<#comment comment=”[if gte mso 9]> Normal 0 false false false MicrosoftInternetExplorer4 <#comment comment=”[if gte mso 9]> <#comment comment=”[if gte mso 10]> Foi um dos obreiros da
Nouvelle Vague e da inovadora crítica cinematográfica nos
Cahiers du Cinema, juntamente com Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais e Eric Rohmer. No entanto, Claude Chabrol sempre trilhou um caminho, ainda que maus ‘mainstream’, sublinhando os vários contornos do charme pouco discreto da burguesia. Mesmo assim sem deixar de ser menos coerente ou fértil.
Claude Chabrol nasceu em Paris, a 24 de junho de 1930, no seio de uma família de farmacêuticos. Começou mesmo por seguir o trilho familiar e depois literatura francesa, já a seguir à II Guerra Mundial, mas seria no início de uma colaboração com os Cahiers que descobriu no cinema a paixão da sua vida. Em todo o caso, só em 1958 conheceria o gosto da fama, ao estrear-se com Le Beau Serge, o filme que venceria o Festival de Locarno. Um ano depois, com Les Cousins, triunfava em Berlim. O seu filme de estreia chegou também a estar programado para Cannes, embora fosse depois substituído por outro, o que o levou a dizer: “Cannes nunca mais!”.
Aos 80 anos, Chabrol, o cineasta do fait-divers, deixou-nos. Ele que era da mesma idade que Godard, tinha menos oito anos que Resnais, 10 que Rohmer e 22 que o rejuvenescido Oliveira. O seu cinema, contudo, permanece bem vivo ao longo de bem mais de meia centena de longas metragens.
Tivemos oportunidade de entrevistar Chabrol durante a promoção dos seus últimos três filmes, mas seria a propósito de A rapariga cortada em dois – o seu penúltimo filme – que nos encontrámos com o velho Chabrol, em Paris, nos encontros anuais da Unifrance que junta no Grand Hotel a imprensa internacional e os talentos representados pelo colosso do cinema francês. Optámos, de comum acordo, dispensar o tradutor, e assim criar uma saborosa empatia com o autor. Pouco mais de ano e meio antes da sua morte, recordamos um Chabrol sem óculos que cavaqueou animadamente sobre a virtude do seu cinema, sobre o desaparecimento das mulheres fatais, riu como um garoto dos gostos pessoais e revelou até uma história jocosa, no mínimo, picaresca (diríamos picante!), sobre Manoel de Oliveira. Enfim, uma recordação bem disposta de um autor que esteve sempre bem com a vida.
Paulo Portugal, em Paris
JL: O que se passa com os seus óculos? Já não os usa?
Claude Chabrol: Não uso. Fiz uma operação aos olhos, há mais de 10 anos, e já não preciso deles.
E para ver ao perto, para ler, não precisa deles?
Para ler não, não tenho qualquer problema. Apenas preciso de óculos para poucas coisas: para conduzir e, eventualmente, ver televisão, devido à intensidade da fonte luminosa. Quase parece uma coisa do dr. Mengele…
E acha que essa ausência de óculos alterou a sua visão do mundo, do cinema?
Acho que teve o seu papel. Sempre fui míope, tive os meus primeiros óculos por volta dos seis anos. Entretanto fiz duas operações, com um intervalo de seis meses. O curioso foi que desde o primeiro dia depois da operação, e pela primeira vez na minha vida, fiz a barba sem óculos. Pensei logo que isso iria mudar a minha forma de filmar. Acabou por não mudar muito, a não ser não necessitar de me aproximar tanto da ação (risos).
Será por isso que os seus filmes passaram a ser um pouco mais estilizados?
Deve ser por isso mesmo! Acho que essa será seguramente uma das razões.
Está contente com a carreira em França do filme A Rapariga Cortada em Dois?
Correu bastante bem. Vendemos quase um milhão de bilhetes.
Inspira-se muito em faits divers. O que o inspirou desta vez?
É verdade que me inspiro muito em fait divers. E explico porquê. É uma realidade que se passou mesmo, ainda que possa parecer pouco provável. Procuro uma história que possa funcionar para a poder contar. Esta foi quase ao acaso. Revi o filme do Fleischer (The Girl in the Red Velvet Swing/A Rapariga do Baloiço Vermelho, 1955) e pensei que não necessitava de procurar muito mais. Reli as memórias de Evelyn Nesbit e percebi que o comportamento dos burgueses de Lyon não era muito diferente dos burgueses do final do século anterior.
Foi por isso que filmou em Lyon?
Sim, embora o (Bertrand) Tavernier me tivesse dito que Lyon era uma cidade para mim. Tem boa luz, bons cenários naturais, come-se bem, o que é fundamental. Enfim, se eu filmasse em Lyon teria sempre de lá voltar.
Por falar em cidades, encontrou essas mesmas características para o pedaço que filmou em Lisboa?
Não. Lisboa não era a minha escolha. A ideia inicial era filmar no Lago Como, em Itália. Mas desde que o George Clooney comprou lá uma casa tornou-se caríssimo. Por essa razão abandonámos a ideia. Foi então que pensei em Lisboa, uma cidade pouco utilizada em filmes, com a exceção talvez dos portugueses.
A possibilidade de trabalhar com Eduardo Serra terá também influenciado a sua escolha?
Claro, o Eduardo encorajou muito a minha escolha. Por isso mesmo tivemos também maiores facilidades. Não tanto facilidades financeiras, mas de organização. Pensei também que a cidade correspondia a esse ambiente.
Acha que é um filme sobre a impossibilidade de mudança de classe social?
Penso que não. Acho que podemos perfeitamente mudar de classe social. Para mim, a ideia principal era a de uma rapariga que sofre todos os dias na TV para ser famosa. Encontrei o título rapidamente, o que me ajudou a avançar.
Sente que mudou muito a imagem da mulher fatal desde os anos 60, 70?
Sim, chegámos ao fim de uma civilização e início de uma outra. A internet e outras coisas que mudam muito. Essa história da mulher fatal já não existe. A internet matou-a. Hoje estamos num sofá e vemos chegar uma mulher que desejamos ou admiramos. Mas já não nos leva à perdição.
Isso significa também que alterou a sua escolha de atrizes para os papéis principais?
Acredito no homem fraco e não propriamente na mulher fatal. No limite, os gostos alteraram-se antes da guerra. Hoje a Greta Garbo só faria rir. Mesmo a Marilyn não seria credível. Os gostos transformaram-se e ainda bem. Gosto de mostrar isso. Ainda por cima sou muito protegido pelos meus filhos e netos, que me impedem de fazer borrada. São os primeiros críticos.
Pede-lhes sempre a opinião?
Sempre. De pessoas de 20 anos tem de se esperar honestidade intelectual.
De resto, costuma preferir os jovens nos seus filmes…
Os jovens dão-nos ainda algumas esperanças. As gerações passadas, menos. Veja bem, o Gasperd (Ulliel) é um bravo ator, embora nunca tenha tido interesse em ser ator principal. A ele interessa-lhe muito mais a descoberta e a procura. E creio que iremos ter uma geração ainda mais surpreendente – a que tem hoje entre quatro e oito anos. Eles têm uma grande vivacidade e rapidez a mergulhar na vida atual, a internet para eles é uma brincadeira. Tudo isso é muito interessante. Um dos meus netos, quando tinha dois anos e meio e eu lhe perguntava que idade tinha, refletia um pouco e respondia: “Podemos dizer que tenho três anos”. Tenho grande confiança neles.
Será que é por o poder já não pertencer tanto aos velhos?
Talvez, mas nunca acreditei muito no poder. Os mais velhos acham que têm sabedoria, mas isso só existe se tiver eco. É um pouco como a internet: encontramos muita coisa, mas não sabemos exatamente o que é verdadeiro. São as informações possíveis, mas não necessariamente a verdade.
Para si, a experiência é uma forma de felicidade?
Alguém disse que a experiência era uma memória dos nossos erros…
O prazer do cinema é algo que renova ao longo dos anos? Faz cinema agora pelas mesmas razões do que no passado?
Não pelas mesmas razões, por isso é que continuo. No início, tinha sempre uma certa apreensão de não conseguir aquilo que queria; agora, não é que tenha uma louca pretensão – embora no limite me esteja nas tintas -, mas quero comprovar o prazer de contar o que acabo de contar, que me parece capital para a evolução da Humanidade, e quero fazê-lo com uma liberdade total e com as pessoas que gosto. Se não o fizesse teria de me reformar. Isso nem a brincar.
O Claude disse uma vez algo mais ou menos assim: “É preciso filmar não importa o quê, não importa como”. É sempre assim?
Durante muito tempo tive a impressão de que filmava qualquer coisa. Mas apercebi-me que, na realidade, não filmo propriamente de qualquer maneira, mas de uma forma determinada. Sei o que quero mostrar e é isso o que faço, um pouco de uma forma rosseliniana. E uma vez que está filmado passo a outra coisa. Isso é como subir um degrau. Na minha idade não me vou preocupar com o pormenor do vaso se está bem colocado ou não. Não quero saber.
No entanto, com a sua idade trabalha imenso. Faz mais ou menos um filme por ano, não é?
Construí uma reputação de preguiçoso. E isso continua ainda hoje. Digamos que filmo como um preguiçoso, mas não de forma preguiçosa… (risos) Um argumentista meu amigo disse-me um dia: “Se te fizeres passar por um bom ‘gourmet’, comerás bem durante toda a tua vida, pois ninguém ousará a servir-te qualquer coisa. Isso é verdade. É formidável. Eu digo que gosto disto e daquilo e quando vou a um restaurante servem-me sempre o melhor.
Porque decidiu integrar um aspeto fantástico no final do filme?
Quis justificar o título do filme de uma forma visual. Cortemos a menina ao meio e ela sairá inteira. É o que fazem as mulheres. Elas reconstroem-se – sabe porquê?
Porquê?
Porque não têm pénis.
Tem a certeza?
Que não têm pénis?! Tenho a certeza absoluta! (risos) Repare, eu já vi mulheres arrasadas que se reconstruíram de uma forma relativamente rápida.
Sente-se agora mais confortável a fazer filmes clássicos do que durante a rebeldia dos anos 60?
Eu nunca me senti muito rebelde…
Nem durante a nouvelle vague?
Mas eu não era muito rebelde. O Jean-Luc (Godard) sim, era rebelde. O Truffaut não. Eu era um jovem; o que queria era divertir-me e fazer filmes. Entretanto percebi que poderia fazer coisas interessantes. Acho até que sou agora mais rebelde do que nessa altura. Divirto-me mais. Veja o que sucede com o Bush, só faz disparates. É uma anedota. Mas para o ano terá partido. (Nota: a entrevista realizada pouco antes das eleições americanas)
E em França, que filme faria com o Presidente Sarkozy?
É ainda um pouco cedo para saber. Mas é divertido. Ele é uma espécie de mistura entre Funés e o Christian Clavier… Tenho a certeza de que quando se fizer um filme sobre ele, o Clavier terá de ser considerado…
É o seu lado cómico…
O que é divertido é que faz agora sete ou oito meses que está no poder (em 2008), mas parece que já está há anos. E para o mundo politico é muito.
Sente-se agora mais solitário ou encontra outros realizadores que considere próximos do seu trabalho?
Vejo muitos filmes. E há um que gosto muito. Por exemplo, o James Gray, que até não filma muito. Acabou agora a sua trilogia. Vamos ver. Mas até agora impressionou-me bastante. Com ideias interessante e sem grandes erros.
Vai muito ao cinema?
Nem por isso. Vejo muitos filmes em DVD. Tenho um ecrã enorme em casa; é como se estivesse no cinema.
Os seus filmes vão frequentemente a Berlim e Veneza, mas não a Cannes…
… eu não gosto de Cannes.
E porquê? É um ponto de honra?
O meu primeiro filme chamava-se Um Vinho Difícil (1958) e tinha sido selecionado para Cannes. Mas, à última da hora, o festival acabou por o substituir por um outro chamado L’Eau Vive’ que era financiado pela EDF. E eu ao lado da EDF não era grande coisa. Por isso, a partir desse momento disse que “Cannes nunca mais!” Fiz uma exceção pela Isabelle (Huppert) porque no ano precedente não tinha ganho o prémio de interpretação por La Dentellière (1977). No entanto, gosto do Gilles Jacob, que é meu camarada. Estudamos juntos Filosofia.
Lembra-se de quantos filmes já filmou?
Filmes para cinema fiz 56 e uma vintena de filmes para televisão.
Por isso, está constantemente a trabalhar…
Como gosto tanto do período da rodagem, para me irritar nessa altura tenho de me preparar antes.