Dizia-se um «iconoclasta», «um destruidor de templos», e, mesmo tendo uma educação católica, «um ateu praticante». A sua morte, aos 82 anos, não interromperá, no entanto, aquele que será o seu último filme, Axilas (ainda em fase de rodagem), com guião em colaboração com o argumentista Mário Botequilha, baseado num conto homónimo do brasileiro Rubem Fonseca.
Mário Botequilha travou conhecimento com ambos os Fonsecas na mesma ocasião. O realizador entrou em contacto com ele, depois ter ter assistido, no ano passado, à sua peça Al Pantalone, no Teatro Meridional. E foi, por sua vez, Fonseca e Costa que o levou a conhecer um escritor brasileiro que nunca tinha lido. Estava, conta Mário Botequilha, particularmemente interessado num pequeno conto, de oito a dez páginas, para dar continuidade a uma ideia sua. «O guião parte de uma ideia do próprio Fonseca e Costa e entronca depois no conto de Rubem da Fonseca». É uma comédia, registo que Fonseca e Costa já tinha abordado em Kilas, o Mau da Fita (1980) ou mesmo em Viúva Rica Solteira Não Fica (2006), e conta a história da obsessão de um homem (Lázaro de Jesus) por uma mulher violinista que toca numa orquestra, e ao mesmo tempo, tal como em Kilas, é uma homenagem a uma certa Lisboa e suas figuras mais populares. Conta no elenco com Pedro Lacerda e Margarida Marinho.
Apesar da doença que já o debilitava, Mário Botequilha nunca encontrou em José Fonseca e Costa um homem vencido. Pelo contrário, sempre afável e conversador. “Uma história desencadeava sempre outra, em que podiam figurar personagens como Alexandre O’Neill ou Amália…”. Conversaram muito, histórias antigas, do Estado Novo, de quando ele esteve preso. “O ambiente durante o processo de escrita nunca foi melancólico”. Pelo contrário: “Ele mantinha intacta a capacidade intelectual, a criatividade e a cultura”. Tinha a fama de rezingão, “mas não o apanhei nessa fase”. No trabalho era calmo e tranquilo, mas reclamava sempre contra o que o indignava, contra a situação política atual. «Foi um prazer trabalhar com ele, passávamos longas horas a conversar, ele era divertido, dizia piadas…»
Dois terços do filme foram rodados, mas as filmagens tiveram de ser interrompidas, em virtude do estado de saúde do realizador. Mas o produtor Paulo Branco garante que todo o trabalho pode ser recuperável e o filme montado e exibido. Até porque Fonseca e Costa deu indicações nesse sentido.
«Filho de Angola» de quarta geração, cresceu no Huambo, com os horizontes largos de paisagem – vivia no paraíso, num espaço aberto, sem barreiras, sem problemas de origem social e racial – e a cabeça povoada de imagens dos filmes que viu; foi então que percebeu que cinema era descoberta da luz, da vida e da liberdade.
Foi com estas ideias que chegou, aos 11 anos, a uma Lisboa triste, apertada e suja (como relata no texto autobiográfico inédito revelado pela Visão na próxima edição). Não gostou nada disto, mas foi ficando. Assim como o amor pelo cinema e o amor pela liberdade – que parecia colocar ao mesmo nível.
Foi preso pela primeira vez em 1957, impedido de trabalhar na RTP, tentou realizar o Anjo Ancorado de Cardoso Pires, mas «o projecto ancorou» por falta de apoios: «Salazar odiava cinema». Depois de ter trabalhado com Antonioni em Itália, regressou, dizia, «à degradação». Voltou a ser preso, aproximou-se e afastou-se do PCP. Mas não muito. Foi ele um dos autores da obra colectiva O Povo e as Armas, que apanham as primeiras imagens do 1º de Maio de 1974. Ele instalou um palanque mesmo junto à tribuna onde Álvaro Cunhal e Mário Soares iam discursar pela primeira vez e captou a célebre imagem do histórico comunista entre o soldado e o marinheiro. Décadas depois, em 1996, foi a ele que Álvaro Cunhal cedeu o direitos da novela 5 Dias, 5 Noites. Paulo Pires, na altura modelo, foi uma descoberta sua. Viu-o num programa de televisão, e escolheu-o para protagonista. A carreira de ator de Paulo Pires começou aqui e não parou mais.