O debate tem mais de quarenta anos. Foi em dezembro de 1978 que o psicólogo David Premack e o filósofo Guy Woodruff se atreveram a lançar pela primeira vez a pergunta “O chimpanzé tem uma teoria da mente?”, num artigo publicado na revista Behavioral and Brain Sciences, da Universidade de Cambridge. E, desde então, esta pergunta nunca deixou de estar no ar, dando azo a centenas de estudos e artigos científicos.
Faz sentido que os investigadores tenham vontade de lhe responder. A teoria da mente é a capacidade de entender e antecipar os pensamentos dos outros (sejam eles desejos, conhecimentos, motivos ou intenções), capacidade essa que o Homem acreditava ser apanágio seu. Se ficar provado irrefutavelmente que os chimpanzés – e, à sua boleia, mais alguns primatas não-humanos – possuírem a teoria da mente, cai por terra mais uma barreira cognitiva que nos separa deles.
É exatamente isso que sugere um novo estudo, realizado por uma equipa internacional de investigadores, encabeçada pelo psicólogo Fumihiro Kano e o psicólogo e antropólogo Christopher Krupenye. O estudo, publicado em setembro na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos), apenas sugere, leu bem. Até se poder escrever “revela”, ainda há mais testes a fazer, admitem os seus autores, que acreditam estar a caminho de o conseguirem. A verdade é que nunca se tinham visto grandes símios a fazer aquilo que eles observaram durante as suas experiências.
Obcecados com informações sociais
O japonês Fumihiro Kano é o primeiro a confessar ter dúvidas quanto aos resultados. Numa escala de um a dez, este investigador do Santuário Kumamoto da Universidade de Quioto avalia com um cauteloso seis a sua confiança na certeza de que os grandes símios possuem a chamada teoria da mente. “Começámos as experiências a acreditar nisso, mas há tantas alternativas que temos de continuar”, justificou à revista The Atlantic.
Há vários anos que este psicólogo especialista em comportamento e cognição de animais se dedica a estudar chimpanzés, bonobos, orangotangos, gorilas, macacos japoneses e, mais recentemente, pombos, comparando-os com seres humanos. Desta vez, conseguiu convencer um colega a disfarçar-se de gorila para contracenar consigo nuns pequenos filmes pensados para serem mostrados a 47 primatas que vivem em cativeiro no Japão e na Alemanha (29 chimpanzés, 14 bonobos e quatro orangotangos). O disfarce de King Kong, como lhe chamaram, parece parvo, mas, aliado a um argumento que incluía roubo, funcionou.
Tal como nós, os grandes símios são “bastante obcecados com informações sociais – quando há um conflito dentro do grupo, todos param e prestam atenção”, diz Christopher Krupenye, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Hamburgo, na Alemanha. “É como se fosse a versão deles do programa de televisão Big Brother, que fizemos para que realmente ficassem interessados no que iria acontecer depois.”
Vemos as prestações de Fumihiro Kano nem Satoshi Hirata e ficamos com vontade de rir, de tão exageradas. Certo é que, ao contrário de vídeos de estudos anteriores, estes prenderam a atenção dos grandes símios. “Eles querem ver mais ação e até talvez violência”, diz Kano. “E ficam ligeiramente irritados com o tipo esquisito com ar de macaco.”
Seremos nós suficientemente inteligentes?
Os chimpanzés, bonobos e orangotangos foram convidados, um a um, a sentar-se numa sala e a beber um sumo enquanto viam filmes num monitor. Uma câmara de infravermelhos debaixo do monitor registava para onde é que dirigiam o olhar durante os vídeos.
No primeiro teste, os primatas viram um filme que mostrava Kano a ser levado a pensar que uma grande pedra estava escondida numa de duas caixas idênticas. Quando ele se ia embora, “King Kong” trocava a pedra de caixa. Os primatas sabiam isso, mas Kano não. Utilizando a tecnologia de rastreamento ocular, parecia que eles antecipavam a falsa crença de Kano de que a pedra ainda estava na primeira caixa – porque era para aí que olhavam quando ele regressava ao local.
Num segundo teste, “King Kong” não voltava a pôr a pedra em nenhuma das caixas e Kano escondia-se atrás de uma tela em vez de abandonar a sala. Aliás, de duas telas – uma opaca e outra que à distância parecia opaca mas na realidade era transparente. Todos os primatas puderam verificar as telas antes de serem divididos em dois grupos. No grupo que viu Kano escondido atrás da tela transparente, os primatas adivinharam que ele não iria procurar a pedra em nenhuma das caixas.
“Os resultados sugerem que partilhamos a teoria da mente com os nossos primos evolutivos”, diz Kano. “Agora, planeamos continuar a refinar os nossos métodos.” Será que os primatas não-humanos pensam na “identidade” da pedra? Qual será a sua reação se ela for trocada por um outro objeto? É esse o seu novo projeto.
No ar fica sempre a pergunta, deixada pelo primatólogo Frans de Waal no seu livro mais recente: “Seremos nós suficientemente inteligentes para sabermos até que ponto os animais são inteligentes?”