E cá estamos a entrar na nova carruagem deste enorme comboio sem fim, não me esqueço que estamos ligados à anterior e à próxima, e a anterior ainda a de antes e essa mesma a todas outras que, infelizmente ou não, não podemos simplesmente largar pois são as progenitoras desta onde estamos enlatados. Sim enlatados, porque não somos nada mais que umas sardinhas, umas com uma conserva mais picante, outras menos, mas todos na mesma lata, umas por baixo de mim, outras por cima. Sorte destas que verão primeiro a luz, por azar as primeiras a ser comidas.
Não culpo a carruagem 2011 ou os tubarões que aí viajam, pois tiveram como progenitores os da 2004, estes, por sua vez, os da 1995 e estes da 1985, mas se virmos com atenção o sémen vem todo do mesmo clásper, deste excelentíssimo senhor tubarão ainda presente na carruagem 2012 e nas que a antecedem.
Mas que posso eu, mera sardinha, fazer? Não é pelo medo de ser comida porque já experimentei inúmeras vezes a sensação de ser mastigada e cuspida, antes pelo receio de ser engolida sem ser saboreada. Quase toda a minha espécie tenta hoje perceber a génese da actual carruagem, mas esquecem-se, sardinhas, que nunca tiveram dentes para mastigar, sentiam-se felizes por engolir e quanto mais melhor, e quando já repletos cortavam-vos a cabeça, prontas para serem conservadas, pois não tendo espinhas não há dificuldade de engolir.
Esta seria a altura de culpar o sangue que herdamos, a cultura que apreendemos, as limitações que nos trazem… mas com que lata podemos condenar os nossos antepassados, que tanto lutaram por esta nação criando a nossa cultura?! Culpo aqueles que receberam tudo de braços abertos e ficaram saciados, aqueles que nunca procuraram o significado de “sustentável” e “futuro”, aqueles que tem a vontade morta. Porque foram esses tubarões o exemplo desta geração de sardinhas, porque foram esses que tiveram tudo e tudo gastaram, porque foram esses que nos puseram tudo nas mãos e nós, fizemos o mesmo.
Isto não começou na carruagem 2005, a doença é estrutural e temo que crónica. Foram injectados sedativos, mas o que só ajudou na propagação desta. Na minha opinião, não será neste comboio que chegaremos ao destino, pois para uma completa recuperação a solução passa por mudar de linha e não somente reparar carris.