Houve pistas falsas no caminho até à revelação do novo disco dos U2
No Line on the Horizon – nas lojas europeias, na próxima segunda-feira, 2 de Março, depois do lançamento, na Irlanda, no dia 27 de Fevereiro. No jogo da antecipação houve quem dissesse que vinha aí o mais experimental dos álbuns da banda irlandesa. Falou-se num disco todo ele marcado pelo exotismo do Norte de África, onde decorreu uma parte das gravações. Houve quem garantisse que era um regresso aos trilhos americanos de The Joshua Tree, de 1987. A especulação faz parte do jogo, quando se trata de um disco novo da “maior banda do mundo” (ninguém sabe muito bem quando, como e onde nasceu esse epíteto tão definitivo, mas não há dúvida de que lhes assenta bem, entre canções épicas, estádios esgotados e o empenhamento humanitário de Bono nos grandes palcos da política mundial). E, nestes casos, especulação associada a um grande secretismo é a melhor campanha de marketing. Foi o que aconteceu.
A partir dos seus escritórios de Londres, a Universal conseguiu impedir que as novas canções se espalhassem antes de tempo. A revelação do disco à comunicação social, por exemplo, obedeceu a uma estratégia inédita de segurança, sem cópias de avanço. No caso dos jornalistas portugueses, organizou-se uma viagem a Madrid exclusivamente para a audição do disco, à volta de uma grande mesa, nos escritórios locais da Universal.
Devidamente desapossados de telemóveis, sem a tecla rewind como opção e com o compromisso de devolvermos as folhas com as letras, no fim da sessão, constatámos o óbvio: “Isto soa mesmo a U2, hã?” Quando falamos no disco novo de um supergrupo com 33 anos de carreira, não há assim tanta margem para surpresas.
A ‘volta de honra’ Mas… Mas, afinal, ouvir estas onze novas canções é o único modo de concluir o tal jogo de pistas, adivinhas e especulações. De chegar à casa central deste jogo da glória. E… Não, não é, afinal, o regresso do lado mais experimental do quarteto irlandês. Não, não é um caso de amor arrebatado pelos sons de Marrocos. Sim, os que mais se aproximaram da verdade foram os que apostaram numa espécie de (impossível) retorno às canções inspiradas de The Joshua Tree. Na verdade, foi quando os U2 tomaram os Estados Unidos de assalto, em 1987, na sequência desse disco que trepou nos tops de todo o mundo com canções como Where the Streets Have No Name ou With or Without You, que começou essa história de “maior banda do mundo”. Já lá vão mais de 20 anos, a Internet era pura ficção científica e os discos precisavam de uma agulha para revelarem os seus lados A e B. E a verdade é que o quarteto irlandês chegou a 2009, e ao admirável mundo novo da tecnologia digital, com esse estatuto reforçado. É preciso dar-lhe corpo. Depois de terem arriscado experiências e novas sonoridades, próximas da electrónica e da música de dança, nos anos 90 (com Achtung Baby, Zooropa e Pop), os U2 parecem ter estrategicamente decidido, para o século XXI, registar uma síntese, o mais eficaz possível, do seu som, da sua matriz original. Aos três álbuns pós-ano 2000 (All That You Can’t Leave Behind, How to Dismantle an Atomic Bomb e, agora, No Line on the Horizon), um jornalista do britânico The Observer chamou “volta de honra”. E, de facto, já não há nada a provar, mas é preciso alimentar a máquina, a grande máquina que Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen, Jr. inocentemente criaram em 1976 e se tornou maior do que eles.
A linha do horizonte Dito isto, No Line on the Horizon não é, de todo, um disco de uma banda sem ideias, cansada e criativamente esgotada. Não é, sequer, um disco em piloto automático como muitos dos que a rotina pop rock vai produzindo todos os meses. Tem canções tão boas como as melhores canções que reconhecemos aos U2. O que inevitavelmente lhe falta é o factor surpresa. E até essa ausência agradará, certamente, aos maiores fãs da banda espalhados, aos milhares, pelos cinco continentes. Brian Eno (que, com o produtor Danny Lanois, participou de muito perto na realização do disco) referiu-se a Breathe, a faixa 10, como a “canção mais U2” que a banda alguma vez gravou. Quando um grupo se tem por referência a si próprio, numa espécie de tautologia contínua, perseguido, sem conseguir fugir-lhe, pela história e tradição que foi criando, é difícil, impossível, compor algo radicalmente novo e surpreendente. Como uma maldição – ou soa previsivelmente a U2 ou “não é” U2… No Line on the Horizon é, pois, uma excelente síntese de tudo o que esta banda representa. O single de apresentação (Get on your Boots), um hedonista (“I don’t want to talk about wars between nations/ Not right now/ Hey sexy boots…”) e acelerado tema rock, até podia anunciar um novo som. Mas é apenas uma demonstração de que os U2 podem fazer o que lhes dá na real gana, como escolher um single que não é, certamente, a faixa mais consensual e catchy do disco. Para isso, está lá Magnificent, canção de amor para grandes estádios, daquelas que parecem um clássico instantâneo, daquelas que, para o bem e para o mal, parece que já ouvimos mil vezes assim que a ouvirmos pela primeira vez… “Only love, only love can leave such a mark/ But only love can heal such a scar”, canta Bono, e parece que o estamos a ver a circular no palco, ampliado nos ecrãs gigantes, com The Edge em pose cool ao lado.
Com cantos de passarinhos e o que parece ser um sopro árabe, Unknown Caller começa por nos transportar para Fez, onde os U2 assentaram arraiais em 2007 para uma parte da gravação deste disco… Mas, logo a seguir, a guitarra reenvia-nos para terrenos familiares, para as boas recordações de The Joshua Tree, apesar de a letra fazer trocadilhos com termos do quotidiano informático do século XXI: “Force quit and move to trash” ou “restart and reboot yourself”. Restart, recomeçar, é um horizonte vedado a um supergrupo como os U2 .