O que se diz de Nova Iorque poder-se-ia dizer de Roma. Ninguém a visita pela primeira vez. É quase impossível ir à capital italiana e não sentir que já se lá esteve antes. Pressente-se o zelo com que Rosselini procurava a imperfeição do plano; o enfado aristocrático das personagens em Visconti atrás das fachadas palacianas; o casal esfomeado à mesa de burgueses em Dino Risi; o olhar desesperado de um pai em busca de uma bicicleta na Roma estéril de decadência e desemprego em De Sica e Zavattini; em algumas esquinas os tempos lentos, quase mortos, em algumas esquinas, e o langor distante de Mónica Vitti, quase a sair do enquadramento de Antonioni; Anita Ekberg, claro, a passear pela Fontana di Trevi, e as demais extravagâncias oníricas e circenses de Fellini… Tantos fragmentos de cenas e memórias, a preto e branco e a cores, sobretudo a partir do pós-guerra, quando as telas de todo o mundo se encheram de nomes de realizadores terminados em “i”. Foram mais de vinte anos consecutivos de cinema enorme que marcou o século XX. E é por isso que, neste século, sempre que estreia um filme italiano, tanto e tão grande passado venha sempre atrás, arrastado como a cauda de um vestido. Na esperança de uma centelha do brilho de outrora ou de um despertar do belo adormecido, que nos faça esquecer que o Berlusconi existe -tal como o neo-realismo italiano nos trouxe, por momentos, a deslembrança de que aquele fora o país de Moussolini.
Acontece isso com Eu sou o Amor (estreia-se quinta, dia 20), de Luca Guadagnino, que procura claramente a elegância e “as divinas lentidões” de Antonioni, projectadas na actriz escocesa Tilda Swinton – que ás vezes, é tão glacial, mas que neste filme ganha uma dimensão mais amena e intrigante. Sempre numa demanda de si própria, como as mulheres de Antonioni, ainda que dentro do homem que querem amar.
Também a terceira edição de 8 e ½ Festa do Cinema Italiano (21 a 29 de Maio), em Lisboa, está apostada em mostrar que existe vida para além de Moretti e Begnini. Pela primeira vez, conta com uma secção competitiva (sete filmes), e um dos momentos altos será a presença de Matteo Garrone, realizador de Gomorra, que conquistou as atenções internacionais e o Prémio Especial do Júri em Cannes, em 2008, com aquela espécie de neo neorealismo italiano. O realizador virá apresentar uma retrospectiva de filmes seus, inéditos em Portugal. Aliás, como a quase totalidade dos cerca de centena de filmes produzidos em Itália anualmente.
Mas até numa Festa que pretende divulgar a emergência de um cinema (exibirá o triplo dos filmes do que na edição anterior) se encontra sempre presente o lastro dum passado luxuoso. A começar pelo nome: 8 e ½, numa referência (reverência?) a Fellini. Neste filme dentro do filme, Marcello Mastroiani é um alter ego, um realizador em crise meia idade, em pleno bloqueio criativo. Por isso, deambula por ali, a atravessar pontes suspensas entre o sonho e a realidade, e todo um compêndio de temáticas e estéticas felinianas desfila sob os nossos olhos. Curioso é o spot promocional da Festa, que também quis trazer o sopro de Michelangelo Antonioni, por ocasião do cinquentenário de
A
Aventura, o ponto de partida da célebre triologia existencial, que culmina com O Eclipse(1962). Ana Padrão faz de Mónica Vitti cheia de olhares lânguidos e perdidos. Os organizadores do festival encontraram nela “uma feminilidade melancólica, sofisticada e atormentada”. No vídeo-clip vêmo-la a despertar numa cama vazia e vaguear pelos corredores de uma casa. “Misteriosa, quase suspensa, olha para o público, talvez surpreendida num instante de inesperada consciência de si própria”.