District 9 não é um filme futurista. Apesar de ter naves espaciais, seres de outros planetas com imensos tentáculos, pinças e antenas, ou de haver dispositivos activados através de hologramas e de fluidos alienígenas. A primeira e tão inventiva longa-metragem do sul-africano-canadiano Neil Blomkamp é um filme profundamente actualista.
Só dos tempos que correm podia sair algo assim. Durante décadas, o cinema passou-nos a versão dos extraterrestres indesejáveis ou porque queriam colonizar o planeta e submeter a humanidade, ou simplesmente exterminá-la porque sim, ou então possuíam a hábil manigância de se infiltrar sob as nossas peles, como se nós fôssemos invólucros recicláveis. É claro que cada alien invasor trazia em apêndice a metáfora dos terríveis (embora menos tentaculares) russos, e finda a guerra fria, chegaram os ETs de Spielberg, muito mais amistosos e benévolos. Agora, aterra-nos este filme (estreia-se hoje, 24), em que os aliens não são invasores, mas refugiados. Ou seja: outra vez indesejáveis.
O filme utiliza um expediente narrativo muito inteligente, e que resolve, de D.R. vez, a questão da incredulidade. Todo ele é construído em registo de falso documentário televisivo, com câmaras à mão, imagens de videovigilância, planos esquinados, depoimentos e entrevistas de rua reais, com muito grão e todo um look low budget (um baixo orçamento que até aconteceu, tendo em conta os padrões do superprodutor Peter Jackson). O que não é original. Basta pensarmos que foi recorrendo a um falso documentário que Michael Curtiz convenceu toda a gente de que Casablanca era uma plataforma giratória de espiões e foragidos da Segunda Guerra…
MAL-VINDOS
E, então, temos uma nave gigantesca que, um belo dia, aparece a pairar sobres os céus de Joanesburgo. Os aliens vêm subnutridos e desgovernados, e o Estado, cheio de boas intenções, realoja-os em campos de refugiados.
Só que os anos passam, eles reproduzem-se, já são mais de um milhão, nunca mais se vão embora, e ainda por cima têm um aspecto algo viscoso (uma mistura entre os homens-alforreca dos Piratas das Caraíbas e a silhueta angulosa das criaturas do Alien) e o desagradável hábito de chafurdar nas lixeiras com as suas tenazes. O ex-país do Apartheid cobre-se outra vez de placas de acesso interdito antes “whites only”, agora “humans only”. O campo torna-se gueto, e os ETs uma praga. Aliás, a espécie residente trata-os depreciativamente pelo nome de uma espécie infestante: Prawns (gafanhotos, na tradução portuguesa).
Há uma multinacional de armamento privada que faz raides de helicópteros e camiões blindados nesta imensa favela, entretanto dominada por gangs de nigerianos que controlam o mercado negro e gostam de comer braços de alien. O filme entra numa estética muito hiperactiva e enérgica, ao estilo Slumdog Millionaire (a última tendência de Hollywood, embora aqui num registo menos sofisticado). Aparece em cena Wikus (o estreante Sharito Copley), operacional recém-promovido dessa empresa, e a sua metamorfose como actor é muito mais interessante do que a que ocorre com a personagem: num déjà vu, muito à Mosca, de Cronenberg, começam-lhe a cair as unhas, os dentes ele já é “um deles”. E sente-o na pele, caçado pelas entidades oficiais e cobiçado pelas não oficiais (os nigerianos insistem em devorar-lhe um braço mutante).
Toda a originalidade da premissa inicial e da provocação do subtexto, na primeira parte do filme, descarrila na segunda, com a habitual trepidação de tiros, explosões e efeitos especiais, e até cenas do tipo Tranformers… Mais do que aparência, é muito bem conseguida a linguagem falada pelos aliens, um misto de interferência de rádio com scratch no vinil. Fica por explicar porque é que eles são tão apreciadores de comida enlatada para felinos, e não preferem os gatos eles mesmos como outro ET famoso.