Em Portugal, são inúmeros os fãs de séries como The Killing ou Guerra dos Tronos. Mas poucos saberão que têm um dedo português. Aos 34 anos, Filipe Carvalho é dos designers responsáveis pelos genéricos de algumas das mais populares séries e filmes da atualidade. Tudo começou em 2008, quando Filipe Carvalho, então já um web designer de sucesso nos meios publicitários nacionais, começou a apostar no chamado motion design, ou “a pôr o design em movimento”, como o próprio explica. “Comecei, de forma autodidata, a fazer web design por volta dos 18 anos, quando acabei o 12.º ano. Iniciei-me como júnior e, na última agência onde estive, já era diretor criativo. Foi então que decidi começar a abrir espaço, dentro dessa agência, para o motion design”, recorda.
Na altura, esta era uma área pouco explorada em Portugal, limitada aos principais canais de televisão. “Apercebi-me de que gostava mesmo era de contar histórias. E o motion design era a melhor forma de o fazer, porque me dava a possibilidade de impor ritmo, de misturar filmagens, efeitos especiais e fotografia”, conta. Fã incondicional de cinema e de séries televisivas, foram estas que lhes serviram de inspiração para os primeiros trabalhos. A agência onde então trabalhava tinha como clientes a Fundação Gulbenkian e a Partex (a companhia petrolífera que pertence à fundação), para quem realizou dois filmes institucionais que serviram de ensaio para o que viria a fazer no futuro. “Tive total liberdade e foi através desses filmes que descobri muita coisa, a nível técnico e conceptual.” E percebeu que tinha encontrado finalmente o seu caminho. Pelo meio, ia devorando séries e filmes. Ou melhor, genéricos: “Havia alguns heróis do design para Tv que, de certa forma, eu tentava emular. Identificava quais os processos criativos deles a partir dos genéricos e depois desconstruía tudo à minha maneira, para tentar perceber como se chegava àquelas soluções.”
No início, focava-se apenas na técnica. Só depois avançou para a parte conceptual. ?”É o mais importante, porque não podemos ter ideias se não as soubermos concretizar”, sublinha Filipe Carvalho que, hoje, apenas se dedica à parte criativa. “Já não faço quase nada em termos técnicos, apenas crio os conceitos e depois alguém executa.”
Um filme fictício
Foram esses primeiros filmes que o português enviou, por e-mail, para a Digital Kitchen, o estúdio responsável pelos genéricos de séries como Dexter ou Sete Palmos de Terra, entre outros. Na altura, trabalhava já na produtora Até Ao Fim do Mundo, onde se mantém. “Basicamente disse-lhes: ‘Sou português, faço estas coisas e gostava de trabalhar convosco’. E eles disseram que sim. Foi uma surpresa, porque nem sequer contava que respondessem…” Com a resposta veio também uma proposta de trabalho: um projeto para a Microsoft, envolvendo uma equipa de dezenas de pessoas, em todo o mundo.
Três anos depois, já trabalhava com regularidade para muitos estúdios norte-americanos, propondo genéricos para séries ou ajudando a melhorar a imagem de canais como a FOX ou o TNT. Mas Filipe Carvalho queria mais. O seu objetivo era chegar ao cinema, um mercado muito fechado. Mais uma vez, resolveu arriscar. “Durante o dia continuava com o meu trabalho normal mas as minhas noites, durante alguns meses, foram passadas a criar o projeto The Architect.” Construiu o genérico de um filme fictício, com um elenco de luxo com nomes como Kevin Spacey, Philip Seymour Hoffman e Javier Bardem, com produção de George Clooney e Steven Soderbergh, Gus Van Sant como argumentista e David Fincher a realizar. “Inventei a história e decidi colocar os nomes de todos os atores e técnicos que admiro. Filmei, editei e enviei para Angus Wall, diretor do Elastic, o estúdio que trabalha com David Fincher”. A resposta, mais uma vez, não demorou – e chegou com um toque de humor: “Gostei muito, mas nunca na vida vais conseguir reunir esta gente toda no mesmo filme.” Angus Wall passou o contacto do português aos responsáveis do estúdio, e ele começou de imediato a colaborar nos filmes Thor e The Amazing Spider-Man 2.
De Lisboa rumo ao Cosmos
O processo de trabalho é simples: os estúdios enviam-lhe um episódio piloto ou um guião e Filipe Carvalho cria “um conceito visual”, que pode ou não ser aceite, mas é sempre pago. The Killing, Leftovers, Extant ou Game of Thrones foram algumas das séries para as quais já trabalhou, como pode ser visto no seu site pessoal (randomthoughtpattern.com). “Gostam de ter várias propostas, para terem escolha. É perfeito para eles e perfeito para mim.” Os estúdios apreciam o seu “olhar europeu”. Algumas das suas ideias são depois adaptadas mas outras são usadas tal e qual as concebeu, como sucedeu na série documental Cosmos: A Spacetime Odyssey, uma continuação do original de Carl Sagan. “Foi fantástico porque sou um enorme fã de Carl Sagan desde miúdo e quando me contactaram disseram especificamente não se tratar de um concurso. Queriam mesmo que fosse eu a fazer e havia todas as condições para criar algo em grande.” O conceito do programa consiste numa viagem do grande cosmos do universo até aos diversos microcosmos da vida e era preciso passar isso no genérico. “Consegui criar uma justaposição de imagens que, de uma forma muito metafórica, fazia passar essa ideia. A série foi um sucesso e a nomeação para o Emmy ajudou muito”, reconhece. A partir daí, o designer tornou-se, ele próprio, numa espécie de estrela. Na próxima semana, por exemplo, será o primeiro português a subir ao palco principal do OFFF, em Barcelona, um dos maiores festivais de criativos do mundo, onde dará uma conferência, a 29 de maio. E pensar que tudo começou com um simples e-mail.
O próximo passo, revela, passa por dar o salto para a realização. “Já faço toda a parte conceptual, de fotografia, som e filmagem, só me falta mesmo realizar”. Está agora a escrever uma curta-metragem mas também quer viajar mais para os EUA. “Até agora, propunha as ideias e a produção era feita pelos estúdios, mas pretendo começar a acompanhar todo o processo”. Se um pé já está em Hollywood, é caso para dizer que o resto vai a caminho…