Hannah Arendt é uma figura central no pensamento filosófico do século XX. Tão genial como controversa, as suas ideias geraram polémica, debate e insultos, sobretudo pela sua coragem em abordar friamente um tema tão delicado como o holocausto e, mais concretamente, o estudo do caráter dos seus executores, para chegar ao conceito da banalidade do mal. Apesar de se situar ao nível do pensamento, que é algo impossível de filmar, o enorme alarido provocado em torno do artigo publicado na New Yorker, em que tece considerações a partir do julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, é matéria cinematográfica suficientemente forte. O pensamento de Hannah Arendt neste domínio tem duas ideias marcantes: aquele homem, expectavelmente um monstro maldoso, é afinal uma nulidade, a negação da própria natureza humana, que cumpria ordens sem as questionar. Arendt avançou com a tese de que nazis com Eichmann simplesmente abdicaram de ter ideias próprias. Não faz isso com o intuito de desculpar, perante o tribunal, os seus atos, mas para chegar ao conceito de banalidade do mal, que é um conceito mais assustador ainda do que a maldade com o rosto, e assim defender a importância extrema do pensamento como ato solitário (como lhe descreveu Heidegger) que, por si só, pode salvar o mundo. Tal ideia é pertinente nos nossos dias, se pensarmos, por exemplo, na fácil manipulação dos bombistas suicidas, que se dispõem a morrer matando tão só porque abdicam de pensar. A segunda ideia, ainda mais controversa no tempo, é que se os judeus tivessem oferecido resistência organizada à investida nazi o resultado, porventura, teria sido menos horripilante. Desta forma, culpa indiretamente o papel dos líderes judaicos. Obviamente que é uma acusação demasiado forte para passar impune. Mas é verdade que, mais uma vez, se torna pertinente para o presente e para o futuro, questionando os limites da passividade (ou do pacifismo), que não é necessariamente confundível com covardia. O que mais interessa no filme são estas linhas de pensamento, tão bem expostas no discurso de oito minutos próximo do final, brilhantemente interpretado pela experiente Barbara Sukova. Arendt combate a banalidade do mal, sinónimo de abdicação de pensar, pensando. E sobretudo com a coragem de não abdicar de expor a sua linha de raciocínio apenas porque tal poderia ferir (e feriu amplamente) a sensibilidade da comunidade agredida. Contudo, Margarethe Von Trotta, uma das mais conceituadas realizadoras alemãs, considerou que seria impossível fazer um filme sem dar o lado humano de Arendt. O que é importante para desfazer o mito de que a filósofa era fria, arrogante, determinada e insensível. Assim, entra pela sua vida privada. Dá ênfase, em sucessivas analepses, à sua relação amante e pupila como Martin Heidegger, às ligações com o marido e com os amigos, mostra-a a rir e a chorar. Mas essa necessidade de contrariar a fama fria de Arendt leva-a também a alguns exageros e falhas de subtileza, como, quando à mesa de um jogo de snooker, Mary McCarty lhe pergunta se Heidegger foi o grande amor da sua vida. É um choque térmico. Quando o alto pensamento filosófico desce ao quotidiano telenovelístico. Em traços gerais, a Hannah Arendt de Von Trotta e Barbara Sukova é uma personagem de grande densidade, incompreendida e imponente, mas ao mesmo tempo sensível. Como quando pede um beijo de despedida ao marido e diz-lhe: “Sem isto não consigo pensar”. Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta, comBarbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, 113 min
Hannah Arendt PENSO LOGO RESISTO
O pensamento de Hannah Arendt chega ao cinema. Mas o desafio da realizadora é descobrir as emoções entre a frieza das ideias
Mais na Visão
Parceria TIN/Público
A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites