor música feita na última década. Que a criatividade esteja com eles.
Regresso anunciado
O percurso de dez anos do Nos Alive é marcado por um feito inédito: ter sido o primeiro festival português a esgotar um dia, aconteceu em 2010, quando os Pearl Jam e os LCD Soundsystem atuaram no palco principal.
Este ano, a 10.ª edição conseguiu esgotar os três dias. Ao todo, passaram pelo recinto mais de 165 mil pessoas. Uma das características do Nos Alive é o número de estrangeiros que atrai. Desta vez, foram ao Passeio Marítimo de Algés quase 32 mil turistas, de 88 países diferentes.
O Nos Alive regressa no próximo ano nos dias 6, 7 e 8 de julho.