“O Motel do Voyeur” (Voyeur’s Motel), a história alegadamente verídica de um homem que comprara um hotel em Aurora, no estado norte-americano do Colorado, para espiar a vida sexual dos hóspedes, tinha tudo para ser a história do ano.
Afinal era escrita por Gay Talese, o jornalista e escritor considerado um dos pais do New Journalism (Novo Jornalismo), e marcava o seu regresso às grandes reportagens, aos 84 anos, depois de muitos anos de seca literária. Afinal o primeiro excerto, publicado na revista New Yorker, fora de tal forma um êxito que os direitos da obra foram quase de imediato comprados por Steven Spielberg. Afinal, outro realizador com provas dadas na praça, Sam Mendes (realizador de “Beleza Americana” ou de “Revolutionary Road”), iria adaptá-lo ao cinema. Afinal tinha todos os ingredientes voyeuristas de uma história de um homem que, com a cumplicidade da esposa, dedicara duas décadas a espiolhar a intimidade dos outros a partir do sótão. Mas e se a reportagem do ano, afinal, não for verdadeira?
Agora é já o próprio autor quem tem dúvidas. Com o lançamento previsto para julho, e com o Washington Post a desmontar alguns dos factos contados por Gerald Foos (dono do hotel) ao jornalista, Gay Talese já diz não poder acreditar numa palavra do protagonista da sua história. E recusa-se a publicitar a história com a qual tivera o primeiro contacto em 1980, quando recebeu uma carta de Foos a contar que em 1969 comprara um hotel para, até 1995, data em que teria vendido o estabelecimento, poder observar os clientes através das grelhas de ventilação falsa que instalara em alguns dos 21 quartos.
Gay Talese desvalorizou as primeiras críticas, que questionavam os seus princípios éticos por ter sabido de supostos crimes ocorridos no motel e não os ter denunciado, e por ter ele próprio chegado a espiar clientes a partir do sótão, na companhia do proprietário. Mas agora, confrontado com os registos de propriedade do motel, revelados pelo The Washington Post, e que mostram incongruências com os relatos de Gerald Foos, Gay Talese reagiu assim: “Não deveria ter acreditado numa única palavra dele. Não vou promover este livro. Como poderia sequer atrever-me a promovê-lo quando a credibilidade dele foi pelo cano abaixo?”
O The Washington Post descobriu que entre 1980 e 1988 Foos não foi o proprietário do hotel, apesar de alguns dos factos relatados coincidirem com aquele período. Talese, que esperou 30 anos para publicar o livro porque só aceitava fazê-lo se o protagonista não se escondesse atrás do anonimato, duvida agora da honestidade de Foos e diz que a confiança está quebrada. “Fiz o melhor que podia por este livro, mas talvez não tenha sido suficiente.” Apesar do desencantamento do autor, e de uma montanha de dúvidas sobre a veracidade da obra, a editora não tenciona cancelar o lançamento, previsto para 12 de julho.