Mas então? Quando é que aparecem os romenos? Damos por nós a pensar, lá para meio do filme, tal a forma como o novo cinema romeno, que tantos prémios e projeção tem ganho, nos habituou a uma espécie de realismo exótico. O verdadeiro romeno é aquele que grita e esperneia, é pobre e genuíno, lida bem com os seus dramas e sabe rir-se de si próprio. Isto, pensávamos nós. Mas este romeno tão caricato e característico nunca chega a aparecer no filme de Radu Muntean, nem sequer como figurante, numa cena secundária, num descuido da câmara. O que nós vemos é uma burguesia europeia, estilizada e globalizada, consumista por natureza, que compra pinheiros de natal da Dinamarca e pranchas de ski da Áustria, guia bons carros, usa telemóveis da última geração e marca férias no estrangeiro. Pois é, a Roménia é um país da União Europeia, um dos mais pobres e dos últimos a entrar, é certo, mas europeu e, como tal, não deixa de ter os tiques de uma classe média-alta em ascensão.
Misteriosamente, até agora, o tão falado cinema romeno não nos tinha mostrado nada disto. Mas ao optar por filmar a burguesia, Radu Muntean corre enormes riscos. Parte do cinema francês tem esse problema. Tende a tornar-se enfadonho porque a burguesia francesa é tendencialmente enfadonha, sem drama, com problemas desinteressantes. A burguesia romena é tão enfadonha como as restantes burguesias europeias.
Assim, Terça, depois do Natal conta uma história de caráter universal/ocidental, de empatia fácil, desfazendo aquela distância a que nos habituámos a colocar, como quem diz: “Estes romenos são mesmo patuscos” (e até parecidos connosco, acrescento). Muntean mantém algo da abordagem típica do novo cinema romeno, que tem a ver com uma particular noção do tempo e uma forma de filmar que aprende com o documentário, é por isso que o filme não acaba. Só que aqui o âmbito é radicalmente diferente. Terça, depois do Natal conta uma história de amor e drama, com um realismo envolvente. Um marido, uma mulher, uma amante. Uma paixão descontrolada, uma confissão desastrosa. A estranha natureza do amor sem faca nem alguidar, nem exposição ensaística ou debate ideológico, fugindo, ainda assim, aos lugares comuns do cinema ocidental do género. Personagens que derivam e divergem e se complicam sem razão aparente. Precipícios artificialmente criados que são luxos de vidas desafogadas, numa Roménia pós-moderna, a milhas de distância da ditadura de Ceausescu e da euforia pós-revolucionária. Uma Roménia com dramas de gente mais que remediada, até porque a infidelidade, já se sabe, é uma temática tipicamente burguesa.