Há já algum tempo que assisto, atónito, a um nunca mais acabar de programas televisivos, com comentadores, especialistas e licenciados (recém praticantes), que de um momento para o outro descobriram uma série de cataclismos políticos, financeiros e sociais como se de repente tivessem saído do quarto e descoberto que o homem já foi à Lua…
Pois apetece-me dizer que dissertam sobre tudo e não dizem nada … encontram culpados, inocentes e outros energúmenos que nada têm a ver com os verdadeiros culpados da situação atual do nosso país.
Senão vejamos, os primeiros culpados foram aqueles senhores que escreveram a Declaração Universal dos Direitos humanos. Quem é que se poderia lembrar de escrever algo tão descabido como o preconizado no seu artigo 1º: ” Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos…”, ou ainda no seu artigo 23º: “…Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.”
Como é possível alguém pensar numa coisa destas? Está tudo louco, deve ser mais algum Sr. de esquerda, inimigo do Passos Coelho ou do nosso incompreendido Gaspar.
Como seria possível, de outra forma pagar a um simples motorista nas forças armadas, 600€ (uma barbaridade) e ao mesmo tempo contratar 11 novos motoristas para o gabinete do Sr. Primeiro-ministro, a ganhar uns míseros 3000€ mensais, e ainda … suplementos de férias e de Natal? Calma, temos de perceber que só podemos pagar 3000€, estamos em crise, não há dinheiro e para além disso, o motorista das forças armadas conduz um qualquer General com mais de 40 anos ao serviço de Portugal e com várias comissões de guerra … o que é isso comparado com um Alto Secretário de Estado, com menos de 40 anos de idade, IDADE, que é seguramente primo de alguém importante?
Tubo bem … vamos esquecer a tal declaração escrita há muitos anos, o que interessa é o que nós escrevemos em Portugal. Vamos então falar dos segundos culpados.
Algures nos idos anos de 1974, um conjunto de ilustres portugueses elaborou um documento escrito, promulgado como Lei, com o aval do povo português: A Constituição da República Portuguesa.
Logo no seu artigo 12º alguém se lembrou de escrever: ” Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei…”. E ainda, no seu artigo 16º ” Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.” … Outra vez a Declaração, afinal em Portugal também existem uns Srs. que, já em 1974 não gostavam nada do Sr. Coelho e do Sr. Gaspar. Porque será?
Mas deixemo-nos de falar de leis, concentremo-nos nos anos idos de 2012.
Para estabelecer alguma ordem e coerência, vou começar o meu desabafo, de cima para baixo, isto é, começo pelas altas instâncias europeias e vou acabar no comum do cidadão.
Comissão Europeia – Os princípios derivam da tal Declaração, são nobres, mas na prática não existem. Retirar-nos quotas de agricultura, produção de vinho e distribuí-los por países pobres como a França, parece-me justo. Retirar-nos quotas de pesca e distribui-los por países europeus como Marrocos, parece-me ainda mais justo. Pelo menos ficámos com benefícios na produção de papoila e beterraba. Já para não falar que podemos agora comprar o maravilhoso peixe de aquicultura vindo da nossa adorável Grécia, a preços muito agradáveis e com desconto de 50% em cartão.
Presidência da Comissão Europeia – Digam-me se estou enganado, não foi esse Sr. que nos abandonou e deixou o País numa situação de vazio governativo? Que permitiu que um Mui prezado Bon Vivant, ainda com motorista atribuído, chegar a Primeiro-Ministro da nossa República? Que permitiu a um outro Sr. assinar a compra de uma série de equipamentos fundamentais para a defesa de Portugal com contrapartidas incríveis dadas a Portugal por um conjunto de pessoas oriundas da Alemanha, curiosamente, o mesmo país donde deriva aquela Sra. que não quer subir os impostos para não asfixiar a classe média do seu país. Onde estão as contrapartidas? E os equipamentos? Ambos parados, Algures entre a esperteza de uns e a incompetência de outros e já agora com falta de dinheiro para combustíveis.
Expliquem-me, este Sr. não lesou o estado português, no pleno exercício das suas funções? Não diz a nossa Constituição, no seu Art.º 117 que: “Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.”? Afinal, parece que não!
Governo Português – Como devem ter percebido, não me refiro à Presidência da República, porque só falo de quem produziu algum trabalho, bem ou mal e a Presidência, que me lembre só tem produzido despesa. Adiante.
O problema de Portugal reside nesta classe política, que acha que um cidadão que contribuiu 36 anos para o Estado, é agora, um poço de problemas e de encargos, porque vai muitas vezes ao médico e tem uma reforma muito elevada, não compatível com a riqueza produzida no nosso país. Esquecem-se porém, que sem as suas contribuições era impossível pagar as reformas chorudas dessa mesma classe política que consegue reformas e regalias vitalícias por muitos menos anos de descontos.
O problema está nesta classe que ainda não conseguiu perceber que a garantia de receitas fiscais e de consumo interno reside numa classe média estável e com algum poder de compra. Sem estabilidade não há procura de habitação, parque automóvel que resista, criação de novo emprego, resta-nos apenas a sobrevivência a qualquer custo e o cumprimento cabal das nossas responsabilidades. Sim, porque ao contrário de muitos de vós, nós somos pessoas sérias.
Nós, antiga classe média, não queremos ordenados chorudos, regalias económicas e sociais, apenas queremos manter o que nos está legalmente atribuído. Não temos dinheiro para comprar casas a pronto, mas tínhamos condições de estabilidade para cumprir com os encargos que assumimos pagar em trinta ou mais anos. Ai não sabiam, um cidadão português da extinta classe média demorava em média 30 a 40 anos a pagar a sua condigna habitação. E agora? Devolve a casa que anda a pagar há 20 anos porque já não tem dinheiro, porque o Estado fica com quase metade dos seus rendimentos para alimentar os seus vícios e as suas regalias? Tenham vergonha meus senhores …
Capital – Para falar sobre o capital, e reparem que não tenho nenhum Curso Superior, tenho que subdividi-lo em três grandes áreas: os que detêm o capital, os que vivem dele e os que dele dependem.
As grandes instituições financeiras, isto é, o verdadeiro Governo da República, passaram os últimos 15 anos a emprestar dinheiro em condições de risco elevadíssimo para sustentar o lobby da construção onde se vendiam casas sete vezes mais caras do que o seu real custo de construção e onde o banco, através de juros, e os construtores através de escrituras estranhíssimas, acumulavam riquezas enormes agora escondidas debaixo de muitos colchões e espalhadas por muitos paraísos fiscais. Agora coitadinhos não têm o que comer. Mas não faz mal, os cidadãos devolvem as casas aos bancos, os bancos já não emprestam dinheiro, calma … vamos ajudar os construtores … já que não conseguem vender as casas vamos criar aqui umas leis para ajudar os meus amigos a arrendá-las. Mas cuidado, não as arrendem todas, aqui a malta porreira precisa duns apartamentos no Algarve, é pró filho que estuda em Faro, tá a ver? Tenham vergonha!
Os que vivem dele, aqueles que porque já têm muito, mais rapidamente acedem a mais, os grandes senhores deste país. Senão vejamos, eu inicio uma empresa onde produzo emprego para 10 pessoas, impecável, é o que este país precisa, mais malta a descontar para o estado, ” – ó Gaspar não te esqueças destes 10, olha que sempre caem mais 15000€ em receitas fiscais e o IRC e a TSU. Olha, já agora, aquele Senhor que abriu aquele Hipermercado em Mafra, pobrezinho, dá-lhe uma isenção de impostos até 2015.” Estes sim, ainda contribuem mais para o nosso país, criam emprego e tal …
Mas afinal, então este Sr. já extinguiu pelo menos 1/3 dos postos de trabalho que criou. Devido à subida de impostos e devido à crise. Não percebo, os impostos que ele não paga? A crise de quem, dele? Tenham vergonha.
Os que dependem dele, infelizmente todos nós cidadãos comuns que pagamos os juros altíssimos, as taxas e comissões atrás de comissões. Os que colocam nos bancos as suas míseras poupanças, que não podem comprar ações, usar paraísos fiscais, etc. Os que pagamos com impostos e mais impostos, os erros de gerência de quem tem a obrigação de usar e capitalizar o dinheiro que todos os meses entregamos ao estado. E aí, meus senhores, a realidade é só uma, a Banca e as grandes empresas portuguesas têm lucros anuais soberbos. Quando corre mal, o estado utiliza os nossos impostos para ajudar os pobres coitadinhos que andaram a brincar com o dinheiro como se de um simulador de playstation se tratasse. E se mesmo assim não chega, talvez cortando uns subsídios dê para afetar algum dinheiro para lá colocar. Mas cortamos só nos funcionários públicos… ok abrimos aqui e ali umas exceções na Banca e numa ou outra empresa.
Eu não queria mas vou ter de fazer mais uma vez referência aquela lei anti Gaspar criada nos idos anos de 1974:
Artigo 19.º
(Suspensão do exercício de direitos)
1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.
Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores)
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
Palavras para quê? Será que algum destes secretários de estado estudou isto na Escola? Meus amigos, não basta vestir um fato e dizer ” Juro, por minha honra, defender e fazer defender a Constituição, e as demais … blá, blá, blá …”. Os senhores deviam de ter vergonha!
Como já devem ter percebido, pertenço à extinta classe média, trabalho para o estado, mas não sou funcionário público e tenho o Curso Superior de Otário. Como veem reúno todas as condições para me incluir naquele grupo de iluminados com direito a opinião, com a ressalva que a minha profissão não me permite expressar livremente a minha opinião em círculos sociais ou comunicação social e com a grande diferença que já sei, há muitos anos, sim o Homem já foi à Lua …
Mas vou arriscar …
Vejamos, sou Português por convicção, sou militar das Forças Armadas, por vocação, onde sirvo há mais de vinte anos; Instituição secular alicerçada em valores como a honra, o patriotismo, a lealdade, o espirito de corpo, a disciplina e o espirito de bem servir. Instituição que, contrariamente ao que tem sido escrito e dito está bem e recomenda-se, porque é feita de homens e camaradas que servem Portugal, inclusive com o sacrifício da própria vida. (o que é isso comparado com o sacrifício de um subsídio ou dois? GANHEM JUIZO).
Trabalho fora de horas quando é preciso e não tenho isenção de horário. Faço serviços de 24 horas durante a semana e ao fim-de-semana e não me pagam horas extraordinárias. Nem quero. Foi a profissão que escolhi.
Tenho missões no estrangeiro, onde, infelizmente, convivi com a morte em combate de um camarada meu. No exercício da nossa missão, no Afeganistão, e em representação dos superiores interesses nacionais recebíamos 2400€ por mês de suplemento, esperem aí, quanto é que ganham os novos motoristas do Gabinete do nosso Primeiro-Ministro? Coitadinhos…só o trabalho que dá lavar as viaturas! Calma, para isso recebem o subsídio de lavagem … Ah!!!!
Apesar de muito respeitado na minha aldeia, por ser exímio no tiro com fisga, não me deram equivalências e levei três longos anos para ingressar nas fileiras.
A minha mãe trabalhou a vida inteira e recebe do Estado Português uma reforma de 249€ mensais, reforma essa que agradeço encarecidamente. Posso-vos assegurar que trabalhou mais anos ela, do que os meses de ida à Assembleia de alguns deputados deste país e com reformas, enfim também pequeninas. Coitadinhos …
Sou o primeiro a reconhecer a necessidade de alguns sacrifícios, não tenho nem moral, nem justificação para choradinhos sobre o meu subsídio de férias e de Natal quando existem famílias a viver no limiar da pobreza, mas deixem-me que vos diga, é para um é para todos e se chegamos à conclusão que é para entregar à Banca ou a uma Fundação qualquer, aí reservo o meu direito à indignação. Já chega …
Para terminar este meu desabafo, que já vai longo, permitam-me terminar por onde comecei e falar só um pouco desses tais iluminados que falam de tudo, do que sabem e do que não sabem.
Primeiro para lhes dizer que é graças a uma franja da sociedade portuguesa que tem vindo a ser atacada sem precedentes que muitos de vós podem libertar as vossas parvoíces e debater, por vezes de forma falaciosa e desprovida de qualquer substância todos os temas da atualidade. Por vezes ainda vão mais longe, os que agora criticam de forma feroz o clientelismo do estado e dele se serviram durante anos, a fazer viagens pelo mundo fora, a escrever crónicas e livros à custa do dinheiro que os contribuintes injetaram em RTP´s e afins. Mas sobre isto não vale a pena falar, o problema é recente e deriva exclusivamente dos militares e dos funcionários públicos, aquele bando de malandros que não faz nada, não paga impostos e tem um conjunto de regalias que está a afundar a República Portuguesa. Não se preocupem, não pago impostos mas agora peço sempre fatura quando vou jantar ao Casino ou quando compro o meu novo Ferrari… tenho que contribuir de alguma maneira, aliás, este ano em vez de ir para Bora Bora, onde tenho casa própria, vou arrendar um Xalé na Praia da Rocha para ajudar a débil economia portuguesa. Tenham juízo … a vossa função é informar com rigor … TENHO DITO.
(continua …)
PS – Não escolhi escrever o texto de acordo com o novo acordo ortográfico mas infelizmente é o Word que tenho.
Miguel
Funcionário Público … cuidado …