Expectativas superadas.” Com as obras a serem enviadas para colecionadores e os balanços a arrumarem-se em ficheiros Excel, a ARCOLisboa termina com um coro afinado. O diretor Carlos Urroz, também responsável pela ARCOMadrid ambiciona “converter Lisboa numa referência do calendário internacional, que faça galerias, colecionadores e diretores de museu virem a Lisboa tal como, há 35 anos, vão a Madrid”. O trunfo da “marca ARCO”, referido por muitos galeristas, fez mesmo a diferença.
“Há um feedback de euforia e satisfação de galerias nacionais e estrangeiras. Uma sensação de que a ARCOLisboa voltou a trazer o glamour da arte para o contexto de Portugal”, declara Nuno Centeno. O corresponsável da Galeria Múrias Centeno e membro do comité organizador da feira não adianta números concretos, mas assegura que houve muitas vendas: “Artistas nacionais a meio da carreira e outros mais conhecidos, mas também nomes já no circuito internacional.”
Mais do que um negócio
A Cordoaria Nacional encheu-se de obras de portugueses, repetidos em várias galerias, incluindo estrangeiras. A histórica galeria Juana de Aizpuru, cuja responsável foi a primeira diretora da ARCOMadrid, mostrava trabalhos de Pedro Cabrita Reis. A Horrach Moya, sediada em Palma de Maiorca, teve peças de Joana Vasconcelos, e escolheu Vasco Araújo para “Artista Destacado”. Na Christopher Grimes, era impossível ignorar a enorme instalação arquitetural de Carlos Bunga. Único galerista norte-americano nas 45 galerias convidadas, Christopher Grimes diz-se um “corredor de fundo”. Há 38 anos no circuito das feiras de arte, há 22 que marca presença na ARCOMadrid.
“Estava otimista com o potencial da ARCOLisboa, dado a organização ser assegurada pela ARCO. O mundo da arte está muito dominado pelo mercado, mas o que nos faz ir a Madrid é que, ali, fala-se mesmo de arte. E devo dizer que fiquei impressionado com a paixão e sinceridade dos colecionadores que conheci aqui em Lisboa”, declara à VISÃO. E vendeu a colecionadores, “um particular e um institucional”, duas obras recentes de Bunga. Dessa marca Madrid, parece indissociável o nome de Carlos Urroz, “um excelente diretor com um network fantástico”, define Isabel Carlos, ex-diretora do CAM – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian – que referiu à VISÃO ter gostado de ver “muitas obras novas” na Cordoaria e não “restos do circuito internacional”.
Um colecionador com paixão? António Cachola, distinguido com o prémio “A” al Colecionismo na última ARCOMadrid, adquiriu, numa galeria estrangeira, uma obra de um português para integrar na sua coleção, no MACE – Museu de Arte Contemporânea de Elvas.
“A marca ARCO é importante e devemos aproveitá-la. Hoje, as boas marcas são globais”, lembra, defendendo que a “internacionalização tem de ter dois sentidos”. Também por isso, a ARCO convidou cerca de uma centena de figuras do meio – nem todas vieram, afinal a gigante Art Basel, em Basileia, acontece daqui a duas semanas…
“Os colecionadores que vieram à ARCOLisboa, vieram também porque lhes interessavam as obras de galerias que já conhecem. O público desta feira não são os colecionadores que só compram Picassos, ou obras que custam 50 milhões de dólares num leilão”, sublinha Urroz. E o diretor não descartou, por exemplo, os turistas e expatriados: “O êxito da ARCOLisboa depende dos colecionadores, dos artistas, e de um novo público potencial para as galerias.” Lisboa está na moda, e isso sentiu-se na ARCOLisboa. Alda Galsterer e Fernando Belo, responsáveis da Galeria Belo-Galsterer, venderam várias fotografias de Mário Macilau (entre €2 mil e €3500) a colecionadores estrangeiros e têm mais obras reservadas. Contactaram com este novo público: “Pessoas que adquiriram segundas residências em Portugal, que se constituem como novos colecionadores, e que abrem uma perspetiva nova, alterando a lógica anterior.” O retrato-robô, referido por muitos galeristas, ecoava na Cordoaria: espanhóis, franceses, belgas, brasileiros (alguns italianos e colombianos). Cerca de 70 colecionadores que compraram obras de, entre muitos outros nomes, João Louro (três obras adquiridas na Galeria Cristina Guerra), Pedro Calapez, Pedro Cabrita Reis (nomeadamente os desenhos da série original Cactus Suite, na Galeria João Esteves Oliveira). E a elogiada instalação de Francisco Tropa, Um aparelho que se desloca à velocidade de uma corrente submarina (2014), foi vendida a uma coleção privada espanhola por €11 mil, conta Gustavo Carneiro, da Quadrado Azul – espaço que deu nas vistas com a sua parede inclinada. Muitos artistas manifestaram interesse em trabalhar com a galeria, conta Carneiro: “Um feedback não negocial importante.”
“Temos que ver a feira como uma oportunidade de qualidade, não apenas de negócio. É um espelho do nosso trabalho que pode ser um trampolim para exposições, para ao meio global…”, acrescenta. Houve outros sucessos curiosos na ARCOLisboa: um casamento brasileiro que aproveitou a feira. Ou o regresso a Portugal, onde a família tinha investimentos antes do 25 de Abril, da prestigiada colecionadora belga Galila Barzilai Hollander, que construiu uma gigantesca coleção, invejada por museus, com o marido já desaparecido – e que, tantas décadas passadas, foi todos os dias à feira.

Alberto Frias
“Paredes brancas para preencher”
A examinar Blind Image #87B, de João Louro, artista que reconheceram da ARCOMadrid, os belgas Didier e Catherine Eechaudt, assumiram-se à VISÃO como “compradores por gosto”, e reconhecem-se no retrato de estrangeiros atentos à Lisboa-na-moda. “Ficámos encantados pela qualidade das galerias e das obras apresentadas”, concluirão dias depois, já proprietários de obras de Isaque Pinheiro e de Francisco Tropa. Patrícia Pires de Lima, consultora de arte que trabalhou com a Galeria Gagosian e a leiloeira Christie’s, conhece esta realidade: os clientes da Mostra, plataforma e galeria online dedicada à arte emergente, também incluem estes novos turistas.
“Essas pessoas têm paredes brancas para preencher”, diz, descontraidamente. “Estamos a viver um momento de enorme criatividade, com os artistas a não terem medo de arriscar” – um “momento-Berlim”, acredita. Por isso, lamenta que a 4ª edição da Mostra em formato feira, em que 98 artistas emergentes e consagrados ocuparam um edifício na zona portuária de Lisboa, ocorrida nos mesmos dias da ARCOLisboa, não tenha merecido atenção mediática, “ao contrário do que que acontece na ARCOMadrid, em que há outras feiras associadas”. Mas, conta, alguns colecionadores da ARCOLisboa passaram por lá.
Na ARCOLisboa, os compradores foram “maioritariamente privados”, diz Nuno Centeno. A Câmara Municipal de Lisboa cumpriu o anunciado: o fundo destinado a arte contemporânea, no valor de €200 mil euros, foi usado para adquirir sete obras. Mas faltaram as compras de museus, por exemplo. O garrote orçamental dos últimos anos terá ajudado. Fernando Nogueira, diretor da Fundação Millennium BCP, confirmou que não havia compras previstas na ARCOLisboa para aumentar a coleção institucional com cerca de cinco mil obras: a “contração económica dos últimos anos” não permite “um mecenato de aquisição sistemática”. “Temos apoiado os artistas de outro modo”, sublinha este responsável, “não havendo dinheiro disponível, ainda é possível apoiar o tecido artístico porque, para manter a cultura viva, é preciso apoiar os artistas que estão a produzir”, defende.
A realidade alterou-se nos últimos anos, depois da crise que também afetou o mercado da arte – ou não tanto assim, dizem alguns. Julião Sarmento, artista com fortíssima presença internacional, não hesita em classificar esse período de estagnação como “um tiro na cabeça”. “Há uma grande diferença entre dizer que o mercado da arte contemporânea é uma boa aposta – porque é – e tal ter efetivamente acontecido – e isso não aconteceu. Foi um desastre. A ARCOLisboa foi positiva, trouxe pessoas novas ao meio, mas não sei se é a salvação. Esperemos que sim, mas eu não acredito em salvações instantâneas”, diz. O galerista João Esteves Oliveira viu o seu stand da ARCOLisboa sempre cheio – e vendeu muito. “O mercado estava anémico, e a feira vai certamente ser um catalisador que pode alavancar o meio”, diz.

Alberto Frias
Lisboa, nova Berlim?
“Iniciativas como a ARCOLisboa são sempre positivas porque aguçam os sentidos das pessoas. Mas não creio que vivêssemos na época das trevas nem que estejamos agora a chegar ao Iluminismo…”, declara Pedro Alfacinha, que abriu uma galeria em nome próprio há perto de dois anos, com sucesso, apesar de “os mais estabelecidos gostarem de dar a ideia de que tudo está uma grande desgraça”. “A realidade é que o mercado é muito pequeno”, diz. Alfacinha não se revê na “época dourada do turismo”: “Esse tipo de movimentos urbanos não são, de todo, propícios à existência de uma cena artística efervescente.” Acha mesmo que “a cidade já tropeçou no seu próprio embalo”. Várias vozes falam de Lisboa como a “nova Berlim”: “Berlim desenvolveu-se por causa da economia: era acessível aos artistas viverem lá, e isso fez crescer a cena artística, tal como aconteceu em Los Angeles”, refere Christopher Grimes. “A comparação entre Lisboa e Berlim pode ter alguma razão”, acrescenta, “em ambas as cidades não se tem a pressão do mercado com colecionadores e instituições fortes constantemente a comprar, e isso cria uma maior liberdade no meio artístico.” O inglês Jason Martin, que tinha um quadro de pigmento sobre alumínio à venda por €110 mil na ARCOLisboa, na Galeria Mário Sequeira, divide-se entre Londres e Lisboa desde 2009, tendo atelier no Alentejo. Foram as rendas baratas que o atraíram, mas também o “estilo de vida com mais integridade”: “Entre a qualidade de vida e as benesses do mercado, Portugal domina na primeira.”
Miguel Amado, curador com carreira internacional na última década (nomeadamente foi comissário da Tate St. Yves, em Inglaterra) considera que “não deixa de ser curioso, ou sintomático, que a ARCO, no passado, tenha tido oportunidade ou vontade de internacionalizar para a América Latina ou Miami e não o tenha conseguido fazer; e que, ao contrário de outros setores, como a banca, esta espanholização não tenha suscitado resistência.”
Esse objetivo de chegada à América Latina pode ser atingido na ARCOLisboa 2017, já anunciada com uma forte ligação à Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura 2017. “Para o ano, teremos certamente o dobro dos visitantes”, acredita Nuno Centeno. “A única forma de aumentar o interesse pela ARCOLisboa é não tentar competir com as feiras das capitais artísticas, mas estabelecer-se como plataforma das relações Norte-Sul, expandindo o foco habitual da ARCO na América Latina para outras realidades artísticas (e até económicas) do Sul Global, como partes de África, do Médio Oriente e da Ásia. Esta identidade, assente não em visões romantizadas da História, mas em condições geopolíticas atuais, é o que poderá fazer da ARCO (Madrid/Lisboa), um evento relevante internacionalmente”, defende Miguel Amado. É uma opinião ecoada por Alda Galsterer e Fernando Belo: “Lisboa tem a mais-valia de ser uma plataforma para chegar a África, algo que não se pode fazer a partir de Madrid.”
(Artigo publicado na VISÃO 1213 de 2 de jungo de 2016)