Os Radiohead estavam apostados em captar a atenção do público do Nos Alive, que esgotou o segundo dia deste festival de verão ainda na primavera (muito por culpa dos cinco músicos de Oxford) e, para ampliarem o efeito, pediram à organização que não houvesse outros concertos a decorrer durante a sua atuação de mais de duas horas.
Assim, não é exagero dizer que 55 mil pessoas assistiram ao regresso a Portugal dos Radiohead, quatro anos depois de terem passado igualmente pelo Nos Alive para apresentarem The King of Limbs. Desta vez, o pretexto foi A Moon Shaped Pool, editado há dois meses.
As primeiras cinco músicas do alinhamento do concerto pertenciam ao mais recente disco e coube à melhor canção do álbum abrir o concerto: Burn the Witch. Um início tépido que fazia adivinhar um crescendo impróprio para os fãs mais incautos.
Thom Yorke compôs A Moon Shaped Pool de coração partido, depois de se divorciar da sua companheira de 23 anos, Rachel Owen (com quem tem dois filhos), no ano passado. Essa dor transparece nas canções do disco mas, na verdade, não há nenhum disco dos Radiohead imune à dor, frustração ou autocomiseração. O que a banda proporcionou ao público foi uma espécie de catarse coletiva que contou com temas como Idioteque (que toda a gente dançou), Street Spirit (que toda a gente cantou) ou My Iron Lung e Reckoner (que toda a gente aplaudiu).
Se o concerto não tivesse tido encores (foram dois) teria sido sempre um bom concerto, mas não teria valido assim tão a pena voltar a vê-los ao fim de quatro anos de ausência. Mas Ed O’Brien, Colin Greenwood, Thom Yorke, Phil Selway e Jonny Greenwood ainda tinham muito para dar depois da primeira ameaça de despedida – que só terá convencido os mais desatentos, já que a banda tem tocado vários dos seus “clássicos” nos concertos desta digressão.
Depois de Bloom, o público foi brindado com um dos hinos do disco seminal OK Computer (1997): Paranoid Android. E o êxtase foi geral. No público, havia quem simplesmente pedisse abraços aos amigos perante a emoção. Nude, 2 + 2 = 5, There, There foram os outros temas do primeiro regresso ao palco da banda no Nos Alive.
Mas seria o segundo encore a levar os fãs aos píncaros, com dois dos mais brilhantes temas de OK Computer. Jonny Greenwood ainda faria a pergunta: “O que é que vocês acham?”. O guitarrista deu a resposta rasgando a atmosfera com o riff inconfundível de Creep. O que se seguiu foi um coro em uníssono a declarar-se creep a plenos pulmões e de braços no ar. Razão suficiente para os fãs perdoarem um despropositado “gracias” do vocalista a meio do concerto… A última vez que os Radiohead tinham tocado a canção em Portugal fora há praticamente 15 anos, num célebre concerto no Coliseu do Porto.
Sem piedade, os músicos desferiram ainda Karma Police contra os corações apertados da assistência antes da derradeira despedida do palco. Conseguiram a proeza de criar um ambiente intimista num festival com 55 mil pessoas, mas às vezes apetecia que o som rasgasse mais alto.
O regresso aos temas mais antigos parece indiciar uma banda mais reconciliada consigo própria do que aquela que vimos há quatro anos. Sem medo de viver à sombra do passado e a querer mostrar que continua voltada para o futuro. Nos últimos discos, os Radiohead não trouxeram o futuro espelhado em discos como OK Computer (1997) ou Hail To The Thief (2003), mas há uma centelha que não esmorece. E só as bandas capazes de criarem o seu próprio universo não a perdem.
Um fenómeno chamado Father John Misty
Mas a noite não seria apenas marcada pela atuação dos Radiohead. Horas antes, foi Father John Misty quem celebrou uma verdadeira liturgia pagã no Palco Heineken. Não é novidade que Josh Tillman, ex-baterista dos Fleet Floxes, se tornou um frontman carismático. Afinal, já lá vão dois discos, Fear Fun (2012) e I Love You, Honeybear (2015), mas assistir à performance de Father John Misty (alter-ego do músico) é uma descarga de energia rock-country-folk cheia de dramatismo e teatralidade. Há microfones que rodopiam no ar, guitarras que são atiradas para as mãos dos roadies, canções dramáticas entoadas de joelhos e um soutien em palco (uma generosa oferta de uma fã). Isto vindo de alguém que, no Nos Alive, se confessou não muito bom em “conversas de festival”. Mas não são precisas conversas perante o dramatismo de Hollywood Forever Cemetery Sings (que abriu o concerto), Only Son of the Ladiesman ou o magnífico Bored in the USA. I Love You, Honeybear seria a celebração do desespero e do sensual menear de anca de Father John Misty, que arriscou por diversas vezes aproximar-se de um público que nunca o queria largar.
Com momentos de intensidade a fazer lembrar Nick Cave, este “crooner barbudo” é tão dramático quanto enigmático. Nunca sabemos bem se toda aquela emoção não é, na verdade, uma belíssima canção do bandido (apostamos que sim). “Maybe love is just an economy based on resource scarcity / But what I fail to see is what that’s gotta do with you and me”, canta em Holy Shit. Cuidado com ele, porque é difícil resistir à sua cantiga (e ao seu menear de anca).
Alguns dos australianos da noite
Duas notas para os australianos Tame Impala e Courtney Barnett. Os primeiros atuaram no Palco Nos antes dos Radiohead e convidaram a assistência a embarcar numa viagem psicadélica. Let it Happen, Elephant, The Less I Know the Better ou Feels Like We Only Go Backwards foram alguns dos momentos altos desta trip a provar que os rapazes conseguem hipnotizar milhares de pessoas ao mesmo tempo. E, já agora, desinibir, já que entre o público feminino houve quem decidisse levantar a camisola quando aparecia nos ecrãs gigantes que ladeiam o palco… Kevin Parker também não perdeu o espetáculo. “Ai se os vossos pais vos vissem”, brincou.
Antes de Father John Misty foi Courtney Barnett quem agitou o Palco Heineken. A rock chic veio apresentar o disco Sometimes I Sit and Think, and Sometimes I Just Sit e não desiludiu. A energia está lá, assim como o ar despreocupado de quem só foi ali tocar umas canções, gritar umas verdades e sair do palco como se nada fosse. An Illustration of Loneliness, Debbie Downer ou, claro, Pedestrian at Best fizeram as delícias dos festivaleiros saltitantes. Afinal, haverá melhor maneira de sacudir o peso existencialista cantado pela australiana?
Esta noite, também esgotada, será a última de 10.ª edição do Nos Alive e haverá Arcade Fire em palco (adivinha-se mais uma liturgia), além de M83, Band of Horses, Grimes, Fout Tet ou os portugueses Paus, citando apenas alguns dos nomes mais fortes deste terceiro dia.