No lado direito do palco, há um contador eletrónico cujos números cintilantes começam no 75, encolhendo à medida que o público assiste à representação de gente a ser esfaqueada, degolada, envenenada, estraçalhada às mãos de uma turba enfurecida ou mordida por uma serpente. Um festim sanguinolento digno, diga-se, do chamado episódio do Casamento Vermelho na Guerra dos Tronos, série que, até ao 50º episódio só somou 61 mortes. O recorde de assassinatos pertence, pois, a William Shakespeare (1564-1616), o dramaturgo inglês nascido em Stratford-upon-Avon, de quem se celebram, em 2016, os 400 anos da morte, com uma programação vasta, incluindo encenações teatrais mais canónicas.
Homenagear o autor de Romeu e Julieta ou O Mercador de Veneza, é também o ponto de partida da companhia de clowns Spymonkey. Com uma variante: este quarteto de atores britânicos, especializado em teatro físico e dirigido pelo encenador Tim Crouch, não quer saber de amores contrariados ou histórias exemplares – apenas das mortes-matadas-morridas, das personagens despachados para o purgatório ou para outras paisagens terminais. Descrita pelo grupo como “um tributo solene, sombrio e deveras cómico”, a peça The Complete Deaths é shakesperiana até à medula: encapsula as 75 mortes de personagens descritas em 37 peças de teatro, escritas por Shakespeare – incluindo o assassinato de uma mosca em Titus Andronicus.
Diga-se que o repertório é vasto: o bardo não poupou nas emoções fortes e descreveu 24 esfaqueamentos, 12 lutas com espadas, 12 suicídios, cinco envenenamentos, quatro mortes em razão de ferimentos, três linchamentos, dois degolamentos, dois espancamentos e uma morte por sufocamento. De fora desta contabilidade mortífera, ficam ainda os óbitos não observados diretamente em palco. Cleopatra morre mordida por uma serpente, a grande maioria dos personagens falece em lutas mais convencionais ou em intrigas palacianas.
Duas horas de espetáculo para criar este cemitério teatral, foi o desafio dos Spymonkey. Tempo a mais se pensarmos no sucesso de outra compilação teatral anteriormente apresentada em Portugal: a peça As Obras completas de William Shakespeare em 97 minutos, que manteve-se em cena, durante quinze anos (entre 1996 e 2011), no Teatro-Estúdio Mário Viegas, em Lisboa. Mas havia menos sangue a fingir no palco…
Apesar da inclinação macabra, The Complete Deaths assume-se como comédia. Quem quiser tirar a limpo esta premissa, terá, no entanto, que apanhar um avião: a peça estará em digressão por várias cidades inglesas até 11 de dezembro.